Política

Fixar o nome de Honestino na entrada da ponte que levava o nome Costa e Silva significa gravar para a História uma das faces mais emblemáticas da geração que ousou se levantar contra a tirania

Neste 28 de março, Honestino Guimarães faria 76 anos. Foi assassinado sob tortura aos 26 pelos esbirros do regime que combateu. Foto: Reprodução

O Brasil volta a encarar seu rosto no espelho da História. E a lançar luz sobre a memória de seus filhos que lutaram contra a ditadura, a violência, a tortura, as desigualdades, em defesa da democracia e da liberdade.

Resgatar entre tantos o nome de Honestino Guimarães, líder estudantil, dirigente da UNE, preso pela ditadura militar e assassinado em outubro de 1973, aos 26 anos, já não é apenas um gesto de resistência. É um novo marco da vitória dos trabalhadores, da democracia sobre o autoritarismo, neste momento representado por sua expressão contemporânea, o neofascismo.

Fixá-lo na entrada da ponte que antes levava o nome do general que assinou o Ato Institucional no 5, a monstruosidade jurídica que legalizou a barbárie no país, significa gravar para a História, na capital da República, uma das faces mais emblemáticas da geração que ousou se levantar contra a tirania e – sem renunciar ao direito à memória – condenar à ignomínia seus algozes.

A sociedade brasileira retoma a reconstrução da memória que qualquer democracia deve a si mesma, interrompida com o golpe de Estado de 2016 que afastou, sem provar qualquer crime, a primeira mulher eleita presidenta da República, Dilma Rousseff, ela própria militante da resistência à ditadura. Retoma a busca da memória e da verdade das lutas do nosso povo contra o arbítrio e a tirania.

Disputa espaços e monumentos para dar nomes, rostos e simbolicamente constituir “lugares de memória” onde possamos mirar, nutrir e cultivar – como fazem todas as culturas – os sonhos inseparáveis de todos os processos de emancipação popular. Esse leite alimentará a memória futura, se desejarmos nos libertar do colonialismo cultural a que seguimos submetidos.

Hoje, a sociedade demanda do Estado o resgate dos instrumentos institucionais para retornar à tarefa de reconstruir e efetivar a Justiça de Transição: um processo indispensável para encerrar esse luto aparentemente interminável e nos conduzir à condição das nações que não se calam diante do horror dos assassinatos e dos desaparecimentos forçados.

A capital do Brasil, um dos cenários relevantes do golpe de Estado de 1o de abril de 1964, viu interrompido, quatro anos depois de sua fundação, aquele processo fecundo que marcou os anos JK, para estabelecer no seu lugar, por mais de duas décadas, o reinado do terror de estado, da delação, do medo, da tortura e da perseguição política implacável aos que contra ele se levantaram.

A UnB, a Universidade sem muros, concebida por Darcy, onde estudava Honestino Guimarães, símbolo do pensamento universalista, que alimentou a construção da cidade foi, repetidas vezes invadida por forças repressivas no momento mesmo do golpe, no 1o de abril de 1964 e nos anos que se seguiram, sobretudo depois da imposição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. E mergulhou num ambiente de obscurantismo e submissão ao regime, contraface do impulso de liberdade que a inspirou.

Neste 28 de março, Honestino Guimarães faria 76 anos. Foi assassinado sob tortura aos 26 pelos esbirros do regime que combateu. Sobre esta tragédia a sociedade brasileira deve se debruçar neste momento de retomada da democracia, condição para construir uma nação capaz de encarar sua própria História de exclusões que perpetuam as criminosas desigualdades sociais...

A História, contudo, contraria o que desejava Fukuyama e os neoliberais: não se detém. Aqui estamos nós, sobreviventes e herdeiros das lutas de resistência contra as tiranias passadas (1964-1988) e recentes (2016-2023) para afirmar a profunda vocação civil do nosso povo em busca da democracia, da liberdade e da soberania.

A reconstrução da democracia no Brasil passa inevitavelmente pelo cultivo da verdade, da memória e da justiça. Pela ocupação dos espaços públicos de convivência social para incorporar ao quotidiano dos cidadãos e cidadãs a dimensão das vitórias e derrotas que pontilham a trajetória histórica do povo brasileiro.

Para que a gente não se esqueça. Para que nunca mais aconteça!

Pedro Tierra é poeta, militante da resistência à ditadura militar passada e ao neofascismo contemporâneo. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo