Economia

O Estado não é uma máquina industrial, que precisa produzir estoque, vender e auferir lucro, mas sim produzir educação, segurança, saúde, bem-estar; auferir o lucro social da diminuição da desigualdade social

O custo social da venda da Vale é incalculável. Como mais emblemático, os desastres ambientais e humanos de Mariana e Brumadinho. Foto: Isac Nóbrega/Fotos Públicas

O presente trabalho busca expor um conceito muito recorrente no âmbito do Direito Público, o instituto da privatização, porém abrangendo outra forma de apresentação, muito embora, quando se fala em redução do tamanho do Estado e em políticas inovadoras para a gestão pública, os governantes sempre recorram a técnicas de diminuição do tamanho do Estado.

Apresentamos a origem das privatizações, bem como seu início no Estado brasileiro, como também os modelos adotados em outros países, que seguem legislação parecida, mas com modelos de terceirização, um pouco diferentes.

Privatizar um serviço não demanda apenas uma lei e uma redução ou não de valores, existe outro custo, que quase nunca é calculado, que é custo social do serviço, principalmente no Brasil, onde a Constituição Federal garante que o Estado tem obrigação de ser o maior fiador (garantidor) de direitos do povo brasileiro, com a concretização do modelo privatista como tem sido feito até hoje, nosso país tem se afastado dos mandamentos constitucionais, ficando também completamente indefeso perante crises internas e externas, e principalmente ficando inerte quando se tem a obrigação de usar a figura do Estado para defender direitos sociais e humanos de nossa população.

Por fim apresentamos uma crítica ao atual modelo de terceirização, que vai desde o modelo, jurídico, econômico e social, em que ambos contrapõem o conceito constitucional que condiciona o Estado a servir ao interesse da população brasileira e não a atender interesses privado-mercantis, partindo da premissa de que diferentemente do que ocorre na iniciativa privada o Estado não é condicionado ao “lucro”, seu padrão de excelência para com a coletividade está em outros indicadores, como diminuição das diferenças sociais, erradicação da pobreza, educação, saúde, segurança, crescimento sustentável, entre outros. Nessa lógica, as instituições precisam prioritariamente estar a serviço do Estado e não simplesmente a mercê de uma lógica financeira.

Segundo Moreira (1994) o processo de privatização foi originado na Grã-Bretanha, no início dos anos 1980, sob o comando de Margareth Thatcher. Sua implementação teve orientação ideológica, motivo que provocou críticas na pós-implementação. Apesar de não ser pacífico, podemos dizer que o modelo de privatizações, como atualmente é conhecido em nosso país, iniciou-se por enfrentar crises fiscais e os déficits públicos crescentes.

Ao longo dos anos 1980 o movimento privatista foi tomando caráter internacional, com outros países europeus também passando pelos mesmos dilemas econômicos, optaram por copiar a estratégia de Thatcher.

Em fins da década de 80, a privatização chega à América Latina, com as iniciativas pioneiras do Chile e do México. No Brasil o processo também tem início nessa época, quando o BNDES, através de sua subsidiária BNDESPAR, aliena participações majoritárias que detinha em 14 empresas, cujo controle havia assumido em função de problemas de natureza econômico-financeira por estas enfrentados.” (MOREIRA, 1994, p.98).

A evolução rápida das privatizações fez com que os líderes do Chile, México e Brasil o adotassem. Importante ressaltar que muito embora tenha nascido com o contexto ideológico inglês, tal processo não representa uma simples “modinha”, representando assim uma nova ótica gerencial da máquina pública, uma nova forma de se ver o Estado e o seu respectivo papel na sociedade.

De início o contexto de sua aplicação era enfrentar a sucessão de crises fiscais e os déficits públicos crescentes. Ao longo dos anos 1980 o movimento privatista foi criando caráter internacional, com outros países europeus também passando pelos mesmos dilemas econômicos, optaram por copiar a estratégia de Thatcher. No final da década de 1980 é a vez da América conhecer as privatizações, com sua adoção por Pinochet no Chile e também no México e finalmente no Brasil. Importante ressaltar que muito embora tenha nascido com o contexto ideológico inglês, tal processo não representa uma simples “modinha”, representando assim uma nova ótica gerencial da máquina pública, uma nova forma de se ver o Estado e o seu respectivo papel na sociedade.

