“Para se caminhar uma légua tem que se dar o primeiro passo” (antigo ditado sertanejo)
Um mundo unido para enfrentar a miséria e a fome, deixando aos ricos o pagamento da conta (essência da “proposta Lula” aprovada pelo G20)
O presidente Lula e o ministro Haddad no 19° plenário do G20 emplacaram o Acordo Global Contra a Fome e a Pobreza como um novo marco na história da justiça social e da fraternidade universal dos povos. Dentre os vários instrumentos para o viabilizar até 2030 está a criação de um novo imposto, de incidência internacional, sobre os mais ricos para financiar a superação da miséria no mundo e, num segundo momento, a transição climática, além de outras metas. Os cálculos anexados apontavam que o novo imposto precisaria arrecadar US$ 168 bilhões ao ano para dar conta das demandas anuais desse projeto em seu todo. Mesmo reconhecendo as dificuldades da aplicação desse imposto (basta dizer que para funcionar minimamente teria que contar com a adesão quase unânime das nações, sob pena de ser inviabilizado pelas disputas tributárias, além de implicar em fortes transferências voluntárias entre países com diferenciações as mais variadas), a ideia foi bem recebida por todos, inclusive por aqueles países que já adiantaram que não pretendem o aplicar. Nada disso deve levar ao desanimo pois as grandes metas da humanidade sempre começaram como oníricas imaginações antes de se materializar, décadas ou séculos depois, quando, aí sim, foram dados os primeiros passos reais até suas conquistas completas. Mas nada ocorre sem o importantíssimo “querer”, como agora foi firmado no G20, que sempre antecede o início do “fazer”, o primeiro passo da longa caminhada, que precisamente é propósito do “pedágio marítimo remissório” apresentado a seguir.
Um “Imposto” mundial insonegável e de aplicação rápida, tendo como maior fonte os países mais ricos e as pessoas mais ricas
a)O que aqui se propõe se refere a um pedágio mundial para arrecadar recursos nos próximos seis anos a serem aplicados diretamente no combate à fome em deu ponto mais agudo, a África Subsariana. Seu nome internacional seria Maritime Remission Toll (MRT) ou, em português, Pedágio Marítimo Remissório (PMR).
b)Objetivo do tributo é arrecadar a curtíssimo prazo US$ 7,5 bilhões por ano para zerar a fome na África Subsariana (antigamente denominada África Negra).
c)Modalidade é de tarifação, como uma nova espécie de pedágio, paga pelos navios de carga ou de passageiros em cada viagem que cruzarem águas internacionais ou mais de duas fronteiras internacionais marítimas, considerando-se exclusivamente os casos nos quais o navio tendo saído de um país faça descarregamento de mercadorias, ou desembarque de passageiros, em outro pais.
d)Valor é o equivalente a um pedágio de US$ 25 mil por cada travessia passível de cobrança.
e)Pagamento: o responsável pelo navio, antes do desembarque ou do descarregamento, após travessia de águas internacionais, recolherá o valor devido diretamente a fundo direto da ONU/WFP para combate à fome, pagamento a ser feito em moeda conversível, em moeda de países do BRICS ou em moeda do país da bandeira do próprio navio.
f)Controle: a ONU já é o órgão responsável pelas águas internacionais, inclusive pelas normas para navegação, sendo a Organização Marítima Internacional (OMI) seu organismo especializado no tema. Tal autoridade é reconhecida por mais de 160 países os quais teriam como única obrigação exigir a comprovação do pagamento do PMR antes de autorizar a descarga/desembarque em seus portos. Os atuais sistemas de satélites permitem uma facílima fiscalização por parte da OMI de todos os detalhes dos navios em trânsito nas águas internacionais, hoje total e incontestavelmente delimitadas.
g)Arrecadação: estima-se um mínimo de trezentos mil navios/ano efetuando esse pagamento (são trinta mil navios no mundo, com média mínima estimada de dez viagens ano), o que resultaria na receita almejada de US$ 7,5 bilhões.
h)Na estimativa de receita já se excluiu as viagens não tributáveis: as embarcações de pequeno porte (menos de vinte metros), toda a marinha não mercante (pesqueiros, petroleiros de ligação com plataformas marinhas, cabotagem, belonaves, barcos de vigilância ou pesquisa, etc), as rotas de paradas apenas para reabastecimento ou socorros e outras que assim forem consideradas no regulamento do pedágio.
i)Fundamentos do projeto: a humanidade, sobretudo com uso do mar, produziu a escravidão negra e uma dívida passada e presente com a África Subsariana que urge ser saldada em primeiro lugar. Hoje, dos 33 países considerados pela ONU com IDH efetivamente baixo, 31 ficam nessa região, onde a fome endêmica, a subnutrição que mata e aleija física e mentalmente, choca pelo que ela é e, mais ainda, pelo que não é feito para acabar com ela. O WFP, o Programa Mundial de Alimentos, associado à ONU e ganhador do Prêmio Nobel da Paz 2020, calculou, há 5 anos, em US$10 bilhões anuais para liquidar a fome nos oitenta países mais necessitados, naquela época. Tais permitiram uma estimativa de metade três quartos daquele valor seria o mínimo para resolver o déficit extremo de alimentos naquela região da África.
j)O mar, no passado, foi instrumentalizado para impor a opressão étnica e regional à África, que seja agora o mar o elemento REMISSÓRIO, a chave da solução dos graves problemas ali gerados.
