Especial do Golpe

Os recentes acontecimentos nos indicam a urgência de uma repactuação constitucional sobre as Forças Armadas, mais do que nunca necessárias no mundo em que vivemos.

Os recentes acontecimentos nos indicam a urgência de uma repactuação constitucional sobre as Forças Armadas, mais do que nunca necessárias no mundo em que vivemos. Problemas complexos e que demandam soluções urgentes, como a crise climática, a transição energética, as mudanças geopolíticas e as guerras contínuas desde o 11 de setembro de 2001, exigem que uma potência como o Brasil tenha Forças Armadas capazes de defender nossa integridade e soberania, nosso povo, nossa democracia, nosso território, nossa riqueza natural e nosso patrimônio material construído durante séculos.

Não podemos mais analisar o golpe de 1964 apenas pelas suas causas, consequências e duração: nada menos que 21 anos, 24 anos se tomamos a Constituição de 1988 como marco da volta da democracia.

Os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 e a construção de um golpe civil-militar, como em 1964, agora sob o comando e orientação de Jair Bolsonaro e de parte importante do Alto Comando das Forças Armadas com apoio de centenas de oficiais superiores em todo país, nos obrigam, antes de mais nada, a analisar a responsabilidade das Forças Armadas nessa nova tentativa golpista. Tentativa abortada pela total falta de condições políticas internas e em nível internacional, e não porque os comandos militares e civis golpistas recuaram, como podemos constatar pelos resultados da Operação Tempus Veritatis e pela invasão e destruição das sedes dos três poderes da República.

O fracasso ocorreu graças à pronta reação dos três poderes e à falta de apoio na mídia, opinião pública, maioria do empresariado, classes médias e sociedade civil organizada. Foi isso que colocou freio à forte mobilização das bases bolsonaristas em frente aos quartéis, com evidente apoio dos respectivos comandos militares, de setores importantes do agronegócio, de parlamentares e governadores dos partidos bolsonaristas. A vinda para Brasília de milhares de apoiadores de Bolsonaro só foi possível pela omissão do governador do Distrito Federal, pelo financiamento e recrutamento por setores do agronegócio e parlamentares de direita, via redes sociais ou em frente aos quartéis.

Como foi possível, depois de 30 anos da promulgação da Constituição de 1988, que, de novo, militares e as próprias Forças Armadas fossem protagonistas de uma tentativa de golpe militar? A resposta exige uma retrospectiva histórica. Nossas Forças Armadas têm um histórico de participação política e partidária, origem do golpe de 1964 que é continuidade bem-sucedida das tentativas de golpe de 1950, 1955 e 1961. Nossa república nasceu de um golpe de Estado militar, e os militares foram agentes políticos determinantes no governo do marechal Deodoro sucedido pelo marechal Floriano Peixoto, que era seu vice, período conhecido como República da Espada quando houve a fracassada Revolta da Armada em 1893 com apoio da maioria dos oficiais. Durante os anos da República Velha, do café com leite, quando as oligarquias de Minas e São Paulo se revezavam no poder, os militares, agora os tenentes, foram a vanguarda da luta contra os governos que se sucediam, controlados pelos proprietários de terras. Ou seja, nossa aristocracia rural conservadora, herdeira da monarquia e da escravidão, que a Lei das Terras de 1850 consagrou como a detentora do principal fator de produção daqueles tempos – a terra e seus latifúndios.

O tenentismo era a força política da mudança, enquanto a classe trabalhadora não se constituía como força política e social. Tinha uma doutrina e uma causa – levantou-se em 1922 na revolta dos 18 do Forte de Copacabana, onde se destacaria o tenente da artilharia Eduardo Gomes, único sobrevivente; depois, encabeçou a Revolução Paulista de 1924 quando os tenentes tomaram a capital que foi bombardeada pelas tropas federais, levando à retirada das forças rebeldes do major Miguel Costa para o interior de São Paulo e, depois, para o Paraná onde se encontraria, mais tarde, com Luiz Carlos Prestes que se levantara no Rio Grande do Sul. O encontro das duas colunas rebeldes deu origem à guerra de movimentos guerrilheiros que se consagrou na nossa história como Coluna Prestes, o mais importante movimento tenentista do Brasil. Uma façanha militar que percorreu o país de 1924 a 1927, liderado por Prestes, o Cavaleiro da Esperança, mas que não foi capaz de se transformar em um movimento político vitorioso.

