Política

As eleições de 2022 não ocorrem em circunstâncias normais. Desde 2016 e 2018 a doença da democracia brasileira se intensificou em espiral crescente

A escolha entre as armas ou os livros define o presente e o futuro do Brasil.Reprodução/Facebook

Pouco menos de dois meses nos separam das eleições de 2022. As eleições têm múltiplos significados. Em circunstâncias normais, elas servem para os cidadãos delegarem poder aos seus representantes para exercerem em seu nome os papéis de: presidente, governadores, prefeitos, senadores, deputados federais e estaduais e vereadores. Ao serem efetuadas tais escolhas, as eleições redefinem periodicamente a correlação de forças entre as correntes políticas presentes na sociedade. Escolher representantes para dirigir o estado e fazer balanços do campo político, de modo periódico, são procedimentos vitais para se viver democracia.

Mas nem sempre as eleições significam democracia. Eleições foram encenadas em ditaduras e em regimes autoritárias. Elas funcionavam para esconder e mascarar regimes antidemocráticos. Na ditadura civil-militar de 1964 existiram eleições para alguns cargos. Elas não significaram democracia. Elas eram inicialmente engano. Aos poucos as lutas e pressões da sociedade levaram as eleições a adquirirem dinâmicas corrosivas para o poder autoritário. Ou seja, com luta e tempo, elas se tornaram democráticas.

Nem sempre as eleições ocorrem em circunstâncias normais. Nas ditaduras e nos regimes autoritários, elas, destituídas de poder, deixam de ser procedimento da democracia. As eleições perdem as condições básicas para existir de modo efetivo. Elas não se efetuam na vigência de clima de liberdades. Elas não apresentam condições e oportunidades equânimes para os candidatos. Em suma, as eleições deixam de ser competitivas e se tornam meros rituais camufladores da realidade autoritária.

As aparências, muitas vezes, enganam. Desde 2016, o golpe deprimiu a democracia no Brasil. As eleições de 2018 foram continuidade e aprofundamento do golpe. Ao impedir que o candidato à frente de todas as pesquisas de opinião disputasse o pleito e ao inundar as eleições de fake news fabricadas em profusão por robôs pagos por empresas, burlando a legislação eleitoral, as eleições assumiram caráter nitidamente não democrático, pois a competição eleitoral foi ludibriada, tornada desigual e ilegal. A complacência da justiça eleitoral colaborou no aprofundamento do golpe e ampliou perigosamente a debilidade da, sempre frágil, democracia brasileira.

As eleições de 2022 não ocorrem em circunstâncias normais. Desde 2016 e 2018 a doença da democracia brasileira se intensificou em espiral crescente. Hoje, ela se encontra em frangalhos. Os ataques do poder Executivo nacional, a conivência da grande imprensa, a atuação dos poderes legislativos, e em parte do Judiciário, contribuíram bastante para o quadro que hoje nos ameaça. Ainda que alguns desses entes hoje busquem agora assumir a defesa da democracia, ela já se encontra em uma situação quase terminal.

Assim, as eleições de 2022 não podem, em hipótese alguma, ser consideradas normais. A escancarada ruptura das regras eleitorais, com destaque para aquelas relativas às limitações impostas ao uso de recursos públicos no momento eleitoral destroem as condições de concorrência minimamente equânimes necessárias à competição eleitoral. Conforme notícias veiculadas, foram centenas de bilhões de reais públicos injetados pela gestão federal, ilegal e ilegitimamente, para sua campanha e de seus correligionários, com a complacência de parte do congresso nacional, favorecida em sua reeleição com a quebra das regras, que buscam garantir condições mínimas de equidade e competição nas eleições.

A corrosão das regras que garantiam uma efetiva competição eleitoral afeta e impacta fortemente as eleições para o executivo e para o Congresso Nacional. Ela não pode ser desprezada. As forças políticas e toda cidadania democrática têm que atuar ativamente na sociedade para enfrentar tais atitudes antidemocráticas. A superação do perigo do autoritarismo neofascista é hoje responsabilidade de todas as pessoas, entidades e instituições que não desejam ver a barbárie consolidada no país. Todos os gestos, ações, posicionamentos, participações, declarações, conversas são imprescindíveis. A escolha entre as armas ou os livros define o presente e o futuro do Brasil.

Antonio Albino Canelas Rubim é pesquisador e professor da UFBA