Sociedade

Além das ferramentas de áudio, vídeo, edição e texto, a proposta do projeto baiano é ampliar repertório, capacitar para a produção de conteúdo de qualidade e possibilitar essa análise crítica do mundo, incluindo aí o digital

Plataformas digitais se apossam diariamente dos dados dos seus usuários, traçando seus perfis, seus gostos, sua rotina, suas tendências políticas, econômicas, sociais e emocionais. E fica a pergunta: Como assegurar a integridade dessas informações? Ataques cibernéticos para roubo de dados são noticiados com frequência, em todo o mundo. Segundo o relatório anual The State of Ransomware da Sophos, empresa global de cibersegurança, o registro de empresas brasileiras que sofreram ataques de hackers para roubo de dados chegou a 68%, em 2022, e esse número tem aumentado e coloca o Brasil no topo do ranking dos mais atacados.

O Judiciário brasileiro vem tentando desenvolver os regulamentos, princípios, direitos e obrigações desse ambiente digital, enquanto os algoritmos trabalham para difundir desinformação e os golpes se alastram a passos largos. Enquanto isso, parlamentares protelam a votação do projeto de lei sobre as fakenews.

Mães e pais são bombardeados por estudos que comprovam o aumento da depressão em crianças associado ao abuso da exposição a telas. Mas esses danos não se resumem a essa categoria, apenas. Estresse, depressão e ansiedade estão relacionados ao uso de celulares em todas as gerações, segundo tese defendida no Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais. E uma nova doença ganha CID 11 (Classificação Internacional de Doenças), a nomofobia, ou seja, diagnóstico para viciados em celular.

Na tentativa de compreender o atual momento, Pierre Lévy, filósofo francês, tem se debruçado na questão da expansão da inteligência coletiva a partir desse mar de dados que compõem o mundo digital. Para ele, desde o surgimento da escrita, passando pela imprensa, rádio e televisão, todas essas mudanças proporcionadas pela criação do homo sapiens, ampliaram nosso poder cognitivo e aumentaram a inteligência coletiva da humanidade. O desafio é esse.
A proposta de letramento digital é para que haja formação desse usuário, para que cada cidadão e cidadã possa exercer seu livre arbítrio nesse ambiente. E o mundo está atento a essa necessidade, e desenhando políticas públicas para que as pessoas passem a compreender os limites, as condições e as utilizações políticas e econômicas que estão por trás das tecnologias e das mídias digitais.

Na Bahia, desde 2017, o projeto Jovens Comunicadores trouxe a temática da comunicação e cidadania para que cada indivíduo seja responsável pelas suas publicações e possa avaliar criticamente as informações que chegam até ele. Projeto pioneiro do governo para as juventudes de comunidades tradicionais do estado.

Além das ferramentas de áudio, vídeo, edição e texto, a proposta do projeto baiano é ampliar repertório, capacitar para a produção de conteúdo de qualidade e possibilitar essa análise crítica do mundo, incluindo aí o digital.
Desenvolver tecnologia própria, regulamentar o uso de inteligência artificial, as plataformas, comprar tecnologia nacional e softwares livres, faz parte de todo o arcabouço necessário para o enfrentamento dos desafios apresentados por essa nova tecnologia digital. Mas o letramento digital organizado, universal, mas também incluindo e estabelecendo o diálogo sobre essa nova sociedade com as diversas comunidades tradicionais, em toda a sua diversidade, em um diálogo direto e presencial com a base, é fundamental, necessário e urgente. Nada substitui o contato direto, o olho no olho.

Existem comunicadores digitais, populares e projetos isolados trabalhando com essa temática da comunicação, e uma rede composta por esses atores poderá ser o caminho para a construção dessa política nacional de comunicação.
É urgente o trabalho de conscientização da população em relação ao funcionamento do mundo digital, não somente com ferramentas, mas compreendendo o capitalismo digital e o funcionamento desse sistema. A conectividade, o acesso à internet, deve estar aliada à consciência, garantindo, assim, a soberania nacional.

Emília Mazzei é jornalista e idealizadora do projeto Jovens Comunicadores (Governo da Bahia).