Política

Qual utopia o PT pretende apresentar ao povo brasileiro para os próximos 45 anos?

O caso de Santa Catarina e Florianópolis para pensar os desafios de um PT de ontem, hoje e sempre

Já era sabido e esperado que as eleições de 2024 não seriam fáceis para a esquerda, especialmente para o PT. Desde que o campo progressista elegeu pela quarta vez sua representação para a presidência da República, em 2014 - reconduzindo Dilma - as forças tradicionais da política e da economia nacional, alinhadas ao extremismo e ao fundamentalismo, inauguraram uma escalada persecutória contra tudo aquilo que minimamente pudesse representar a efetivação de reformas estruturantes no país, o avanço de direitos, etc. Datamos 2014, como um marco um pouco mais óbvio, mas poderíamos pensar que esta movimentação se deu a partir do mensalão, ou por que não crer que - na verdade - a Elite brasileira nunca suportou um operário na Presidência da República, e, portanto, desde 01 de janeiro de 2003 organizava a derrocada de nosso projeto. Repertório nada novo para a geração que viveu 1964, ou para aquelas que estudaram história.

Do golpe contra Dilma, ao lavajatismo que resultou na prisão do então ex-presidente Lula - falência de empresas nacionais e ataque à soberania nacional, perseguição aos movimentos populares e sociais, assassinato de líderes sociais, perseguição da mídia, discursos de ódio, negacionismo, fake news - são pelo menos dez anos de ataques constantes.

No segundo mandato da presidenta Dilma, por exemplo, o volume de reportagens contra o PT eram de 24 textos contrários, contra apenas dois favoráveis às ações do governo petista. Após o impeachment, o presidente Lula se tornou o principal alvo da grande imprensa, acumulando, segundo ele mesmo ressalta1, mais de 400 horas de ataques no principal telejornal do país e mais oitenta capas de revistas que buscavam desconstruir sua imagem e aprovação popular. Disso resultou, além do avanço da extrema direita, a dificuldade paulatina em nos mantermos e ocuparmos espaços institucionais, onde historicamente o PT se fez presente. Desde a ascensão de Temer ao retorno de Lula, foram 6 anos de destruição do Estado Brasileiro, primeiramente governado por um usurpador golpista e na sequência por um negacionista genocida.

Nas eleições de 2018, além da Presidência da República, perdemos um estado, treze deputados federais, sete senadores2, 25 deputados estaduais. Reflexo que se sentiu também nas eleições de 2020 com 71 prefeituras e 150 vereadoras(as) a menos que em 2016. Mas, evidentemente neste pleito as urnas já sinalizavam ao PT caminhos para superar a difícil década: um perfil de representação apontado pelos eleitores às urnas. Em 2022 os resultados ficaram, mais ou menos, assim: o PT manteve o número de 4 governos do estado, ampliou em 12 o número de deputados federais, chegando a 68 cadeiras (segunda maior bancada da Câmara, perdendo apenas para o PL, com 99 deputados eleitos); das 27 cadeiras renovadas no Senado nas eleições de 2022, o PT fez 4; e, por fim, em relação ao número de deputados estaduais, o partido ampliou para 118; e mais uma vez as urnas também sinalizaram caminhos para certa “reconstrução”. E, 2024 mostrou - ainda que de forma tímida certa recuperação de nossa presença e ganhos eleitorais: são 252 prefeituras, 3.118 vereadoras(es).

Podemos fazer várias leituras destes números: 1) o PT perdeu; 2) o PT perdeu capitais e espaços importantes como no nordeste - berço do lulismo pós-2006. Mas, se olharmos os dados históricos, frios e meramente numéricos existem alguns contrapostos: a) disputamos 12 pleitos municipais na história democrática brasileira, destas, em apenas 3 delas (2004, 2008 e 2012) superamos a marca de 256 prefeituras; b) nestas três eleições citadas estávamos no auge da recuperação econômica do Brasil, recursos disponibilizados aos municípios pelo avanço dos programas sociais federais de LULA I e II, principalmente, além de alguns outros elementos que podem ser agregados dentro da respeitabilidade das instituições democráticas ainda não esgarçadas pelo Golpe de 2016; ou até a não emergência dos fenômenos azaroẽs pós-Bolsonaro (além do próprio).

