Internacional

Que fique a lição para o Brasil. No ano que vem teremos eleições e 2026 está logo aí. Num país muito mais culto e letrado do que o nosso, assistimos a esse resultado desastroso

Javier Milei faz seu primeiro discurso como presidente eleito da Argentina. Foto: Reprodução

Milei venceu. Perdem as argentinas e os argentinos. O momento é de inflexão e reflexão. De onde vem essa força da extrema-direita mundial?

De fato, com Milei a extrema-direita volta a governar a Argentina. A última vez que eles chegaram ao poder, sob manu militari, foi um desastre para o país. Não há registro de nada de bom que tenha ficado daquele período sombrio.

A partir de agora, com a vitória de Milei, interrompe-se um ciclo que começou com a redemocratização e, após a crise de princípio do século, quando imperou o que se vayan todos, permitiu que a Argentina alcançasse uma certa estabilidade política. Desde então, alternaram-se no poder a centro-esquerda e a centro-direita, peronistas e macristas.

Milei é o ponto fora da curva.

Ele inaugura um novo tempo político. Um tempo de incertezas políticas. Provavelmente, um tempo também de conflitos sociais, que decorrerão fatalmente da implementação do seu programa econômico ultraliberal.

Quais as chances de isso dar certo?

Zero chance. Se o programa de reformas que ele anunciou na campanha for implementado com todas as maluquices, seu governo poderá ser o último prego no caixão da crise econômica desse país rico e maravilhoso.

Já vimos esse filme nos anos 1990, quando Carlos Menem, um peronista de direita, decretou a abertura externa, a dolarização econômica e as privatizações. Seu legado foi o aumento do endividamento externo, a desindustrialização e o desemprego em massa.

Os riscos de isolamento internacional também podem ser fatais. Romper relações com a China não vai recuperar a combalida economia Argentina. Muito menos sair do Mercosul ou seguir hostilizando o presidente do Brasil. Que essas bravatas de campanha sejam revistas a tempo, antes que a Argentina venha a se tornar o novo pária internacional da América do Sul.

E que fique a lição para o Brasil.

No ano que vem teremos eleições e 2026 está logo aí. Num país muito mais culto e letrado do que o nosso, assistimos a esse resultado desastroso. Enquanto em cada quarteirão, para cada duas ou três igrejas neopentecostais não forem erguidas dez bibliotecas públicas, vinte quadras esportivas, teatros, centros de cultura e espaços de socialização e conscientização a extrema-direita seguirá surpreendendo o mundo com suas fórmulas obscurantistas, como fez agora na Argentina.

Ademais, enquanto as esquerdas seguirem divididas entre o tribalismo identitário de alguns e o universalismo tipo século 19 de outros, a extrema-direita, com suas pretensas propostas rupturistas, levará a melhor. Tudo isto numa sociedade cada vez mais fragmentada entre os sem esperança de nada (sem carteira assinada, sem férias, sem decimo terceiro, sem sindicatos etc.) e os que acreditam num pensamento mágico que algum dia nos redimirá a todos.

Que os progressistas compreendam de uma vez por todas que não é mais uma questão de argumentos, mas de narrativas: as do século passado, empregadas pela esquerda, contra as desse século 21, dominadas pela extrema-direita.

Renato Martins é sociólogo, cientista político e professor universitário