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A mensagem ao povo brasileiro de esperança e de retomada de tempos melhores precisará colocar a proteção do meio ambiente entre as prioridades de um futuro governo Lula

O legado de Jair Bolsonaro no que se refere ao meio ambiente é de destruição coordenada. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

Um dos grandes lemas da pré-campanha do ex-presidente Lula que está sendo mencionado em todas as agendas país afora é a necessidade de reconstrução do Brasil a partir de premissas diametralmente opostas às do rastro de destruição que Bolsonaro deixará em janeiro de 2023.

Essa mensagem ao povo brasileiro de esperança e de retomada de tempos melhores precisará colocar a proteção do meio ambiente entre as prioridades de um futuro governo Lula. As políticas urgentes e necessárias de combate à fome, de desenvolvimento econômico, de geração de emprego e renda, valorização do salário mínimo e a elaboração de programas sociais, marcas dos governos petistas, devem estar aliadas a uma perspectiva de preservação ambiental, contenção do desmatamento na Amazônia, proteção dos biomas, respeito aos povos indígenas e comunidades tradicionais.

O legado de Jair Bolsonaro no que se refere ao meio ambiente é de destruição coordenada. É fundamental demarcar esse alerta, pois neste caso, não se trata de incompetência ou falta de vontade política, e sim de um método pensado desde o primeiro dia de governo para fragilizar o aparato estatal voltado à gestão ambiental, iniciando um processo de desmonte e redução gradual do orçamento para a área.

Um dos primeiros atos de Bolsonaro, em janeiro de 2019, foi acabar com a Secretaria de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, indicando como o então novo governo lidaria com este tema em que o país teve liderança nos tempos de Lula e Dilma na contribuição por bons resultados para minimizar os impactos das alterações no clima.

Política extremamente meritória construída no governo Lula, o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), coordenador de diversos programas, entre eles o de grande repercussão internacional que combateu o desmatamento e as queimadas, foi desmontado e paralisado. O mesmo ocorreu com o fim do Fundo Amazônia, após rusgas diplomáticas fabricadas pelo governo brasileiro com a Alemanha e a Noruega, resultando na perda de investimentos de bilhões em projetos de valorização das populações indígenas e povos tradicionais extrativistas e quilombolas. Os Planos de Prevenção e Controle do desmatamento da Amazônia (PPCDAM) e do Cerrado (PPCerrado), instrumentos relevantes que norteavam a atuação governamental na definição de estratégias visando a proteção dos biomas, foram dizimados.

Por meio de seu operador, o ex-ministro Ricardo Salles, o governo federal atuou como um facilitador da ação de grupos criminosos que exploram a floresta, ao desmontar todo o sistema de monitoramento e controle do desmatamento, reduzir o papel e as prerrogativas do Ibama e ICMBio, movendo perseguição aos servidores efetivos desses órgãos que ousaram lutar pelas do programa de fiscalização de crimes ambientais e do Prevfogo, programa de prevenção de fogo, que é a forma de se organizar antes da seca e da estiagem que ocorrem todo ano. O reflexo disso é o aumento considerável do desmatamento e das queimadas em todos os biomas.

O episódio da “passagem da boiada”, que chocou o Brasil ao ser revelado, mostrou outra frente de ataque de Bolsonaro ao meio ambiente, utilizando-se de medidas infralegais, sem a obrigação de passar pelo Congresso, para afrouxar portarias protetivas e reduzir o acompanhamento da sociedade civil, acabando com conselhos nacionais de políticas públicas, como o Conama, que fiscalizavam a atuação do poder Executivo.

A desfaçatez e a falta de escrúpulos de Salles e Bolsonaro chegou ao ponto de Salles viajar, utilizando recursos públicos, para prestar apoio político e logístico a criminosos ambientais na maior operação contra madeireiros ilegais da história do Brasil, numa completa subversão de valores. Não por acaso Salles está sendo investigado pela Polícia Federal por ser mentor de um esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, ao mudar uma norma técnica para beneficiar empresas acusadas de extração ilegal de madeira e exonerar servidores que assinaram relatórios técnicos contrários à medida.