É verdade, portanto, que o PT não morreu como apostaram fileiras da sociedade - e até quadros dentro do partido. É verdade também que não estamos em 2002, tampouco em 1980. Há desafios. E sobre eles volto mais adiante.

Resultado geral em Santa Catarina

Embora exista um mito fundador sobre as origens do PT, não se pode negar que seu surgimento em diferentes estados teve marcadores variados a depender das bases populares mais fortes naquele contexto dos anos 1980. Em Santa Catarina, especificamente, o oeste catarinense protagonizou esse período fundacional com as lutas pela terra, da agricultura familiar e por reforma agrária - associada à liderança religiosa de Dom José Gomes, à igreja católica, e à Teologia da Libertação, e posteriormente - diante deste solo fértil - ao surgimento do próprio MST.

Não à toa, historicamente, os maiores resultados eleitorais do PT estiveram centrados naquela região. Em 2000, o PT elegeu treze prefeituras em Santa Catarina, sendo 8 delas na região oeste do estado. Nas eleições de 2004, o número de prefeituras conquistadas pelo PT cresceu para 23, sendo dezesseis nas regiões oeste e meio-oeste. Em 2008, o PT cresceu ainda mais em Santa Catarina, alcançando 34 prefeituras, sendo 22 delas nas regiões oeste e meio-oeste do estado. Já em 2012, o PT teve a melhor eleição municipalista de sua história em território catarinense, conquistando 45 cidades, sendo 26 delas nas regiões oeste e meio-oeste do estado. Nas eleições de 2016, pós-golpe contra a presidenta Dilma, o PT perdeu mais da metade das prefeituras conquistadas na eleição anterior, vencendo em vinte cidades, sendo catorze delas nas regiões oeste e meio-oeste de Santa Catarina. Em 2020, mais uma vez o PT perde prefeituras, caindo para onze municípios no estado, sendo nove delas na região oeste. Por fim, nas eleições de 2024, o PT sofreu um novo revés em Santa Catarina, passando a comandar apenas sete municípios, sendo seis deles no oeste do estado. Em que pese esta presença regional do ponto de vista da conquista eleitoral, duas observações são importantes: 1) os municípios que o PT passa o governar em SC são cada vez menores, de modo que hoje o eleitorado sob nossa gestão não ultrapassa 35 mil pessoas, em todo estado; 2) em 2024, pela primeira vez a região da Grande Florianópolis passa concentrar a maior parte dos votos petistas no estado, sem porém atingir um índice suficiente para ganhar prefeituras; 3) destacam-se no litoral nomes para as câmaras municipais com expressividade de votos, como veremos mais adiante. Tem-se percebido, portanto, uma maior diluição dos votos do PT pelo estado, de modo que o oeste deixa de ser uma grande fortaleza eleitoral.

Isso não quer dizer que historicamente o PT-SC não tenha tido destaque em outras regiões do estado. Nos anos 2000 marcamos forte presença na região Norte a partir das duas importantes cidades industriais mais fortes de Santa Catarina, Joinville e Jaraguá do Sul, região com presença marcante do operariado industrial, tendo Carlito Merss eleito prefeito da maior cidade do estado em 2008; e na região Sul e no Vale, tivemos a eleição de Décio Lima para prefeitura de Blumenau (Vale), em 2000, de Décio Góes em Criciúma. Companheiro Décio Lima foi reeleito em 2000, em Blumenau.

Já para as eleições gerais, especificamente de 2002, o PT-SC elegeu um Deputado Federal na região Norte (Joinville) e três Deputados Estaduais na mesma região (dois em Joinville e um em Jaraguá do Sul. Já no Vale do Itajaí elegeu três deputados estaduais: em Blumenau, Itajaí e Brusque; na Região Sul foram eleitos um deputado estadual e um Deputado Federal; no oeste idem; assim como em Florianópolis.

Portanto, mais que uma migração de votos, o que se percebe também é que o PT-SC ao longo dos anos vem perdendo força eleitoral nas diferentes regiões. Arrisco dizer que quatro possam ser os motivos dessa “migração” regional dos votos petistas: 1) certa diáspora geracional dos “filhos da esquerda” rumo aos centros urbanos e litorâneos em busca de trabalho e estudo; 2) o êxodo rural que passa potencializar novos pólos urbanos no próprio oeste; 3) o avanço conservador que tornou várias cidades do estado como um berço de células neonazistas; 4) a dificuldade do PT em fomentar novas lideranças regionais com projeções mais amplas. E sobre este terceiro ponto, friso o sentido de “fomentar”, pois elas existem, despontam, são votadas. Mas, porque não são amplamente reconhecida? Volto nisso mais adiante também.

