Nacional

Em segmentos industriais em que somos líderes mundiais, como o da alimentação, tropeçamos com nossos irmãos famintos pelas ruas, uma contradição vergonhosa

É inegável a evolução da proposta inicial para a versão atual do Plano Indústria 10+ Desenvolvimento Produtivo, Tecnológico e Social. Foto: Adonis Guerra/SMABC

A desindustrialização brasileira é um processo que se inicia na década de 1980 e vem se agravando desde 2015, em decorrência da crise econômica e institucional que se instaurou no país, resultando em queda mais acentuada da participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) nacional, com aumento recorrente de importações, elevação do déficit comercial, aumento da participação de produtos industriais menos sofisticados e desnacionalização de cadeias produtivas” – trecho extraído do Plano Indústria 10+ Desenvolvimento Produtivo, Tecnológico e Social.

Diferente de outros países, como a Austrália e o Reino Unido, que se afastaram da indústria como consequência da elevação de renda per capita, esse processo ocorre de maneira precoce no Brasil e tem preocupado o movimento sindical ligado ao setor, seja pelo desemprego provocado com a saída de empresas ou pela redução de massa salarial e, consequentemente, empobrecimento social.

A necessidade de construir uma proposta – sob o ponto de vista da classe trabalhadora – capaz de interromper a desindustrialização e fortalecer a indústria surgiu a partir do Seminário: Desafios da Indústria no Brasil e os trabalhadores e trabalhadoras, realizado pelo Macrossetor da Indústria da CUT, MSI-CUT, e Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento, o TID-Brasil, com o apoio da Fundação Perseu Abramo, em junho de 2018.

Com a participação de mais de cem dirigentes dos sindicatos e confederações de trabalhadores que compõem o MSI-CUT (químicos, metalúrgicos, da construção civil e madeira, do vestuário, da alimentação e dos energéticos), o Plano Indústria 10+ Desenvolvimento Produtivo e Tecnológico foi construído como um conjunto de diretrizes para orientar as instituições públicas sobre a elaboração de políticas, programas e ações, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida, com redução das desigualdades e a distribuição de renda para a população nas diferentes regiões do Brasil.

O documento foi sistematizado pelos integrantes das subseções do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o Dieese na CUT Nacional, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC), na Confederação dos Metalúrgicos da CUT (CNM/CUT) e na Confederação dos Químicos da CUT (CNQ-CUT); pela equipe de assessoria do TID-Brasil e contou com a colaboração de professores da Universidade de São Paulo (Poli/USP), Universidade Federal do ABC (UFABC) e Universidade de São Caetano do Sul (USCS), portanto um plano escrito coletivamente por muitas mãos.

Desde sua formulação, em 2018, alguns elementos novos foram incorporados às preocupações iniciais dos sindicalistas, como a crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19 e o fenômeno da “desglobalização”, que repatriou diversas indústrias multinacionais aos seus países de origem e afetou de forma significativa as nações em desenvolvimento, como o Brasil.

Diante dessa nova percepção social, que expôs a dependência internacional de insumos básicos e as mazelas sociais e estruturais, surgiu a necessidade de atualizar o Plano Indústria.

Vimos e vivemos momentos desafiadores ao nos depararmos com a realidade de que o Brasil não fabricava uma única máscara para proteger as pessoas do novo vírus mortal e pior, as condições de moradia em várias cidades brasileiras deixavam a população ainda mais vulnerável por falta de estrutura habitacional, de saneamento básico, sem acesso a água e esgoto.

Em tempo de distanciamento social, encaramos a dura realidade do transporte precário e deficitário e da falta de acesso à internet para a continuidade da educação de crianças e jovens da periferia e dos rincões do Brasil, quando as escolas foram fechadas como tentativa de conter o contágio da doença.

Outra crise também afetou a indústria e mais uma vez expôs a nossa fragilidade nas cadeias produtivas. Desta vez foi a dos semicondutores, que paralisou empresas pela falta do produto e ainda tem paralisado.

Além disso, nos segmentos industriais em que somos líderes mundiais, como o da alimentação, tropeçamos com nossos irmãos famintos pelas ruas, uma contradição vergonhosa. Atualmente, são 33 milhões de homens, mulheres e crianças.

Para enfrentar esses e tantos outros desafios, agravados pelas muitas crises em que temos sido colocados à prova, novamente, representantes do movimento sindical, das universidades e entidades técnicas e do setor industrial se reuniram na busca de aperfeiçoar o Plano, realizando, com apoio do Solidarity Center – desta vez de forma virtual –, o Ciclo de Debates sobre indústria 4.0, o papel das estatais no desenvolvimento, as pequenas e médias indústrias, a transição energética, tributação, qualificação profissional entre outros temas relacionados.

É inegável a evolução da proposta inicial para a versão atual, aprovada em seminário no último dia 28 de abril e que passou a chamar: Plano Indústria 10+ Desenvolvimento Produtivo, Tecnológico e Social.

Uma das suas principais modificações está na inserção e designação de missões para o desenvolvimento industrial do Brasil, elevando aspectos sociais do plano.

O processo de retomada da indústria deve dialogar diretamente com as demandas urgentes da população brasileira, garantindo o provimento e a soberania produtiva de bens e serviços necessários para elevação do padrão de vida. A industrialização por missões sociais é eixo estruturante desse plano e ressalta que a industrialização não é um fim em si mesma, mas um meio para a conquista do desenvolvimento social amplo e caso a iniciativa privada não seja capaz de instaurar as bases produtivas para o avanço da indústria, seja por baixo retorno de capital ou por conta da baixa capacidade de investimento, cabe ao Estado brasileiro arcar com as responsabilidades de atender as demandas da população. O empreendimento estatal direto deve ser considerado como possibilidade de industrialização em setores chaves que promovam o transbordamento tecnológico e a conexão de cadeias produtivas desarticuladas.” – trecho extraído do Plano Indústria 10+.

Para destacar todo esse trabalho que temos nos dedicado nos últimos anos, convido todos e todas para conhecer a íntegra da nova versão do Plano Indústria 10+ Desenvolvimento Produtivo, Tecnológico e Social (www.tidbrasil.org.br). 

Rafael Marques é presidente do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento, o TID-Brasil e presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de 2012 a 2017, e a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, em 2013 e 2014. Ingressou na Ford, em São Bernardo do Campo, em 1986 e representou os trabalhadores e trabalhadoras na montadora do ABC Paulista por quase três décadas