Veio a Revolução de 1930 que se constituiu como governo provisório revolucionário sob o comando de Getúlio Vargas. O alto comando militar velho e fiel aliado das oligarquias viu os ex-tenentes, antes expulsos e degradados, comandarem a revolução vitoriosa. Duas lideranças se destacam: Eduardo Gomes, que viria a ser brigadeiro da Aeronáutica, e Juarez Távora, depois general do Exército.

Principal força do Estado Novo

Os militares e os tenentes – já oficiais superiores e muitos interventores em estados e ministros -- serão a principal força política durante os anos Vargas, de 1930 até a Constituinte de 1934, quando foi eleito presidente da República. Eles, que se dividiram na guerra civil de 1932 entre apoiar a secessão paulista constitucionalista ou o governo federal e a República federativa, voltariam a se dividir em 1935, quando da insurreição militar comunista e, mais uma vez, em 1937, frente ao golpe de Estado que instituiu o Estado Novo neofascista. O Estado Novo só foi possível pelo apoio integral do Estado Maior do Exército – os militares tornaram-se sócios de Vargas. Mas a lua de mel acabaria em 1945, quando os mesmos militares atuam para depor Vargas, animados com a derrota nazifascista na II GM e a crescente hegemonia norte-americana que influenciou parte da cúpula militar que serviu na Itália, na FEB, como veremos no golpe militar de 1964.

Vamos recordar que Vargas, para apoiar os aliados e enviar a FEB para a Itália, negociou Volta Redonda e Paulo Afonso, a energia e o aço, a CSN e a Chesf, sem o que não haveria indústria e progresso tecnológico no Brasil. Em sua volta à Presidência da República, em eleições livres e democráticas, fundou as bases do Brasil moderno, com a Petrobras e a Eletrobras, o BNDE, a Camex e a Sumoc.

A linha divisória entre as principais correntes políticas do país dos anos 1950 passou a ser, do lado progressista, o varguismo, o trabalhismo, o nacionalismo, a industrialização, a reforma agrária, o papel do Estado brasileiro e, do lado conservador, a defesa dos interesses agrários e do alinhamento com os Estados Unidos. Os conservadores, reunidos na UDN e em parte no PSD, com forte presença nas Forças Armadas, já estavam contaminados pela doutrina da guerra fria e pelo anticomunismo, que ganhou corpo a partir do levante de 1935.

Quem sucede a Vargas é o general Eurico Gaspar Dutra, chefe do Estado Maior do Exército durante o Estado Novo, parte das forças legalistas que combateram a revolução de 1930 e com atuação na repressão ao tenentismo. No Estado Novo, promoveu expurgos nas Forças Armadas e aceitou com resistência a entrada do Brasil na II GM ao lado dos aliados, mas foi o responsável por organizar a FEB. Dutra, com apoio de Vargas, derrotou o brigadeiro Eduardo Gomes, que mais tarde, na volta de Vargas em 1950, iniciaria sua carreira golpista, questionando sua vitória nas eleições presidenciais por não obter maioria absoluta dos votos, o que não era exigido pela Constituição de 1946. O governo Dutra foi liberal, pró-Estados Unidos, antioperário e repressivo, dilapidou as reservas em dólares do país constituídas na guerra, aliou-se à UDN, cassou os mandatos dos parlamentares comunistas e tornou o PCB ilegal, reduziu os investimentos públicos e impôs um arrocho salarial.

Histórico de golpes

A vida política institucional de nosso país, a partir da volta de Getúlio Vargas ao governo em 1950, é uma repetição metódica da tentativa das forças conservadoras reunidas na UDN, com apoio da embaixada dos Estados Unidos, de impedir, pela força e ditadura militar, a retomada do projeto nacional de desenvolvimento. Basta comparar o governo Dutra com o de Vargas, para se ter clara a disputa entre dois caminhos para o Brasil. Um dependente, outro soberano.

Não deram trégua a Vargas. Submeteram seu governo a uma oposição implacável e, com apoio militar, o depuseram. Mas não esperavam seu suicídio, sua Carta Testamento e o verdadeiro levante popular e comoção nacional por sua morte. Não conseguiram impor a ditadura e tiveram que aceitar o processo eleitoral democrático que levou JK à vitória, derrotando Juarez Távora que se opunha abertamente às políticas nacionalistas. Mas não se conformaram com os resultados e tentaram um golpe militar que fracassou pela reação de parte do Estado Maior do Exército e da liderança do general Lott, que depois seria candidato das forças nacionalistas e progressistas em 1960, derrotado por Jânio Quadros apoiado pela UDN.