Sobre a primeira hipótese não há dados substanciais, mas um dos fundamentos poderia ser inclusive algumas políticas educacionais criadas ou aprofundadas pelos próprios governos petistas, como o Pronera - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) que destina verbas específicas para providenciar o acesso de jovens ao ensino superior, em instituições federais. Ao longo do tempo, 191.234 estudantes ingressaram em 531 cursos, em todos os estados brasileiros3; sobre a segunda, basta olharmos o crescimento de cidades como Chapecó: a população rural que começa migrar para as cidades e lá encontrar precariedade são os eleitoras do campo para onde nossas políticas e tradições de agricultura familiar se dirigiam desde meados dos anos 1980. Mas com o passar do tempo, nossa tradição e programa passa a ter dificuldades de lidar com “os dilemas urbanos” a partir das novas gerações, e esse adensamento só cresce - haja vista que quando o PT assumiu a cidade em 1997 sua população girava em torno de 123 mil habitantes e hoje tem cerca de 255 mil pessoas, num crescimento de 38% entre o censo de 2010 e 20224; sobre o terceiro ponto há dados estruturados entre os anos de 2020 e 2024 sobre a proliferação de células neonazistas em cidades como São Miguel do Oeste, onde tivemos inclusive o caso da cassação da vereadora Maria Tereza Capra por denunciar estas práticas, e Blumenau, por exemplo, em que a pesquisadora Adriana Dias5 aponta a existência de 63 destes núcleos; por fim, acerca do terceiro “chute” basta verificar - sem demérito algum a essas atuações necessárias e resistentes - que, nas últimas duas décadas, com raríssimas exceções como Fabiano da Luz, não se apresentaram novos nomes senão aqueles projetados ainda nos anos 1990: Ideli Salvatti, Luci Choinacki, José Fritsch, Pedro Uczai, Pedro Baldissera, Neodi Saretta, Luciane Carminatti, Ana Paula Lima, Décio Lima.

De modo geral, destaca-se dois momentos de importante resultados eleitorais municipais do PT Catarinense: 1) as eleições de 2000 quando elegemos concomitantemente três grandes pólos regionais - Criciúma, Chapecó e Blumenau; e 2) o apogeu eleitoral do PT catarinense em 2012 quando elegemos o maior número de cidades, passando a governar 45 prefeituras e 304 vereadoras(es). Mas isso não diz muito sobre o estado em si, pois seguiu uma tendência nacional de ascensão do partido entre os governos Lula I e Dilma I, o que foi interrompido pelo Golpe que ocorreu durante o processo eleitoral de 2016, com reflexos negativos por todo país, inclusive em SC onde nós reduzimos a 20 prefeituras e 204 parlamentares municipais.

Quero retomar aqui algumas apostas sobre argumentos e contra-argumentos constantes no último período sobre os perfis eleitorais que despontam no PT a reboque dos possíveis rebotes eleitorais e suas distribuições geográficas pelo estado, além da falta de fomento sobre eles.

Passo atrás, vale destacar que, no campo das esquerdas, as eleições de 2016 começaram a apontar alguns sinais sobre perfis eleitorais que antagonizam os discursos que sustentavam o Golpe. Pra quem não se lembra, desde o processo eleitoral de 2014 - ou até um pouco antes dele - já se projetaram sobre as eleições fake news e narrativas sobre políticas de gênero, família, aborto, população LGBTI+, etc. enfrentando mais diretamente as ditas “pautas identitárias” despontaram vários quadros6 pelo país, a exemplo de Jean Willys (PSOL-RJ) e Marielle Franco (PSol-RJ) fortemente capitaneados pelo PSOL, em que pese o PT já tenha trabalhos internos desenvolvidos neste campo e nos movimentos sociais associados a estas pautas desde o final dos anos 1980. Entretanto, como a aposta neste repertório (anti-gênero, pela família, consequentemente anti-classe e anti-povo) foi intensificada e utilizada pelos oposicionistas ao PT e nossos governos, recuamos - em defesas, ações e visibilidade.

