Política

O PT tem o desafio histórico de aprofundar seus vínculos com as juventudes e movimentos populares dos trabalhadores com a disposição de incorporar as novas bandeiras por eles levantadas

"Vencemos o neofascismo nas urnas, mas não o derrotamos na sociedade". Foto: Ricardo Stuckert

O PT venceu as eleições presidenciais de outubro de 22. Alcançou democraticamente a presidência da República. Pela quinta vez...

Para infelicidade da opinião conservadora organizada pela mídia corporativa, a julgar pelo azedume expresso por seus editorialistas nos últimos dias, que marcaram o 10 de fevereiro, aniversário dos 43 anos do partido.

Vencedor pela quinta vez de um pleito eleitoral para a presidência da república, o PT não pode se resignar ao papel de “Partido de Opinião” a mover-se dentro dos estreitos limites de uma democracia liberal em crise.

Um partido com vocação transformadora não pode se afastar de suas funções permanentes: educar, mobilizar e organizar os setores oprimidos da sociedade, em nome de quem pretende governar. Em outras palavras, não pode abrir mão de apelar continuamente à participação popular, e contar com o envolvimento direto dos setores sociais interessados na transformação da sociedade.

Concentrando, mais uma vez, as expectativas dos democratas, nesse momento histórico, contra a consolidação do neofascismo no Brasil, o Partido dos Trabalhadores, liderado por Lula, se apresentou como alternativa ao fracasso do projeto neoliberal imposto ao país pela aliança entre a direita convencional que promoveu o golpe de Estado de 2016. Derivou daí a emergência da extrema-direita liderada pelo obscuro ex-capitão, convertido em mito pelos setores mais reacionários da sociedade.

A resistência por seis anos fez do PT a principal referência da democracia

Sob o fogo cerrado dos oligopólios dos meios de comunicação, em 2015, durante a ofensiva que levaria ao golpe do impeachment sem crime de responsabilidade que afastou a presidente Dilma Rousseff, o PT se viu reduzido a 9% na preferência dos eleitores brasileiros.

Seis anos depois, tendo sobrevivido a um golpe de Estado; à prisão ilegal e injusta de sua principal liderança por 580 dias, para impedi-lo de concorrer à presidência da República em 2018; a uma derrota nas eleições municipais de 2020, o Partido dos Trabalhadores se recuperou ao longo de 2021 e voltou a alcançar 28% da preferência dos cidadãos, segundo pesquisas de opinião dos institutos mais credenciados em atividade no país.

O PT retornou assim aos níveis mais elevados de preferência entre todos os partidos, aproximando-se do tradicional um terço do eleitorado de onde partiu para as campanhas vitoriosas de 2002, 2006, 2010, 2014 e agora na campanha de 2022, quando venceu pela quinta vez, o pleito presidencial à frente de uma ampla aliança democrática e antifascista, liderada por Lula que tomou posse como presidente da República para seu terceiro mandato. Fato inédito na história do país.

A devolução tardia dos direitos políticos de Lula pelos tribunais superiores e a desmoralização da farsa montada por seus perseguidores organizados na quadrilha de procuradores de Curitiba, conhecida como “operação lava-jato” sob a liderança do ex-juiz, ex-ministro do governo neofascista e atual senador, veio abaixo e permitiu o retorno do ex-presidente à cena política do país.

Não há registro comparável na história do Brasil, um país com escassa tradição de instituições democráticas duradouras, de uma agremiação partidária que tenha resistido nessa medida à ferocidade do combate sem tréguas das oligarquias e se mantido como força popular alternativa na disputa pelos rumos do desenvolvimento do país.

O baixo nível de compromisso da plutocracia com os valores democráticos

Para destruir o PT, as elites conservadoras brasileiras não vacilaram em conduzir um processo que poderia levar à destruição o sistema político fundado pela Carta de 1988. O sistema partidário tal como estruturado originalmente naquele momento, foi destruído. O PT sobreviveu.

Esse legado impõe enormes desafios ao Partido dos Trabalhadores para afirmar-se, num momento histórico muito mais complexo do que aquele vivido na resistência à ditadura militar e durante o processo de redemocratização dos anos 80.

Vai testar mais uma vez sua capacidade de equacionar as duas dimensões que nasceram com ele, nas grandes mobilizações operárias que precederam o 10 de fevereiro de 1980: a vocação transformadora e a vocação para liderar o campo das esquerdas, na disputa contra as forças conservadoras. Dito de outro modo: sua capacidade para apresentar um claro programa pós-neoliberal de reconstrução do país e exercer o diálogo necessário para unificar interesses de classe heterogêneos em torno dele.

Cultivar aquele impulso generoso herdado de sua fundação: combater o sectarismo e abrir-se para o debate programático com outras forças de esquerda e consolidar, inspirado em experiências das esquerdas em outros países do mundo, a federação partidária, recém-construída (PT, PCdoB, PV).

Esse momento histórico exige do PT – dos seus dirigentes e de sua militância – a compreensão de que o combate ao neofascismo disseminado na sociedade pelo aparato ideológico da direita convencional e da extrema-direita derrotada nas urnas, demanda um grande investimento na batalha de valores. A constituição de Comitês Digitais de Defesa da Democracia, contra as fake News, arma permanente das milícias a serviço do neofascismo, deve ser objeto de investimento permanente do partido e da federação nas condições da disputa atual.

O partido não pode ignorar o cenário de “Guerra cultural” – tal como definido pela extrema-direita – que se trava na sociedade contemporânea entre a cultura política ancorada nos valores humanistas do diálogo democrático e socialista, antirracista, em defesa da tolerância e do respeito às posições divergentes na sociedade, contra a concepção neofascista assentada sobre o primado do uso da força e da violência, como instrumentos preferidos para resolver os conflitos presentes nas relações sociais e, portanto da luta política.

