O enfrentamento às violências contra as mulheres exige de nós uma ampla articulação institucional e a visão interseccional de gênero, classe e raça nas políticas públicas. Para alcançar tal objetivo, precisamos do engajamento do conjunto dos ministérios, assim como dos estados e municípios, por meio do fortalecimento das secretarias de políticas para as mulheres e o permanente diálogo com os movimentos de mulheres.
Neste contexto, a parceria com a área da Justiça e Segurança Pública é estratégica. Ademais, o envolvimento de todos os setores da sociedade é essencial para uma real mudança de percepção que não fomente, mantenha ou naturalize o ódio, a misoginia, o racismo, a LGBTfobia, a subjugação e consequentemente a violência contra as mulheres, o Ministério das Mulheres inclusive lançou a Iniciativa Brasil Sem Misoginia no ano passado, lutando para enfrentar e mudar essa condição.
Em artigo publicado na Teoria e Debate em julho de 2023 , minhas considerações sobre as políticas públicas para as mulheres no atual governo do Presidente Lula foram baseadas na necessidade de reconstrução diante do desmonte herdado do período que se seguiu ao golpe contra a Presidenta Dilma, assim como do governo anterior, pois foram oito anos nessa toada.
E o desmonte não foi somente em termos de estrutura, esvaziamento do tema ou no forte desinvestimento do orçamento, mas na visão e condução dessas políticas, com retrocessos para o alcance da autonomia e garantia de direitos das meninas e mulheres. Não é fácil, nem rápido superar esses profundos impactos negativos sobre a mentalidade da população, porém, seguimos dia a dia, de forma proativa, atuando em nível nacional e internacional para resgatar direitos perdidos e conquistar novos espaços.
Há um grande esforço do Ministério das Mulheres em fazer cumprir a Lei 14.611, um marco significativo no sentido de superar a desigualdade de gênero no trabalho e que estabelece diretrizes nítidas para as empresas quanto à igualdade de remuneração entre homens e mulheres. A apresentação da lei foi iniciativa do governo do Presidente Lula e do Ministério das Mulheres, cobrindo um vazio histórico e cultural que deveria já ter sido eliminado e substituído por uma prática, a nosso ver, que teria de estar consolidada no século 21 – a igualdade salarial entre homens e mulheres –, mas infelizmente não o é. Ademais, a forte prioridade do governo do Presidente Lula de implementar políticas públicas de combate à fome e a pobreza são essenciais para melhorar as condições de vida das mulheres, maioria de quem enfrenta essa situação.
Em outra frente de construção de política pública voltada a superar o atraso, o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), em implementação até 2030, gestado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, possui metas de prevenção e repressão à violência contra mulheres e grupos vulneráveis e prevê a redução dos feminicídios. Como parte estruturante do PNSPDS, está o Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio (PNPF), envolvendo metas e ações de nove ministérios, com investimentos de R$ 2,5 bilhões. Coordenado pelo Ministério das Mulheres, se soma em um objetivo comum: enfrentar o alto índice de feminicídios no Brasil.
As ações do Pacto estão sendo desenvolvidas a partir de dois eixos, o estruturante e o transversal. O estruturante é composto pelas três formas de prevenção à violência contra mulheres: a primária (conscientização e educação da sociedade para mudar a mentalidade), a secundária (atendimento a mulheres em situação de violência para que a situação não se agrave) e a terciária (mitigação da situação por meio de ações reparatórias, tais como indenização para órfãos do feminicídio e auxílio aluguel para mulheres em situação de violência).
O eixo transversal é dividido em produção de dados, conhecimento, documentos e normativas. A próxima fase da implementação do Pacto prevê a organização de comitês nos estados, e os planos de ação serão elaborados em consonância com os planos estaduais e municipais de combate à violência contra as mulheres, com protagonismo das secretarias estaduais e municipais de políticas para as mulheres, essenciais na construção desse processo.
A exemplo de quaisquer políticas públicas que pretendam construir permanentemente novos padrões e substituir modelos carcomidos, excludentes, discriminatórios e injustos, espraiando-se por todo o território nacional e todas as frações sociais, o combate às violências contra as mulheres exige, sob coordenação e exemplo firmes e decididos do Governo Federal, o envolvimento de estados e municípios, sob reivindicação renovada cotidianamente dos movimentos sociais organizados.
No que tange a novos serviços, estamos avançando na implementação das Casas da Mulher Brasileira (CMBs) e das Casas das Mulheres Indígenas (CAMIs), ambas com atendimento interdisciplinar e humanizado. As CMBs estão em fase avançada de implementação e de continuidade, pois foram retomadas com vigor pelo governo do Presidente Lula. E as CAMIs estão em fase de elaboração e diálogo com as mulheres indígenas. O investimento inicial para as Casas da Mulher Brasileira, por meio de parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) é de 272 milhões de reais. E a fonte orçamentária será o Fundo Nacional de Segurança Pública. As restrições econômicas existentes, somadas à importância do envolvimento transversal de todo o Governo Federal, mostram, neste caso, como em outros, a grande importância das parcerias.
Outro projeto importante em curso é a equipagem de unidades da “Sala Lilás” nas delegacias gerais, para que sejam instalados espaços privativos e especializados no atendimento às mulheres. Na meta de entregar quatrocentas viaturas para as Patrulhas Maria da Penha, 270 já chegaram a seus destinos, com a participação do MJSP. Outra parceria importante está sendo desenvolvida com o Ministério da Saúde, com o objetivo de equipar novos e antigos hospitais e Unidades Básicas de Saúde com a Sala Lilás, criando espaços de privacidade para acolher mulheres em situação de violência, com a ajuda de profissionais mulheres com formação específica para esse trabalho.