Funcionamento das privatizações

Existem pelo mundo inúmeras formas de diminuição do tamanho do Estado, e que popularmente são chamadas de privatizações.

Dentre as opções da forma que o Estado determina a modalidade de diminuição de suas atividades, variam conforme a intenção a ser alcançada e a importância a ser considerada de determinada empresa e função que esta exerce. As modalidades de privatização mais adotadas no mundo compreendem:

- Oferta pública de ações: o governo estabelece um preço por ação a ser vendida e solicita propostas dos interessados. Nesse caso o Estado não precisa necessariamente “vender” a empresa toda, podendo persistir como sócio da iniciativa privada, tal modelo é similar ao adotado no Brasil sob a forma de Sociedade de Economia Mista, com empresas como Sabesp, Petrobras, nas quais o Estado tem maioria do capital, mas a iniciativa privada tem parcela da empresa também.

- Oferta particular de ações: realizada através de licitações ou negociação direta com investidores estratégicos, caso em que o governo solicita que as propostas indiquem a quantidade e o preço que os interessados estão dispostos a pagar, o que deve superar um preço mínimo fixado a priori. Tal iniciativa busca atender pressões de fluxo de caixa pelos países em que foi adotada, com isso o governo estabelece quanto precisa de dinheiro e pode inclusive optar com quem gostaria de fazer o negócio.

- Sistema misto: é uma forma híbrida das duas anteriores, onde o Estado “tenta” resguardar o controle nacional, e vende outra parcela da empresa para um grupo determinado de investidores.

- Venda a empregados/administradores: aqui a gestão da empresa passa da mão do Estado para os seus próprios funcionários, modelo adotado de forma elogiosa na Inglaterra, do ponto de vista da redução dos gastos com o folha de funcionários, talvez seja esse modelo que mais se aproxima de uma justiça social. A venda de direta aos empregados ainda não foi adotada como pratica recorrente no Brasil.

- Contrato de administração ou arrendamento: o Estado mantém a propriedade, mas busca aprimorar o gerenciamento da empresa através de um contrato com um operador/administrador privado, tal modalidade se destaca geralmente pelo lapso temporal, é uma espécie de aluguel por tempo determinado, em que o particular gerencia as atividades que outrora eram do Estado. Tal modelo é bastante utilizado no Brasil sob as formas de concessão de serviço público, como ocorrem por exemplo nas rodovias do estado de São Paulo.

A privatização no Brasil

Cabe inicialmente apresentar que o primeiro diploma na esfera jurídica que trouxe normatização para as privatizações ocorreram no final da ditadura militar, mais precisamente com o Decreto 86.215 de 15 de julho de 1.981, assinado no governo de João Figueiredo, decreto que fixou as normas para a transferência, transformação e desativação de empresas sob o controle do governo federal. Importante lembrar que embora, se desse na década de 1980 o embrião jurídico para o processo de privatizações, tivemos durante esse período uma atividade muito tímida, um pouco pelo forte nacionalismo presente nos governos até então representados pelo militarismo, e um pouco pela forma de administração, que com ênfase na burocracia do Estado culminava com a forte estatização promovida pelo governo com as recém-criadas empresas de características públicas, que de alguma forma tiveram seu papel de excelência atendidos. Durante esse período podemos afirmar que o processo privatista foi tímido, tendo atingido apenas empresas de pequeno porte, e que não tinham grande representatividade financeira e tampouco atraía capital externo, mesmo porque a legislação vigente proibia tal investida.

Com o final do período dos militares, o Brasil chega enfim ao período democrático, com a possibilidade da eleição direta dos presidentes, e com isso surgem também propostas “milagrosas” que encantam parte da população e culminam com a eleição de Fernando Collor de Mello e com a sua chegada ao poder, ele cria o Programa Nacional de Desestatização (PND) e que em menos de um mês passou de Medida Provisória para a Lei 8.031 de 12 de abril de 1990. O governo Collor ficou marcado entre outras coisas negativas, como o governo que definitivamente “abriu o mercado” para a iniciativa privada. Durante seu governo foram contempladas no Programa de Desestatização 68 empresas e com a estimativa de arrecadação com elas em torno de US$ 4 bilhões.