Este contexto, é um dos elementos que, a partir de 2018, projetou a família Bolsonaro simbolicamente, mas também movimentos comunitários, e tentativas de hackear o modus operandi da política tradicional dando novas roupagens aos métodos institucionais: cito aqui o movimento “Ocupa Política” e a proliferação de “candidaturas coletivas” que pareciam querer revolucionar o sistema político-eleitoral, a exemplo da Bancada Ativista (PSol-São Paulo), que tinha Erika Hilton como integrante, Adriana do Nossa Cara (PSol-Fortaleza), Cíntia Mandata Bem Viver (PSol-Florianópolis), Coletivo Nós (PSol-São Luiz) Laina Pretas por Salvador (PSol-Salvador), Silvia da Bancada Feminista (PSol-São Paulo), Sônia Lansky da Coletiva (PT-Belo Horizonte). Mais uma vez, todas, ou a maioria delas, capitaneadas pelo PSOL.

Particularmente, acredito que o mérito momentâneo do Socialismo e Liberdade não foi sobre forma, mas sobre uma percepção pragmática (mais do que eles próprios reconhecem) sobre “linguagem”. Um mix, na verdade, perfil-linguagem, fato que infelizmente foi ainda mais vitorioso após o feminicídio político de Marielle. Digo isso numa digressão que julgo importante para retornar ao cenário catarinense.

Em Santa Catarina, essa movimentação não se viu tão forte já em 2016 (com exceção, talvez, da eleição meteórica do vereador Marquito do PSOL, em Florianópolis), mas em 2018 deu sinais às avessas com a emergência “surpreendente” de Ana Campagnolo (PL), Caroline de Toni (PL), Daniel Freitas (PSL) e Jessé Lopes (PSL) - figuras que protagonizam até hoje o campo da extrema-direita, juntamente com colegas que se agregaram a partir das eleições 2022, como Zé Trovão (PL), Julia Zanatta (PL), Jorge Seif (PL).

No campo da esquerda começamos a ver algumas “novidades” a partir de 2020: 1) o mais significativo em relação ao PT, tem a ver com o fato de que, com a diminuição de nossas cadeiras nas Câmaras Municipais de 204 para 159, o número de mulheres eleitas pelo PT-SC naquele ano dobrou; 2) além disso, chamou atenção que em duas cidades dominadas pelo Bolsonarismo - como Brusque (berço do “Véi da Havan”) e Joinville - as únicas cadeiras conquistadas pelo PT tenham sido garantidas por mulheres negras (Marlina e Ana Lucia, respectivamente); 3) na capital, me elegi com alguns simbolismos importantes, como - além de assumidamente lésbica - ter sido a primeira mulher eleita pelo PT na Capital e a parlamentar mais jovem eleita naquela legislatura.

Foi um período marcado por violência política de gênero. Ameaças, tentativas de cassações, emboscadas. A ocupação da política por corpos dissidentes, historicamente excluídos da política formal, representa um cenário de resistência, e por que não: revolucionário. Mulheres, jovens, indígenas, negras e negros, LGBTI+, pessoas com deficiência, não são representantes tão somente “de pautas identitárias” como dizem muitos, inclusive no campo da esquerda, e em fileiras do próprio PT. É preciso compreender que, sem abandonar a perspectiva de classe que nos une, questões de gênero, raça, etnia, orientação sexual aprofundam desigualdades sociais, políticas, estruturais e materiais de parcela significativa da sociedade. Portanto, é preciso também estarmos atentos a isto.

Ainda sobre 2020 desponta em Balneário Camboriú o vereador Eduardo Zanatta, eleito pelo PDT, tendo migrado posteriormente para o PT e constituído um mandato essencial para a luta do campo progressista no solo dos Gedeões. Além disso, disputou a prefeitura de Garopaba o jovem gaúcho Rodrigo Oliveira, colocando o PT na ordem do dia da política local. Brasil afora, desde o Golpe, destacaram-se também nomes como: Natália Bonavides (RN), Bia Caminha (PA), Camila Jara (MS), Jack Rocha (ES), Renato Freitas (PR), Carol Dartora (PR), Leonel Rade (RS), dentre outros nomes fora até das capitais. Trata-se, portanto, da existência de quadros e votos em perfis que devem sintetizar o futuro do PT, das esquerdas. Perfis eleitorais, mas sobretudo com lastro nas discussões historicamente abarcadas pelo campo popular, e no hoje.

