Sociedade

Mulheres do Brasil: seguimos em muitos outros campos, porém, retrocessos evidentes, alguns avanços à custa de muito esforço e insistência, e também muita cooptação e oportunismo

Por Lia Urbini, pela Editora Expressão Popular

O Dia Internacional das Mulheres, tributário especialmente do legado das lutas das mulheres proletárias socialistas, é comemorado hoje em dia em pelo menos cem países do mundo. No entanto, ao nos aprofundarmos no teor dessas celebrações, o tom varia muito, e o nível das discussões ainda é muito superficial quando olhamos para fora dos núcleos da militância organizada.

Empresas seguem distribuindo bombons e flores para as funcionárias em “seu” dia, enquanto continuam operando com insuficientes políticas de equidade de gênero em seus ambientes de trabalho. Discursos públicos de muitos políticos ainda hoje exaltam estereótipos da feminilidade típica e a maternidade como muitas vezes os únicos atributos que conseguem associar às mulheres, sem incluir no dia a dia da prática da política institucional atitudes básicas para um ambiente igualitário e que abarquem o avanço dos direitos das mulheres no campo legislativo e Executivo. Propagandas de produtos podem até moderar algo da típica objetificação do corpo feminino, aparentemente incorporando o “aprendizado” das novas gerações, mas apenas para se atualizar nas boas práticas do mercado, preservando seus índices de venda. E assim seguimos em muitos outros campos: retrocessos evidentes, alguns avanços à custa de muito esforço e insistência, e também muita cooptação e oportunismo.

Tal diagnóstico pessimista só não é compartilhado por quem não compreende a urgência das pautas que em cada março voltam a ser apresentadas: entre os temas mais gritantes, vemos como a autonomia dos corpos das mulheres segue comprometida quando não se garantem avanços em relação ao direito da interrupção da gestação ou de políticas efetivas contra o feminicídio e demais violências de gênero, apenas mencionando as pautas conectadas com as condições mínimas de existência das mulheres no mundo.

No entanto, como diz a palavra de ordem, “nós que amamos a revolução, resistiremos”, se o diagnóstico não é dos melhores, o prognóstico pode ser esperançoso porque quem nos antecedeu na luta já nos mostrou que, em outros tempos e escalas, sim, se pôde, sim, se pode e sim, se poderá.

Sintonizadas com as bases, cientes das necessidades de transformação trazidas por cada tempo histórico, as mulheres de hoje têm à disposição um arsenal importantíssimo de auxílio à luta: uma difusão sem precedentes de textos e arquivos diversos sobre o legado do feminismo no mundo aliada a uma capacidade de comunicação em tempo real e com cada vez menos barreiras geográficas para a sua articulação internacional. Como potencializar esses recursos diante dos também inovadores passos da reação globalizada é uma questão que feministas e aliados de cada região, de acordo com as suas possibilidades e características, precisa se colocar para avançar.

E é alinhado a esse conjunto de desafios que o catálogo da Editora Expressão Popular se constrói e se atualiza. Por ocasião do março de lutas, destacamos alguns dos títulos que consideramos fundamentais para a valorização da perspectiva das mulheres em luta ontem e hoje.

    1. As origens e a comemoração do Dia Internacional das mulheres, de Ana Isabel Alvarez González. Livro pensado para trabalho de base e conscientização, têm uma linguagem direta e um grande rigor histórico para contextualizar a data.
    1. A mulher na sociedade de classes, mito e realidade, e Gênero, patriarcado, violência, de Heleieth Saffioti. Obras fundamentais de uma das sociólogas que mais se debruçou no estudo da história brasileira para compreender as dinâmicas de seu tempo, que em grande medida seguem sendo o nosso.
    1. Marxismo e a opressão às mulheres: rumo a uma teoria unitária, de Lise Vogel. O livro, que permaneceu sem tradução por décadas, chega ao Brasil pela primeira vez em 2023 pela Expressão Popular com o intuito de esmiuçar, a partir da análise de O capital e de toda a reflexão feminista que o seguiu, os conceitos e referências chaves que o marxismo lega ao debate de gênero.
    1. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência, de Elisabeth Lobo. Publicada em parceria com a Fundação Perseu Abramo, trata-se de um clássico da sociologia do trabalho brasileira.
    1. Eleanor Marx – uma vida, de Rachel Holmes, é a primeira (e muito inspiradora) biografia em português sobre a revolucionária marxista, feminista, sindicalista e filha mais nova de Karl Marx.
    1. Kollontai e a revolução: escritos sobre amor e luta, textos de Alexandra Kollontai organizados e apresentados por Annabelle Bonnet, Renata Moreira e Maísa Amaral. O livro contextualiza os principais discursos e intervenções de Kollontai para quem deseja conhecer mais dessa valorosa militante feminista russa.
    1. Rosa Luxemburgo e o protagonismo das lutas de massa, coletânea de textos da economista, militante marxista e filósofa polaca-alemã organizada por Isabel Loureiro, e Reforma ou Revolução, texto original de Rosa Luxemburgo, são obras que ajudam a reconstituir os passos do debate sobre o reformismo e o papel dos partidos e das organizações de massa.
    1. Ruth First e a luta contra o apartheid sul-africano é uma coletânea de textos da militante sul-africana ainda muito desconhecida no Brasil e que dedicou a vida ao combate ao racismo, ao fascismo e ao regime de opressão de seu país.
    1. A revolução social: Lenin e a América Latina, de Marta Harnecker, é uma síntese dos processos revolucionários de Cuba, Rússia e Nicarágua. A autora chilena retoma várias formulações de Lenin para contextualizá-lo na América Latina da década de 1980, mostrando a atualidade de muitos de seus escritos e também a necessidade de não utilizá-lo como um modelo fechado.
    1. Notas sobre a fome, de Helena Silvestre, Batalha no Vale do Sol, de Mari Mendes, e o infantil Iemanjá, a deusa do mar, de Marlene Crespo. São três indicações no campo da literatura contemporânea, escritas por mulheres que, em comum, possuem um intenso envolvimento com as lutas da esquerda.
    1. Comunicações em tempos de crise: economia e política, de Helena Martins, é um livro de bolso elaborado em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo que apresenta um resumo muito objetivo sobre a situação da comunicação brasileira hoje, diante da concentração de poder financeiro e político dos proprietários dos meios de comunicação. Essencial para subsidiar o debate da forma e dos meios para a difusão das pautas feministas.