JK ainda teve que passar por dois levantes de oficiais da Aeronáutica – Jacareacanga e Aragarças –, aos quais anistiou. A mesma sorte não teve Jango Goulart que era seu vice e foi reeleito com Jânio Quadros, em partidos e coalizões antagônicas. Com a renúncia de Jânio em 21 de agosto de 1961, no primeiro ano de mandato, de novo a coalizão conservadora e os militares criaram uma junta militar, proibiram Jango de voltar ao país – ele estava em viagem oficial à China – e se preparavam para governar quando Brizola levantou o povo gaúcho contra o golpe. Ele armou a população civil, conquistou o apoio da Brigada Militar e de parte do III Exército e mobilizou o país pelo rádio na “Rede da Legalidade”, obrigando a Junta Militar a aceitar a posse de Jango. Para engolir Jango, as forças conservadoras impuseram o parlamentarismo ao país, que seria derrotado nas urnas em 1963.

Os golpistas, com forte penetração e apoio nas Forças Armadas, não desistiram e desestabilizaram o governo Jango e suas reformas de base, condição para um crescimento com distribuição de renda e retomada da industrialização. As reformas tinham apoio popular e sindical, do PTB e do PCB, dos nacionalistas e democratas, mas enfrentavam resistência e boicote dos conservadores, inclusive ao Plano Trienal de Celso Furtado para enfrentar a dívida externa e a inflação, herdadas de JK, reduzir a dependência das importações com o aumento da produção de energia e aço, indústria de caminhões e automóveis, investir no campo educacional e científico-tecnológico e combater desequilíbrios regionais.

O crescimento da mobilização popular nas cidades e no campo, as desapropriações para reforma agrária e as nacionalizações nos setores petrolíferos e de energia radicalizaram a oposição udenista, que tinha o apoio da grande mídia da época, da igreja católica e das classes médias conservadoras que acusavam Jango de comunista. Com a crise dentro das Forças Armadas, acirrada pelas demandas dos cabos e sargentos por direitos políticos, criaram-se as condições para os golpistas voltarem à cena.

É emblemático que o apelo à disciplina e ordem nas Forças Armadas e ao anticomunismo tenham sido a razão para o golpe. Ao participar abertamente da política partidária e do golpe, com apoio de uma potência estrangeira, os comandantes militares nada mais fizeram do que romper com a disciplina, a hierarquia e a legalidade que juraram honrar e obedecer.

Em 1964, os militares expurgaram rapidamente as forças de todo e qualquer opositor ao golpe e à política de aliança estratégica com os Estados Unidos. Entre 1964 e 1970, 1.487 militares foram punidos: 53 oficiais generais, 274 oficiais superiores, 111 oficiais intermediários, 113 oficiais subalternos e 936 cabos, sargentos e soldados, marinheiros e taifeiros. Os opositores foram perseguidos e punidos, muitos sofreram tortura e outros tantos foram assassinados.

Com o golpe, os militares realizaram o objetivo que perseguiam desde 1950, a partir do núcleo duro que criou a Escola Superior de Guerra. Para levar à frente seu projeto, estabeleceram sua própria legalidade com os atos institucionais e se autolegitimaram no poder por 24 anos.

O povo não pegou em armas para enfrentar a ditadura, mas não assistiu passivo ao golpe. Na primeira eleição pós-golpe, em 1965, os candidatos governistas perderam. Daí o ato institucional número 2 que acabou com as eleições diretas e livres, com os partidos políticos e com a liberdade de organização e expressão. Mesmo com novos partidos e sistema bipartidário, a oposição venceria as eleições em 1974, 1978 e 1982, abrindo caminho para a Campanha das Diretas que criou as condições para a derrota da ditadura em seu próprio colégio eleitoral, um mero ratificador da verdadeira eleição realizada nos quartéis pelo colégio de generais, almirantes e brigadeiros, não sem contradições, disputas e tentativas de golpe como foi o de Sylvio Frota.

Só mais um capítulo

Mudaram as forças armadas e os militares depois do fim da ditadura e da promulgação da Constituição de 1988? Creio que não, e a prova veio com o governo Bolsonaro. Mas as raízes da manutenção do espírito golpista estão na anistia aos crimes da ditadura e a não responsabilização civil, penal e militar dos golpistas de 1964 e seus sucessores, da impunidade dos torturadores e assassinos e da ilusão da volta dos militares aos quartéis sem uma reforma das Forças Armadas.