O governo Collor ruiu, após inúmeras denúncias e a abertura de um processo de impeachment, o primeiro da história do país, o então presidente renunciou ao cargo, e em seu lugar assumiu seu vice presidente, o mineiro Itamar Franco. Muito embora eleitos sob a mesma plataforma, optaram por rumos diferentes em suas administrações; Itamar não era entusiasta da política de privatizações, muito embora, ainda tenha as promovido em seu governo. Ficou caracterizado pela diminuição no anseio de privatizações, obstante a isso, teve outra característica muito importante sobre o tema, foi sob o seu governo que o Brasil passou a admitir capital internacional na compra de estatais. Estima-se que o governo Itamar tenha arrecadado aproximadamente US$ 4,6 bilhões.

Com o fim do governo Itamar, a situação da economia brasileira segue deteriorada, e mais uma vez surgem candidatos com promessas “milagrosas”, e que outra vez encantam parte da sociedade. Nesse bojo o sociólogo Fernando Henrique Cardoso venceu as eleições, prometendo uma série de privatizações. Segundo seu programa de governo, o Brasil jogava dinheiro no ralo com as estatais, venceu as eleições e mais do que isso conseguiu com o apoio (não gratuito) da imprensa brasileira convencer parte da sociedade que era preciso diminuir o tamanho do Estado, e com isso deu início o período mais agressivo das privatizações no Brasil. O governo FHC adotou medidas políticas que alinhavam o país ao chamado Consenso de Washington (uma espécie de cartilha de ensinamentos em economia, formulada por instituições e economistas americanos, com o intuito de “estimular” as economias, principalmente dos países em crise financeira e que precisavam de socorro econômico, que consistia em dez medidas: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto com eliminação de restrições, privatização das estatais, desregulamentação das leis econômicas e trabalhistas e direito a propriedade intelectual). O governo FHC perdurou por oito anos, não conseguiu resolver os problemas sociais, agravou a situação da economia, embora tenha conseguido conter a inflação e estabilizar a moeda. A estimativa de receita com as privatizações durante seu governo atingiram US$ 78,8 bilhões, sendo que parte desse dinheiro fora financiado pelo BNDES, banco público brasileiro.

O ano de 2002 acabou com a vitória do candidato Lula, e juntamente com o ano, acabou o forte ímpeto das privatizações, talvez por conta de uma outra vertente de governo, que visava orientar a gestão alicerçada na garantia e uso da máquina do Estado, dessa forma usando estatais como BNDES, Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal como principais fiadores das políticas públicas, com isso orientando o Estado brasileiro em sentido contrário aos seus antecessores. Os governos de Lula em oito anos e Dilma, interrompida no início do segundo mandato por um impeachment, apesar de terem orientações opostas quanto a figura da diminuição do tamanho do Estado, ainda registraram durante seus governos processos menores de privatizações, e concessões principalmente no setor de rodovias e aeroportos. Registrasse que o governo Temer, apesar de orientação neoliberal, não conseguiu efetivamente diminuir o tamanho do Estado como desejava, muito embora foi ele quem elaborou novamente um Plano de Privatizações que podem (devem) ser seguidas por seu sucessor Jair Bolsonaro de ideologia também neoliberal.

A história das privatizações pode ser dividida em três momentos no Brasil, o primeiro com o seu implemento e auge com os governos de Collor e principalmente Fernando Henrique, um segundo momento com os governos de Lula e Dilma, nos quais as privatizações perderam força, e passou-se a ver o Estado como alternativa de política pública, em contraponto aos governos anteriores, e um terceiro momento com a chegada ao poder de Michel Temer que juntamente com seu sucessor Bolsonaro retornam as políticas de Estado Mínimo e de privatizações.

O custo político e social

A Usiminas (Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S/A) foi fundada em 26 de outubro de 1962, em Ipatinga (MG), e o leilão de privatização da mesma foi realizado em 1991, dando início ao Plano Nacional de desenvolvimento (PND). Brizola (2017) aponta que a venda da Usiminas foi inoportuna, inconveniente e lesiva ao país, pois o valor vendido não corresponde sequer à metade do seu valor real, concluindo que o Estado se desfez de uma empresa rentável, que diminuía seu déficit.

