Política

Afirmação frágil da Quaest é usada pelos veículos de informação da mídia tradicional para pressionar governo sobre Gaza

A pesquisa publicada pela Genial Quaest nesta quarta-feira, 6 de março, traz um panorama geral sobre a evolução da aprovação do governo Lula desde o início do mandato em 2023. Esta rodada ouviu presencialmente duas mil pessoas entre os dias 25 e 27 de fevereiro em 120 cidades de todas as regiões do país e tem margem de erro de 2 pp (pontos percentuais).

Os dados mostram um aumento da avaliação negativa do governo Lula. Nesta última rodada, o governo é avaliado positivamente por 35% da população, e negativamente por 34%. Dos entrevistados pelo instituto, 28% consideram a gestão como regular e 3% não responderam. Em dezembro de 2023, no entanto, 36% tinham uma avaliação positiva do governo Lula e 29%, negativa – o que evidencia uma elevação de seis pontos percentuais (pp) na avaliação negativa.

O Núcleo de Opinião Pública, Pesquisas e Estudos (Noppe) da Fundação Perseu Abramo acompanha o trabalho da Quaest com o devido respeito e atenção. Consideramos suas pesquisas um importante instrumento para leitura do humor do eleitorado e para produção de diagnósticos.

No entanto, uma indução nos chamou atenção nesta última publicação. E é sobre isso que este artigo se atentará.

Felipe Nunes, diretor do Instituto, declara na sua página do twitter que “A maior variação na avaliação nesse período se deu entre os evangélicos. Enquanto a avaliação do governo permaneceu estável entre católicos, a avaliação negativa saltou de 36% para 48% entre os evangélicos”. Segue o quadro abaixo.

Até aqui, nada a se questionar. Os dados parecem claros e outros institutos mostram a mesma tendência – eleitorado evangélico mais crítico em relação ao governo.

No entanto, quando busca explicação para o fenômeno, Nunes constrói uma relação causal estreita. Ele afirma que a queda na aprovação entre o público evangélico tem relação com as falas de Lula sobre Gaza – o que não precisa ser desconsiderado. Mas, notem: não há nenhuma pergunta ou tentativa de aferir quanto um dado tem relação com o outro. Ou seja, quanto a avaliação negativa sobre a fala interferiu, de fato, na avaliação sobre o governo. Ele não tem elementos na própria pesquisa que o permita estabelecer esta relação. A relação de causa e efeito é, portanto, bastante frágil.

Há outros fatores que podem – e devem! – ser considerados. Até porque, como se vê no gráfico acima, a reprovação ao governo entre o público evangélico aumenta de maneira quase constante desde agosto de 2023 – anterior, portanto, ao início da guerra e à fala de Lula.

Neste sentido, a questão econômica, por exemplo, parece ser um caminho interpretativo mais sólido, pois as linhas sobre avaliação da economia, percepção sobre inflação e perspectiva de futuro parecem andar em consonância com a linha de aprovação do governo. Quaest mostra que subiu de 48% para 73% aqueles que têm a percepção de que o preço dos alimentos aumentou. E caiu de 55% para 46% os que se dizem otimistas em relação ao futuro da economia. Não estaria aqui uma chave analítica mais consistente?

Voltando às falas de Lula: de fato, 60% do eleitorado declara que Lula exagerou na comparação. Apenas 28% dizem concordar com a declaração do Presidente. E, assim como em todas as outras áreas que o próprio instituto avalia, evangélicos e quem votou em Bolsonaro se mostram ainda mais críticos em relação a Lula (69% e 85%, respectivamente, acham que Lula exagerou comparando os ataques de Israel ao que Hitler fez na 2ª Guerra Mundial).

Além disso, deve-se ter cautela ao ler dados segmentados. Se a margem de erro na leitura da população como um todo é de 2,2 pp, entre os dados segmentados, esta margem pode subir para 4 ou até 5pp. Isso quer dizer que, se a pesquisa mostra que 48% do segmento evangélico avalia negativamente a gestão (soma de quem considera o governo ruim com quem considera péssimo), esse número pode ser de 43% a 53% (variação de 5pp para mais ou para menos).

Acima, vê-se um gráfico com o acompanhamento do Noppe de todos os institutos de pesquisa. Vale cautela ao encontrar curvas muito acentuadas como esta que a Quaest apresenta neste mês (de 36% para 48%, 12pp, portanto). Ela quer dizer que 7,2 milhões de evangélicos mudaram de opinião em dois meses. Pode acontecer, claro, mas não é comum. O importante é entender a evolução, a tendência ao longo do período e não apenas a variação de uma rodada para outra. É recomendável, portanto, esperar as próximas pesquisas, os outros institutos, para avaliar se a tendência se mantém e investigar mais sobre as possíveis razões.

O fato é que a afirmação frágil e até falaciosa de Nunes foi amplamente usada pelos veículos de informação da mídia tradicional (Valor, Globo, Estadão, Folha) como forma de pressionar o governo contra o posicionamento firme de Lula sobre o genocídio que acontece em Gaza. Alguns exemplos: “Governo Lula atinge pior avaliação após o Presidente comparar reação de Israel com Holocausto, aponta pesquisa” (Estadão); “Lula cai entre evangélicos ao comparar Israel a Hitler” (Folha de S.Paulo); “Queda na popularidade de Lula tem relação com declarações sobre guerra em Gaza, admite ministro” (Valor); “De acordo com a pesquisa Quaest, 62% dos evangélicos desaprovam o trabalho do presidente Lula. Felipe Nunes, diretor do instituto, diz que declaração do presidente, que comparou ação de Israel em Gaza com o Holocausto, reverberou no segmento” (Globo).

É sempre necessário cautela na leitura dos dados de pesquisas para não incorrer em erros de análise – abrindo brecha para instrumentalização política da informação publicada. De qualquer forma, o que se pode afirmar com relativa tranquilidade até aqui é que a relação de causa e efeito que Nunes estabelece entre as declarações de Lula sobre Gaza e o aumento da reprovação do governo é frágil.

O Noppe/FPA seguirá na análise das pesquisas publicadas para averiguar as hipóteses levantadas.

Jordana Dias Pereira é coordenadora do Núcleo de Opinião Pública, Pesquisas e Estudos (Noppe) da Fundação Perseu Abramo