Sem ter que se submeter ao poder civil, como nas constituições anteriores, o poder militar ganhou musculatura com a dúbia redação dos artigos 142 e 143 da nossa Constituição, que deram aos militares a função de garantia dos poderes e, por iniciativa de qualquer um destes, da lei e da ordem. Esse foi um erro gravíssimo do texto constitucional, agravado pela não aprovação da vedação a militares de ocupar cargo ou emprego público civil permanente sob pena da ida para a reserva.

O que assistimos, depois de quatro vitórias do PT e aliados, foi a paulatina e permanente volta dos militares à política. Em governos anteriores e mesmo nos do PT, já surgiram questões que expunham essa contradição entre o poder civil e militar, entre o comandante e chefe das Forças Armadas e o comando militar. Ela se manifestou, mais uma vez, na implementação do Ministério da Defesa, na criação do GSI, nas GLOs, na política das promoções e no conteúdo do ensino nas escolas militares, na Comissão da Verdade e reparação das vítimas da ditadura, como bem expôs, após o golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff, o chefe do GSI no governo Temer, general da reserva Sergio Etchegoyen.

Hoje, não restam dúvidas da intervenção explícita dos militares na vida política institucional do país a partir do tuíte do general Vilas Boas dando uma ordem, uma voz de comando ao Supremo Tribunal Federal para que não concedesse, ao então ex-presidente Lula, um HC que tinha por direito líquido e certo. Esse mesmo general foi peça fundamental na elaboração de um plano de governo para 2030 por meio de um instituto que criou.

A candidatura e a campanha de Bolsonaro foram apoiadas e sustentadas por dentro do Exército e das Forças Armadas, por grupos de oficiais que, com sua vitória, foram aos milhares para seu governo, inclusive membros do Estado Maior do Exército. Seu governo foi um governo civil- militar e toda sua conspiração para dar um golpe de Estado ou impedir o processo eleitoral contou com a anuência e cumplicidade de comandos militares, inclusive de comandantes do Exército e da Aeronáutica.

Essa afirmação está baseada em fatos, nos autos da operação “Tempus Veritatis” ou no X do general Vilas Boas. Caberá agora, assim espero, à Justiça, Polícia Federal, PGR e ao STF fazer aquilo que não fizemos no passado: punir exemplarmente aqueles que atentaram contra a Constituição, sejam civis ou militares.

As lições de 1964 são muitas. Mas, certamente, se destaca a do papel dos militares e sua necessária submissão ao poder civil. Os recentes acontecimentos nos indicam a urgência de uma repactuação constitucional sobre as Forças Armadas, mais do que nunca necessárias no mundo em que vivemos. Problemas complexos e que demandam soluções urgentes como a crise climática, a transição energética, as mudanças geopolíticas e as guerras contínuas, desde o 11 de setembro de 2001, exigem que uma potência como o Brasil tenha Forças Armadas capazes de defender nossa integridade e soberania, nosso povo, nosso território, nosso patrimônio material construído durante séculos, nossa riqueza natural, nossa cultura e democracia.

O debate sobre o papel das Forças Armadas deve ser público, para além do Parlamento, e deve ser feito dentro da necessária revisão da Política Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa, além do Livro Branco de Defesa.

É bom lembrar que os militares se transformaram num grupamento da sociedade com muitos privilégios em relação à população civil, e alguns deles terão que ser revistos. Do ponto de vista salarial e aposentadoria, não têm nada a reclamar. Bolsonaro foi generoso em matéria salarial, o que não aconteceu com os investimentos e principais planos de modernização das Forças Armadas. Ele deu várias vantagens e privilégios aos militares, escondidos em inúmeros penduricalhos, diferentes auxílios financeiros, gerando excrescências como os supersalários, que existem em outras carreiras como no MPF.

Os militares são os únicos servidores públicos com aposentadoria integral, sem limite de idade e com paridade com os da ativa. Na reforma da previdência, o tempo de serviço passou de 30 para 35 anos, mas, em contrapartida, ganharam um Adicional de Compensação de Disponibilidade Militar, um senhor aumento do soldo. Os militares contribuem com 7% a 9% para a previdência, apenas. Os gastos com inativos militares foram de 32,2 bilhões de reais em 2023 e as filhas maiores de militares, de pais que faleceram ou ingressaram nas Forças Armadas até 2000, continuam com direito à pensão.