O futuro próximo vai demonstrar que os empresários e banqueiros que fizeram parte desse negócio vão ganhar muito dinheiro com a simples valorização das ações que receberam a preço de banana. Isso é o que ocorre quando se compra algo abaixo do preço real. E quando este é um bem da nação, a suposta venda não passa de dilapidação do patrimônio público” (BRIZOLA, 2017, p. 57)

A administração pública em muito diverge da administração privada, uma vez que as empresas necessitam essencialmente do lucro como forma de analisar se determinada empresa é bem-sucedida. O Estado pode auferir seus resultados de outras formas, que não necessariamente dependem da acumulação de capitais, lucro.

Uma gerência pública bem-sucedida é aquela em que a população recebe de maneira satisfatória os serviços públicos, ou seja, o “lucro” para a administração pública é sua educação funcionar de maneira eficiente, na qual suas crianças sejam bem atendidas e seus professores bem remunerados; uma saúde que atenda às necessidades básicas e os profissionais da saúde sejam todos, “todos” respeitados e bem remunerados, e não apenas uma minoria; uma segurança pública competente, na qual o cidadãos possam ir e vir sem medo da violência; os serviços públicos funcionem sem aquelas intermináveis filas; a máquina pública responda aos anseios da população e também remunere bem seus funcionários.

O lucro da administração pública representa muito mais do que uma importância financeira, representa a vida e a qualidade de vida de pessoas.

Mas como se calcular um custo social de uma privatização? Essa é pergunta sem resposta. Talvez esse custo possa ser apurado apenas no futuro, e com a privatização já efetivada. Mas o que de fato pode ser considerado custo social? É aquele custo que não é medido de maneira financeira no primeiro momento, mas que em um segundo momento será remetido em custo para o Estado, ele está ligado diretamente a problemas sociais, e que com a privatização acabam por agravar tais demandas, isso partindo de um pressuposto que o serviço ora privatizado (e que agora prevê lucro), antes era prestado pelo Estado (sem previsão de lucro).

O Estado além de ser o principal fiador das políticas públicas, pode e deve ser também a mola propulsora da economia. Compete a ele gerir mecanismos políticos de tributação, determinando onde, como, quanto, quem e quando tributar. Nessa lógica central, a administração da máquina pública por meio de incentivos (que não são favores) consegue movimentar a economia, criando ciclos favoráveis, que consequentemente aumentem a arrecadação do Estado e possibilitem investir novamente em políticas públicas que gerem retorno para sociedade. Quando o Estado valoriza “decentemente” seus funcionários, consegue que a população aumente seu poder de compra, e com isso consuma mais, gerando mais empregos e renda, e com isso gerando mais tributo para o próprio Estado. É uma corrente cíclica.

O grande segredo para garantir o sucesso de uma administração pública é fazer com que ela atenda aos anseios de toda comunidade e não de apenas uma parcela dela. Ocorre que por algumas vezes o Estado é gerido por pessoas com viés de administração privada e com isso importam-se mais com estatísticas financeiras do que com o “conjunto da obra”.

De maneira didática podemos exemplificar uma política pública de caráter privatista e uma de caráter pública, com suas respectivas implementações e seus respectivos “custos”.

Primeiramente entramos na esfera privatista, na qual se tem o exemplo da venda da mineradora Vale do Rio Doce, privatizada, em 06 de maio de 1.997, no governo Fernando Henrique Cardoso, pela cifra de US$ 3,3 bilhões. A empresa sempre se destacou como uma das maiores mineradoras do mundo e contava na época de sua venda com um potencial ainda não atingido de descobertas que poderiam elevar ainda mais sua projeção, potencial este que fora confirmado no futuro, quando suas reservas minerais e futuras descobertas foram um verdadeiro “presente” para quem adquiriu a empresa.

Do ponto de vista econômico a venda da Vale é considerada trágica, partindo-se do valor obtido na época temos um verdadeiro desastre, embora não seja pacífico, o lucro apurado da empresa no ano em que foi privatizada atingiu US$ 325 milhões. Atualmente o valor de mercado da empresa é de aproximadamente R$ 305 bilhões.