Em outra parceria fundamental, com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), definimos o Formulário Nacional de Avaliação de Risco (Fonar), garantindo que, por meio de análise técnica da situação de violência, não se repita ou se agrave o quadro de agressão física e psicológica por que passaram as mulheres que buscam atendimento. E teremos um incremento inovador: o uso preventivo de tornozeleiras eletrônicas por agressores enquadrados na Lei Maria da Penha nos casos graves, vai ampliar a eficiência das Medidas Protetivas de Urgência.
Inauguramos, no dia 6 de agosto, o novo espaço do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher. O novo Ligue 180 avança para um atendimento qualificado, acolhedor, humanizado e eficaz. Vamos garantir informação e orientação para as mulheres que enfrentam situações de violência, assim como para quem quiser apoiá-las a romper e superar esse mal.
É importante destacar que o Ligue 180, criado em 2005 pela gestão Lula, foi descaracterizado após o golpe de 2016. Além de esvaziado de orçamento, o Ligue 180 ficou junto com à central Disque 100, passando a receber ligações com denúncias de objetos e públicos diversos. Agora, com a ampla reformulação empreendida pelo Ministério das Mulheres, o Ligue 180 passa a ser um serviço especializado de atendimento, feito por mulheres com permanente formação e atualização, para prestar informação e orientação adequadas e amparado por uma rede de apoio cada vez mais consistente. Lançamos ainda o Painel do Ligue 180, uma plataforma online inédita que permite consultar os 2.576 serviços que compõem a rede de atendimento às mulheres em situação de violência.
É importante lembrar que em breve realizaremos a regulamentação do "Protocolo Não é Não", segundo a lei 14.786/2023, pelo qual estados e municípios terão papel fundamental na implementação e fiscalização, objetivando impedir o assédio sexual, contribuindo com a prevenção em bares e casas de shows, transformando-os em espaços seguros para as mulheres.
A principal lei de proteção às mulheres em situação de violência no Brasil completou 18 anos no dia 7 de agosto deste ano. A Lei 11.340/2006, a conhecida Lei Maria da Penha, tem sofrido ataques por parte de setores fundamentalistas e conservadores que tentam desconstruir a realidade das desigualdades de gênero, inclusive realizando ataques pessoais contra a própria Maria da Penha e sua família!
Esses setores conservadores chegaram ao cúmulo de apresentar um Projeto de Lei no Congresso Nacional que penaliza meninas e mulheres que realizarem o aborto permitido em lei (previsto no Código Penal Brasileiro desde 1940), caso a gravidez tenha mais de 22 semanas! Ora, sabemos que a maioria das vítimas de violência sexual e estupros são as meninas. Elas demoram, devido à tenra idade, para identificar a situação como violência, para expressar o que estão enfrentando e para descobrir a gravidez e, então, finalmente procurar ajuda familiar ou profissional. Portanto, obrigar crianças a serem mães é tortura e desrespeito aos direitos humanos.
Se a cada oito minutos uma menina ou mulher sofre violência sexual no Brasil, a aprovação desse obtuso projeto traria ainda mais revitimização e sofrimento para elas. Esse ambiente de polarização contra a garantia de direitos e ódio contra meninas e mulheres gerou essas deturpações.
E é em meio a essa conjuntura polarizada que ocorrerão as eleições municipais em outubro deste ano para as prefeituras e vereanças, portanto os impactos da violência contra mulheres que são candidatas têm sido fortes, assim como para mulheres que estão na vida pública política, à frente de entidades e movimentos que lutam por direitos. Para enfrentar mais essa situação, lançaremos a Política Nacional de Enfrentamento à Violência de Gênero na Política, objetivando que os partidos e o TSE adotem protocolos efetivos que barrem e penalizem esse tipo de violência.
Estamos em pleno “Agosto Lilás”, mês que traz visibilidade às ações de enfrentamento à violência de gênero e a Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves está liderando a Articulação Nacional pelo Feminicídio Zero, com o objetivo de mobilizar diversos setores da sociedade brasileira pelo firme compromisso coletivo em defesa do direito de as mulheres viverem uma vida livre de violências e indicando que um outro Brasil, sem feminicídios, é possível!
Queremos envolver nessa mobilização gestoras e gestores do Poder Executivo, assim como do Judiciário e do Legislativo, empresas públicas e privadas, meios de comunicação, instituições esportivas, culturais e religiosas e figuras públicas.
A Articulação Nacional pelo Feminicídio Zero tem o objetivo de conscientizar que os feminicídios são preveníveis, e que para isso é importante enfrentar a misoginia e o menosprezo à mulher. Ao mesmo tempo, vamos divulgar as políticas públicas existentes.
Todas as instituições ou entidades podem contribuir para a Articulação Nacional pelo Feminicídio Zero, assinando o Manifesto e divulgando os materiais produzidos ou produzindo materiais próprios sobre o enfrentamento às violências contra mulheres, formando um outro pensamento, percepção e mobilização por essa causa.
Nenhuma violência contra a mulher deve ser tolerada, vamos precisar de todo mundo!
Denise Motta Dau é assistente social e Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Ministério das Mulheres.
Pagu Rodrigues é socióloga e Diretora de Proteção de Direitos do Ministério das Mulheres.