Vamos juntos pelo Brasil recuperar o meio ambiente

O Brasil tem uma das maiores biodiversidade do mundo, ainda pouco utilizada. A sociedade do futuro implica usar melhor essa biodiversidade e isso implica usar melhor a floresta em pé, viva. O caráter estratégico desta decisão política impactará nesta e nas futuras gerações e permitirá desenvolver a economia do conhecimento verde e sustentável, com potencial imenso de geração de empregos e renda articulados com os saberes, tradições e modos de vida dos povos da floresta.

Lula tem a experiência e a liderança capazes de resgatar os compromissos e o protagonismo do Brasil na agenda global pela sustentabilidade e restabelecer a participação da sociedade nos espaços de decisões. A política ambiental deve estar no centro decisório e será, ao mesmo tempo, indutora e resultado do projeto de desenvolvimento do país.

A reversão do desmonte e da destruição ambiental são tarefas urgentes que pretendemos apresentar à sociedade no programa de governo do presidente, que tenho a honra e a oportunidade de ser um dos formuladores. Vamos estudar quais atos de Bolsonaro podem ser revistos e revogados sem prejuízo constitucional, especialmente os que afrouxam a proteção ambiental, favorecem a ação de criminosos e são atentados ao nosso ordenamento jurídico.

Temos a consciência da importância da escuta de todos os setores de nossa sociedade para a construção de um novo marco na relação com a natureza. O diálogo com a sociedade civil e os setores produtivos, como o agronegócio, é relevante para buscarmos novos consensos em torno de temas como a redução do uso de agrotóxicos, o controle do desmatamento, fortalecimento da agricultura familiar, fomento à pesquisa, à ciência, tecnologia e inovações.

A reconstituição do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) e do Sistema Nacional de Recursos Hídricos (Singreh) são medidas estratégicas a serem avaliadas, restabelecendo-se, de imediato, a participação social como diretriz e condição necessária para a implementação das políticas públicas. O Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Ibama e o ICMBio precisam ser fortalecidos, bem como as carreiras de Estado dessas instituições. A Funai tem que voltar a cumprir sua função de atuar em prol dos povos indígenas, deixando de lado a militância que assumiu a favor dos que querem invadir terras já demarcadas e empurrar os irmãos indígenas para fora de seu território.

As mudanças climáticas também precisam ser debatidas, voltando a implementar o Acordo de Paris, ampliando nossos compromissos em relação à Contribuição Nacional Determinada (NDC), integrando-a ao conjunto das políticas setoriais.

O PPCDam e o PPCerrado têm de voltar ao centro da agenda pública, sendo retomados e atualizados, bem como o fomento a iniciativas estaduais nesse sentido. Reativar o Fundo Amazônia e remodelar sua governança democrática é um desafio a ser enfrentado.

Antes de Bolsonaro, o Estado brasileiro tinha a meta de zerar o desmatamento até 2030. Caso Lula volte a governar o Brasil, precisaremos compreender se ainda será possível tecnicamente cumprir a meta, e todos os esforços do governo nesse sentido, incluindo a plena implementação do Código Florestal. Nesse sentido, um projeto de lei de minha autoria, que propõe moratória ao desmatamento na Amazônia por cinco anos, será de grande valia se for aprovado.

Os povos indígenas, os quilombolas e os povos e comunidades tradicionais desempenham papel estratégico na conservação e uso sustentável da biodiversidade, e representam caminhos virtuosos de promoção da segurança alimentar e de desenvolvimento nacional. A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, criada pelo governo Lula, tem que ser retomada e fortalecida.

Pretendi listar neste artigo uma síntese do retrocesso que representou o governo Bolsonaro na questão ambiental no Brasil, e algumas ideias que estamos discutindo no âmbito da construção do programa de governo Lula-Alckmin entre os partidos aliados da coligação e lideranças da sociedade civil. A situação é gravíssima e é nosso dever reverter o cenário atual. O desmatamento, por exemplo, está muito próximo de chegar ao nível de não-retorno, ou seja, mesmo que tenhamos êxito de 100% nas políticas de contenção do desmatamento e reflorestamento, não conseguiremos recuperar todas as áreas devastadas.

Essa batalha requer coragem, compreensão e diálogo com o povo brasileiro, e ninguém melhor que Lula para reunir essas qualidades e liderar nosso país rumo a um futuro mais justo e sustentável.

Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP). Atualmente coordena a Frente Parlamentar Mista dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Congresso Nacional e integra as Comissões de Orçamento; Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Ciência e Tecnologia. Foi presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara e vice-líder da bancada do PT