Cabe destacar como forma de resgate histórico que em 1997, ano da privatização a economia brasileira era tida por dolarizada, ou seja, a moeda brasileira era equivalente à moeda americana, fato este muito distante da nossa realidade econômica dos dias atuais. Outro destaque necessário é o que trata sobre o impacto e a forma da privatização na economia brasileira, não apenas a Vale, mas as outras lucrativas empresas brasileiras foram negociadas em sua grande maioria para grupos financeiros do exterior. No caso propriamente dito da Vale, apesar do consórcio vencedor ser o chamado Brasil, boa parte do capital desse consorcio não é nacional, sendo inicialmente uma parte emprestada do próprio BNDES (banco público), aproximadamente 17% aplicado pelo grupo Opportunity e 9% pelo Nations Bank, então quarto maior banco americano. Na prática, vender o patrimônio brasileiro para outros países representa que o dinheiro produzido aqui irá gerar riqueza no exterior, e foi exatamente isso o que ocorreu, gerando uma gigantesca crise econômica e um absurdo endividamento externo, o que deixou tanto a economia, quanto a industrial nacional, totalmente vulneráveis, mesmo porque parte desse processo de produção, agora não atende a interesses estratégicos e tão somente a expectativa de lucros mercantis.

No entanto, a crítica à venda da Vale não tem anseio apenas no caráter econômico, principalmente em nosso trabalho, pois existem outros valores não contabilizados, e que não como estimar suas cifras, que provocaram grandes perdas para todos os brasileiros, aqui temos o famoso custo político e social.

O custo político é traduzido pela rejeição da opinião pública, ainda que tardiamente, porquanto ao negócio realizado, principalmente quando, ano pós ano verifica-se que os lucros da empresa são gigantescos e que tais lucros poderiam estar financiando políticas públicas para toda sociedade, mas que por força de uma decisão política neoliberal está apenas gerando riqueza para seus donos. Tal custo político também é atribuído para os patrocinadores do negócio, tendo em vista a rejeição futura que aqueles políticos envolvidos na privatização sofrem até os dias de hoje.

O custo social da venda é ainda incalculável, mas já imaginável, temos como mais emblemático, mas não como único, os desastres ambientais e humanos de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), onde nem ao menos o número de mortes pode ser precisado, tamanha a destruição provocada. Podemos incluir no custo social também o esforço estatal para fiscalizar as operações e as consequentes reparações pela “nova Vale”, temos ainda o custo da falta de ações estratégicas, pois, certamente com a empresa nas mãos do governo ela poderia atender interesses sociais e coletivos, dessa forma evitando a sanha desenfreada do lucro a qualquer custo. Podemos assegurar que o custo social da privatização da Vale do Rio Doce traga um prejuízo ainda maior do que aquele apurado na esfera política e econômica, mas tal prejuízo social não é uma peculiaridade apenas da venda da mineradora, está presente em todas as privatizações apresentadas no Brasil.

Finalmente, uma política pública de caráter público e que poderia ter sido ser privatizada, como é o exemplo da Petrobras, empresa estatal de economia mista que tem como sócio majoritário o governo brasileiro e que atua na exploração de combustíveis e derivados. Em 1997, ano chave para política de privatizações, a Petrobras teve seu valor estimado para venda em R$ 7,2 bilhões, atualmente a empresa tem um valor de mercado de aproximadamente R$ 360 bilhões, mesmo sofre forte crise política e de queda do preço do barril do petróleo. Partindo da premissa financeira, o Brasil ganhou em muito com a manutenção da gerência da empresa, principalmente durante os anos do governo Lula, quando a empresa teve um crescimento 1.250%.