Impactos e efeitos econômicos do MRT (PMR) no comércio mundial em geral
Em primeiro lugar é fundamental lembrar que os custos de transporte, incluindo os pedágios, são incorporados aos custos de produção das mercadorias e dos serviços, ou seja, ao fim e ao cabo serão recepcionados e cobertos pelo consumidor final. Ou, no caso de insumos, incorporados aos custos de seu comprador para daí os transferir para o consumidor final.
a)Os navios de cruzeiros turísticos, transferirão esse novo custo para seus clientes/passageiros, pessoas sabidamente mais ricas e, em sua maioria, de países mais ricos.
b)Navios transoceânicos de transporte de produtos finais, devido os custos já mais alto da logística, normalmente já operam com mercadorias de maior custo específico, como automóveis, bebidas, etc., de igual forma transferirão seu custo adicional, em sua imensa maioria, para classes sociais mais ricas e, também em maior parte, de países mais ricos.
c)Produtos finais de consumo popular via de regra são de pouca importância nos orçamentos familiares e de reduzido peso unitário. Uma roupa pronta, por exemplo, levada da China para o Brasil sofreria um impacto médio a partir de um máximo de 20 centavos de real por unidade de um lingerie íntimo completo.
d)Os insumos básicos e os alimentos não industrializados teriam sua oneração diluída nos preços dos produtos finais ou venda “in natura”, sejam eles sofisticados ou de consumo popular, porém em volume de muito maior incidência nos países de maior consumo final, portanto os de população e nível de renda mais altos.
Impactos para o setor produtivo no Brasil
a)Por consistir no MRT um custo externo ao País, com incidência mundial, o impacto de sua criação produz efeito completamente distinto de quando se institui novos itens internos ao Brasil que sempre recaem sobre o empreendedor/exportador nacional, que deles fica prisioneiro pois não tem como repassá-los a preços que são fixados internacionalmente. Assim ocorre, por exemplo, quanto aos aumentos da CFEM, aos absurdos impostos que querem impor às exportações, aos pedágios e demais custos internos de logística, que prejudicam os empreendedores e travam nosso sistema econômico. O caso do MRT é exatamente o oposto disso, exatamente por ser um custo exterior ao Brasil e de incidência mundial, sendo assim absorvido pelos preços internacionais de todas as mercadorias que são vinculadas, direta ou indiretamente, à utilização do transporte marítimo. Porém, sendo o MRT um custo fixo sobre o transporte tem impacto, mesmo que reduzidíssimo, diferenciado por país e pelos diferentes produtos. Vale, assim, analisar seus efeitos no Brasil em relação a cada um dos principais produtos afetados pelo transporte internacional marítimo.
b)Minério de ferro: a implantação do MRT terá impacto neutro ou levemente positivo para o Brasil nesse item, em razão de ser a China o principal cliente e a Austrália o principal concorrente do País. Como nossa distância marítima é o dobro da australiana, a diferença absoluta do custo da logística continuará, obviamente, a mesma porém os preços relativos finais para o comprador terão ligeira alteração a favor de nosso minério.
c)Aço: pedágio excelente para a siderúrgica brasileira, uma proteção a mais contra a voraz concorrência chinesa sem qualquer efeito colateral ao País.
d)Carne bovina: devido aos altos custos específicos do transporte desse produto altamente perecível e contaminável (contêineres refrigerados e altamente protegidos) o impacto do novo pedágio será percentual mente muito mais suave, resultando para o Brasil uma quase imperceptível vantagem comparativa com os concorrentes americanos, australianos e argentinos e uma perda, também de reduzidíssimo significado na competição com a carne suína na própria China. Para empresas brasileiras já multinacionalizadas, com centros de produção em variados continentes, seu impacto será rigorosamente nulo.
e)Soja: efeito do MRT positivo com estímulo ao esmagamento da soja no Brasil, antes da exportação. No restante, quase nulo.
f)Açúcar: leve perda de competitividade face aos americanos e europeus, também grandes consumidores. Mas levando-se em conta nossa superioridade em produtividade e produção, o efeito negativo facilmente pode ser neutralizado.
g)Café: levando-se em conta que os concorrentes principais são Colômbia e Vietnã, o efeito deverá ficar em zero.
h)Petróleo: para o mercado interno brasileiro que não será afetado pelo pedágio no transporte das plataformas marítimas para o continente, uma vez que tal pedágio não existirá, o efeito será restrito às importações de derivados, insignificante em seu conjunto. Para as exportações, o mercado externo absorve, sobretudo por se tratar de insumos básico, pouco elásticos curtos prazo ao efeito substituição, portanto sem significado em nossas exportações.
Comentário final
O MRT (PMR) aqui desenvolvido corresponde, na essência, a um primeiro passo no sentido da proposta de Lula no Acordo Global Contra a Fome e a Pobreza aprovada no G20: o mundo inteiro pagando, com incidência sobretudo aos países e aos cidadãos mais ricos, para viabilizar um objetivo comum de garantir um mínimo de dignidade à humanidade como um todo. Neste caso, perde-se em termos de volume, mas ganha-se imensamente em rapidez de início e facilidade da prática: a única solidariedade entre os países, estejam em conflitos ou não entre eles, é apenas que cada um não permita o desembarque/descarregamento por embarcação inadimplente com o tributo. Nada de arrecadação por um país de tributo internacional nem transferências de recursos de um para outro país. Tudo simples, direto para quem aplica, obedecidos critérios de aceitação mundial. Planejamos o futuro porém já praticando no presente um primeiro passo do histórico Acordo Global, para o qual a proposta do MRT deveria ser levada, uma vez acolhida pelo governo brasileiro.
MRT já, o futuro começa agora.
Virgílio Guimarães é membro do CAE/FPA