Apesar da urgência dos investimentos, as Forças Armadas gastam 85% de seu orçamento com a folha de pagamentos e apenas 5% em investimentos em 2023, o que não acontece em nenhum outro país comparável ao Brasil. Qualquer reivindicação de maiores gastos militares – por exemplo, a proposta de 2% do PIB – deve, necessariamente, estar vinculada a investimentos. No PAC, estão previstos 52,8 bilhões de reais em investimentos militares nos programas prioritários e estratégicos de cada arma.

Não temos nada contra as Forças Armadas em si. Mas é necessário por um fim à sua natureza ambígua e sua vocação para o poder político, para assumir a direção do país, incompatível com sua própria essência, o dever de servir e obedecer ao poder civil, à hierarquia e à disciplina. Respeitar a Constituição significa rejeitar qualquer papel político para as Forças Armadas e respeito absoluto às leis e ao estatuto e regulamento disciplinar de cada arma.

Precisamos de Forças Armadas dedicadas à sua missão constitucional e obedientes ao poder civil, profissionais, equipadas com a mais moderna tecnologia, disposta no território nacional segundo a nova realidade geopolítica sul-americana e mundial, onde o papel do oceano Pacífico também deve ser considerado diante das novas rotas para a China, a questão migratória e do narcotráfico. E precisamos de uma indústria de defesa que nos dê, na medida do possível, independência tecnológica e de fornecimento de equipamentos, apoio ao projeto espacial brasileiro, ao programa de submarinos, à modernização da Aeronáutica e das forças terrestres e seus programas, como o sistema integrado de monitoramento de fronteira.

A realidade internacional, as guerras contínuas desde o Afeganistão, o novo papel da Otan como aliada militar dos Estados Unidos desde a intervenção militar na Sérvia e, depois, no Iraque, Líbia, Síria e agora Ucrânia e no Oriente Médio exigem do Brasil uma política externa e de defesa nacional que garanta nossa soberania, defenda os interesses nacionais e não se submeta a alianças que não respondem à premissa do interesse nacional e geopolítico brasileiro. Mais do que nunca, precisamos defender uma nova governança mundial sob a égide da lei e do direito internacional, conforme os princípios de nossa lei maior, independência nacional, solução pacífica dos conflitos, autodeterminação e não intervenção, igualdade entre Estados, cooperação entre os povos para progresso da humanidade, reafirmando nosso repúdio ao terrorismo e racismo e a prevalência dos direitos humanos.

Há um novo equilíbrio geopolítico no mundo com a ascensão da China, da Rússia, da Índia, da Turquia, do Irã e, agora, da Indonésia e Nigéria. É nesse contexto que surgem os Brics, do qual somos fundadores, permitindo aprofundar nossas relações com a China, com a África, onde está parte de nossas raízes, com o Oriente Médio e os demais países do nosso entorno geopolítico, a América do Sul.

Alianças internacionais devem sempre ser guiadas pelo nosso interesse nacional. Nenhum país tem futuro, nos dias de hoje, sem independência e soberania, ainda mais numa transição tecnológica e geopolítica que encurta o tempo dos países e povos para realizar sua soberania alimentar, energética e tecnológica, seu desenvolvimento econômico.

Há muitas outras lições do golpe de 1964. Também essencial é a defesa intransigente da democracia, da liberdade de organização e expressão e dos direitos individuais e coletivos, sociais e políticos garantidos pela nossa Constituição. Mas nossa institucionalidade viveu e vive momentos críticos com relação ao equilíbrio entre os poderes independentes e harmônicos, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário e sua institucionalidade como República Federativa e Presidencialista.

A disputa política atual revela a tendência que sempre ressurge em momentos de mudança social e econômica – a de retirar da soberania popular, do voto universal, a eleição dos chefes dos executivos, começando pelo presidente, com o objetivo de impedir que as forças populares e progressistas comandem o país desde a Presidência da República. Com o pretexto de discutir os limites da forma como é eleito o Parlamento e sua relação com o Executivo e Judiciário, os que querem limitar o voto popular apresentam propostas de semipresidencialismo ou, de novo, parlamentarismo, já duas vezes derrotado em consulta popular. Com urgência, precisamos reformar o sistema político-eleitoral e institucional vigente. Tema para outro artigo.

José Dirceu foi presidente do PT, deputado federal, ministro chefe da Casa Civil no primeiro governo Lula. Foi ainda presidente da UEE nos anos de chumbo.