Ainda podemos citar os lucros sociais promovidos pela empresa, de forma exemplificativa, temos a política de congelamento de preços do combustível, em épocas estratégicas, permitindo dessa forma ao governo o controle inflacionário, bem como o estímulo da produção industrial e empresarial. Portanto, não só de lucro financeiro vive uma empresa estatal, mas assim como custo social do prejuízo é incalculável, assim é o do lucro, pois é impensável calcular quanto o Brasil ganhou por cada emprego preservado ou gerado, quando o governo segurou” o preço dos combustíveis, ainda podemos ficar na dúvida sobre o quanto o governo “lucrou” com a descoberta do Pré-Sal e optou por aplicar seus recursos em saúde e educação. Temos aqui exatamente um exemplo claro da política cíclica que deve ser implementada de forma positiva por um governo que visa atender toda coletividade, usando as empresas públicas como mecanismo de políticas públicas e não apenas como meras formadoras de lucros para uma pequena minoria.

Considerações finais

Embora dividido entre ódio e amor por orientações políticas divergentes, é inexplicável a forma superficial com que um assunto de tamanha relevância é tratado pelo grande público, talvez essa superficialidade não seja coincidência e sim consequência.

Ao final do nosso estudo temos algumas constatações e ainda algumas dúvidas. Dentre as dúvidas: É possível um Estado moderno sem privatizações? De pronto, podemos assegurar que sim. Primeiro, a modernização de um Estado não se mede pelo tamanho de sua estrutura administrativa, mas sim pela sua eficácia e forma de administração. Por fim, o Estado precisa ser pensado do ponto de vista ativo, como aquele que interage na economia, buscando estrategicamente diminuir as diferenças sociais e evoluir do ponto de vista gerencial. Um Estado para todos, e não para poucos.

Dentre as constatações temos a de que as privatizações não são uma invenção brasileira, mas uma pia muito piorada quando aplicada no país. Outra constatação é que o modelo privatista não segue um padrão único, assumindo diversas formas, cada uma com sua peculiaridade, mas com o mesmo fim, tirar a gerência das mãos do Estado.

Talvez o cerne desse trabalho seja apresentar algo pouco debatido até então, como calcular um custo social nas privatizações. Podemos perceber que na verdade esse custo é incalculável do ponto de vista humano, mas estimável do ponto de vista financeiro, importa que nos dois pontos de vista o prejuízo é grande. Não sem motivo, o governo jamais se preocupou sem avaliar nem antes, durante e tão pouco depois, os custos sociais causados pela venda das estatais brasileiras. Nesse ponto o Estado foi omisso, enquanto zelador de direitos e obrigações que a própria Constituição Federal impõe. Falando em omissão, o Judiciário assistiu com a conivência conhecida como trata determinadas demandas, mesmo privando parte da sociedade de direitos, nenhuma corte judicial, mesmo quando provocada, se opôs a qualquer das práticas apresentadas, e não foram poucas as reclamações do ponto de vista legal, sobre os mais variados aspectos. Nem quando o custo social se apresenta da maneira mais trágica como nos desastres criminosos de Mariana e Brumadinho, o Judiciário participou da maneira esperada por parte da sociedade, principalmente por aqueles que pagaram diretamente o alto custo desse valor social. Se da esfera legal, as privatizações foram questionáveis, do ponto de vista da moralidade, elas foram um escárnio, a menos que você seja um dos agraciados que adquiriram uma dessas empresas.

A privatização em si não é o maior dos problemas, mas a forma como foi feita no Brasil é sim um atentado de lesa pátria, o patrimônio público tem muito mais serventia do que tão somente o lucro, e reafirmo que o Estado não é uma máquina industrial, daquelas que precisa produzir estoque, vender e auferir lucro. Mas sim produzir: educação, segurança, saúde, bem-estar; auferir o lucro social da diminuição da desigualdade social, do combate à fome e essencialmente de garantir um futuro próspero para as próximas gerações.

Essencialmente o Estado precisa cumprir a Constituição Federal, dando para toda sociedade as garantias e direitos que o próprio Estado se comprometeu quando da promulgação da nossa Carta Magna, e para isso precisamos utilizar de nosso patrimônio público, precisamos do Estado como protagonista da sociedade e não como mero coadjuvante de empresários.

Carlos Alberto Santa Rosa Filho é bacharel em Direito (Facab), pós-graduado em Direito Público (Perseu Abramo) e Políticas Públicas (PUC) - [email protected]

Fabiola Rebessi Zillo é bibliotecária (USP), pós-graduada em Tecnologia da Informação (Uniderp) [email protected]

REFERÊNCIAS

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