Ampliar a Federação para combater o neofascismo disseminado na sociedade

Converter a vitória eleitoral de outubro de 2022 numa vitória política duradoura sobre uma visão de mundo miliciana que predomina em vastos segmentos da sociedade brasileira é o desafio. Em uma frase, é preciso compreender que: vencemos o neofascismo nas urnas, mas não o derrotamos na sociedade.

Ampliar a construção da federação partidária com outros partidos de esquerda, para conferir maior envergadura a nossas bancadas parlamentares. Converter os comitês populares constituídos durante a campanha de 2022 em diálogo com os movimentos populares e culturais em Comitês Populares de Defesa da Democracia (CPDD) para garantir de forma permanente a sustentação do governo Lula frente às ameaças da extrema-direita neofascista e frente aos segmentos conservadores que aderiram ao governo para seguir defendendo, a partir de dentro, as bandeiras neoliberais. Para não sermos surpreendidos pelos acontecimentos, como ocorreu em 2016.

A militância do PT, tantas vezes sepultada pelo discurso míope dos adversários, será convocada a apropriar-se do Programa de União e Reconstrução do Brasil, estudá-lo a fundo e converter-se no principal porta-voz na defesa de suas medidas nos embates ideológicos contra a oposição de extrema-direita. Mas, de igual modo, deve ser convidada a despir-se de sectarismos e envolver-se na tarefa de estreitar laços com as forças de esquerda unificadas na defesa do governo Lula, dentro ou fora das Federações e, ao mesmo tempo, tensionar os aliados da direita convencional sobre os rumos do governo democrático-popular.

Revigorar a democracia interna do PT

Democratizar as estruturas internas do partido para torná-las permeáveis aos influxos dos movimentos populares capazes de trazer para dentro do partido os novos conteúdos da agenda pública resultantes das aspirações da nova classe trabalhadora.

Essa classe trabalhadora jovem, informalizada, submetida à superexploração dos apps que se expandiu com o avanço das tecnologias digitais e a destruição dos direitos conquistados pela reforma trabalhista regressiva, resultante do golpe de 2016, que demanda por um espaço político para exprimir-se frente à sociedade e o Estado.

Quarenta e três anos passados, o Partido dos Trabalhadores busca consolidar sua quinta vitória no pleito presidencial de outubro de 2022 contra o neofascismo, liderando uma ampla frente democrática.

Tem diante de si o desafio histórico de reduzir ou mesmo superar as distâncias entre sua atuação institucional cotidiana, necessária numa democracia representativa, e as demandas de uma sociedade complexa que muitas vezes passam ao largo da atuação política parlamentar convencional.

Será essa aproximação que lhe dará a energia necessária para superar os desafios de um novo ciclo histórico que se anuncia com a crise das democracias liberais no mundo cada vez mais conflitivo e radicalizado.

Para tanto, será incontornável a necessidade de aprofundar seus vínculos com as juventudes e movimentos populares dos trabalhadores: MST, movimentos juvenis, comunitários, redes de movimentos culturais, sindicatos, centrais sindicais, movimentos antirracistas, comunidades indígenas, movimentos feministas, LGBTQUIA+, não com a pretensão de levar a eles suas bandeiras, mas com a disposição de incorporar as novas bandeiras por eles levantadas ao programa de reconstrução e transformação do Brasil que o partido busca interpretar e converter em realidade na vida das pessoas.

Para desgosto da opinião conservadora organizada pela mídia corporativa brasileira, o PT com 43 anos de lutas se consolidou como referência indispensável para reconstrução da democracia liberal, sem renunciar ao seu caráter socialista. Um partido estratégico para a transformação da sociedade brasileira.

Portador de um programa ancorado no combate à fome, à miséria, comprometido com a geração de emprego digno e renda básica de cidadania, capaz de encarar os desafios do desenvolvimento sustentável em meio à crise global do clima.

Um programa que se impõe o objetivo de reverter o processo de desindustrialização do Brasil a partir de novas matrizes tecnológicas e reposicionar o país no cenário internacional com o potencial que lhe corresponde, pela diversidade de sua capacidade instalada, a produção científica e tecnológica e a mão de obra qualificada que detém.

Essa construção generosa, democrática que ao nascer soube evitar qualquer ortodoxia e organizar a partir das lutas concretas, a vontade política dos trabalhadores para resistir aos ataques da ditadura militar e, mais tarde, converter-se numa alternativa popular em defesa dos assalariados e dos excluídos contra a ferocidade da plutocracia brasileira.

Quarenta e três anos depois, o PT não aceita tutelas, nem pede licença para reafirmar seu compromisso com a democracia, para além dos limites do liberalismo, o foco no combate às desigualdades, a defesa da soberania nacional e a perspectiva do socialismo democrático.

Nesse momento a extrema-direita se renova no mundo recorrendo às tecnologias das novas linguagens digitais para se apropriarem da iniciativa na formulação da agenda contemporânea. Privilegia com inquestionável eficácia a disputa da atenção dos indivíduos pulverizados pelos smatphones, utilizando a velocidade da mensagem (a disseminação das Fake News) e não pelo conteúdo dela. Num cenário vertiginoso como esse a transição geracional do Partido dos Trabalhadores, não pode ser entregue aos caprichos da biologia... Deve ser objeto de uma política específica urgente a serviço do projeto de transformação da sociedade brasileira.

Pedro Tierra é poeta. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo