O modelo de gestão presidencial importa, e o estilo e a postura dos chefes do Poder Executivo são determinantes para a perspectiva de poder ou até mesmo para a conclusão do mandato.
A tabela a seguir sintetiza o modelo de gestão, o estilo de governar, o capital político e a postura dos oito presidentes que governaram o Brasil nos últimos 38 anos.
Principais características dos presidentes
Presidente | Modelo de Gestão |
Estilo/ Característica |
Capital Político | Postura |
Sarney |
Delegada[1]/ Desarticulada |
Conciliador | Negociador | Pragmática |
Collor | Hierarquizada | Centralizador | Carisma |
Impulsivo/ Voluntarista |
Itamar |
Delegada/ Desarticulada |
Coordenador | Autoridade moral | Pragmática |
FHC | Competitiva | Moderador | Intelectual | Pragmática |
Lula | Colegiada | Coordenador | Carisma | Pragmática |
Dilma | Hierarquizada | Centralizador | Gerencial | Questionadora |
Michel Temer | Compartilhada | Conciliador | Negociador | Pragmática |
Jair Bolsonaro |
Delegada/ Desarticulada |
Confrontador | Mobilizador |
Impulsiva/ voluntarista |
Vejamos o detalhamento da tabela para cada presidente, com uma contextualização mínima.
José Sarney – O modelo de gestão de Sarney era delegado, porém com uma equipe que não era sua, já que foi herdada do presidente eleito, Tancredo Neves. Foi um período de transição entre a ditadura e a democracia, que foi facilitada pelo perfil conciliador do presidente e sua postura pragmática na relação com um Congresso que lhe era hostil. A despeito de terem reduzido um ano de seu mandato, seu capital político de negociador permitiu que a Constituinte transcorresse na normalidade, com a entrega da Constituição Cidadã, com a conclusão de sua gestão e, numa demonstração de civilidade, com a transmissão da faixa para seu sucessor, a pessoa que lhe fora mais hostil durante todo o mandato.
Fernando Collor – O modelo de gestão de Collor era hierarquizado, o que era compatível com seu estilo centralizador, porém sua postura impulsiva e voluntarista, combinada com seu capital político carismático, tornava sua gestão muito instável. Sem base parlamentar, pouco avançou em sua agenda modernizadora. Não deixou nenhum legado, salvo o discurso da modernização da economia.
Itamar Franco – Tal como Sarney, o modelo de gestão de Itamar foi delegado, porém desarticulado. Seu estilo coordenador, entretanto, corrigiu parte da desarticulação. Como tinha a autoridade moral como capital político e adotava uma postura pragmática, foi eficaz em implementar suas diretrizes de governo, que tiveram como base a estabilidade econômica e o Plano Real.
Fernando Henrique Cardoso – FHC dotou um modelo de gestão competitiva, na qual estimulava os ministros a serem criativos, mas agia como moderador, controlando eventuais disputa no interior do governo. Com sua autoridade moral de intelectual e postura pragmática, conseguiu aprovar importantes reformas no Congresso. A reeleição foi o elemento mais perturbador de sua gestão, porém conseguiu deixar um legado importante em termos de controle do gasto público.
Luiz Inácio Lula da Silva – Lula fez uma gestão colegiada, dando liberdade aos ministros para formular e implementar a agenda governamental, e promoveu a coordenação do governo, calibrando as propostas de sua equipe e da sociedade, organizada em torno de conselhos, como CDES. Detentor de grande carisma, foi pragmático na relação com o Congresso e deixou um grande legado em termos de redução da pobreza e combate à desigualdade, com a aprovação de várias políticas públicas de inclusão social. Em seu terceiro mandato já poderá deixar como legado a estabilidade institucional, após uma tentativa de golpe nos primeiros oito dias de seu novo mandato.
Dilma Rousseff – Dilma fez uma gestão hierarquizada e centralizada, com perfil gerencial. Questionadora e com pouco diálogo, dedicou-se mais a tarefas burocráticas do que políticas. Seus governos deixaram como legados grandes investimentos em infraestrutura, em políticas sociais e em transparência e controle, com a aprovação e diversas leis nesse campo. Entretanto, por não saber ouvir e ter sido percebida como intervencionista na economia foi rejeitada pelo mercado, pelo Parlamento e por parcela da sociedade, que fez manifestações contra seu governo (iniciadas nas jornadas de protestos de 2013), a ponto de o Congresso ter cassado seu segundo mandato, sob o frágil argumento de ter praticado pedalada fiscal.
Michel Temer – Temer fez uma gestão compartilhada e, graças a seu estilo conciliador e seu capital político de negociador, superou duas denúncias da Procuradoria da República. Sua postura pragmática, combinada com boa relação com o Congresso, fez com que conseguisse aprovar reformas consideradas impopulares, como o teto de gasto público, a reforma trabalhista e a terceirização, além da Lei das Estatais, apesar de seu pouco tempo na Presidência.
Jair Bolsonaro – Mais até do que Sarney e Itamar, Bolsonaro fez uma gestão delegada, porém completamente desarticulada. Seu capital político mobilizador e seu estilo confrontador, voltado para a luta política e persecução de seus adversários, combinado com sua postura impulsiva e voluntarista, atiçou o ódio e impediu a formação de consenso no país. Populista de direita, foi essencialmente um governo de contradições e conflitos, que tinha uma base social antissistema e uma base parlamentar formada pela chamada “velha política”, que era contestada por seus apoiadores fundamentalistas. Sua “gestão” ficará mais conhecida pelo “desmonte” do Estado e pela divisão da sociedade do que por realizações. O seu discurso moralista, aos poucos, vai sendo desmontado pelos fatos que vêm sendo descobertos desde o final de seu governo envolvendo desperdício de recursos e até mesmo a apropriação de bens públicos.
Constata-se, com base tabela e em sua descrição, que as características dos presidentes (modo de gerir, estilo de governar, o capital político e a postura) são determinantes não apenas para a perspectiva de poder, mas também para o cumprimento do mandato. Aqueles com postura pragmática (Sarney, Itamar, FHC, Lula e Michel Temer) concluíram seus mandatos e, quem disputou novo mandato, foi reeleito, enquanto os com estilo centralizador, concentrador e confrontador (Collor, Dilma e Bolsonaro) ou tiveram problemas em seus mandatos, inclusive com os dois primeiros sendo cassados, ou não renovaram seus mandatos, como o último.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Ex-diretor de Documentação do Diap, é autor dos livros Por Dentro do Governo: como funciona a máquina pública e RIG em três dimensões: trabalho parlamentar, defesa de interesse perante os poderes públicos e análise política e de conjuntura, e sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”