Passo a frente, o ano era 2022, Lula solto, amando e disposto a concorrer sua sexta eleição presidencial e retomar os rumos democráticos do país. Sob a liderança de Lula, um chamado para que novos e bons quadros se lançassem para disputa eleitoral. Ele sabia que, se eleito, precisaria da base fiel em Brasília e nos estados. Claramente sem apoio sólido, contínuo, explícito e organizado do PT em Santa Catarina alguns nomes se lançaram:

  • Eduardo Zanatta que se dispôs a concorrer a uma vaga para Assembleia Legislativa, e mesmo tendo seu nome barrado, não se fez de rogado, seguiu seu mandato brilhantemente e quintuplicou sua votação para vereador em 2024, galgando o melhor resultado do PT em Balneário Camboriú, em toda sua história;

  • Rodrigo Oliveira, que foi candidato a deputado estadual defendendo fortemente o debate ambiental e sustentável, fortaleceu o partido em Garopaba, fez um trabalho constante mesmo sem mandato e entrou pra história em 2024 conquistando pela primeira vez uma cadeira petista na Câmara de sua cidade;

  • Jean Volpato, foi candidato a deputa estadual por Blumenau, em 2022, fez uma votação expressiva (homem, gay, jovem), focado num nicho eleitoral que também buscou antagonizar com o “contexto da cidade”, e em 2024 fez também a maior votação da história do PT no município;

  • Vanessa da Rosa, nas eleições de 2022 por Joinville ficou com a primeira suplência da chapa estadual do PT - mulher, negra, professora, nova na política - e não assumiu por falta de votos nominais, num nítido “descuido pela regra”, por parte da organização do partido, foi agora eleita nas eleições municipais de 2024 para a Câmara Legislativa da cidade;

  • igualmente, fiquei de fora de uma cadeira na Câmara Federal em 2022 pelos mesmos motivos que Vanessa. Já eleita em 2020, seguimos um mandato determinado em Florianópolis e nas eleições deste ano quase triplicamos nossa votação nominal, e após 20 anos esse desempenho - acompanhado de uma nominata coesa e forte - foi fundamental para ampliarmos nossa bancada na Câmara Municipal;

  • ainda que sem uma disputa tão significativa nas eleições de 2022, em São José o PT voltou a ter uma cadeira na Câmara Municipal, neste ano, com Caê Martins - homem, gay, jovem, ligado à cultura.

Em 2024, mais uma vez, o PT-SC perdeu prefeituras e vagas nas câmaras legislativas do estado, mas quero destacar que além dos nomes citados, novamente, embora tenhamos diminuído o número de parlamentares, mantivemos o número de vereadoras eleitas. Chamo atenção especial para estas vitórias por motivos combinados de serem espaços conquistados com destaque em cidades importantes, pólos regionais, fora do oeste do estado - onde, como dissemos inicialmente, se demarcam parte significativa da pujança de quadros do partido ao longo da história. Por fim, é importante reforçar que estas lideranças, estes quadros que “despontam" o fizeram até aqui porque já sinalizam o futuro e o entendimento de algumas transformações que têm ocorrido, a despeito das direções ou de condições centralizadas.

Os dados em geral não nos permitem cair no pessimismo da mídia hegemônica sobre “o fim do PT” - essa profecia já foi levantada inúmeras vezes na história, mas jamais firmada. Entretanto, não podemos negar que há desafios a serem observados.

Se o estado de Santa Catarina já foi destaque por ter dado a maior votação proporcional de votos a Lula em 2002, vinte anos depois este eleitorado migrou radicalmente ao bolsonarismo7. Alguns analistas chamam atenção de que o eleitorado catarinense sempre teve um viés mais conservador, e o que ajuda explicar o resultado de 2002 tem a ver com a “onda Lula” e o sentimento de mudança em relação ao baixo desempenho econômico apresentado por FHC naquele momento. Tanto é que nas eleições seguintes já se viu migração de votos para outros candidatos.

Chama atenção, no entanto, que a direita tradicional sempre teve espaço singular na política catarinense, e lá em 2002 o PT teve oportunidade ímpar de participar de um xadrez mais promissor no estado, e não o fez: tendo ficado fora do 2º turno pro governo do estado por menos de 2% dos votos, foi uma legenda decisiva para vitória de Luiz Henrique (PMDB) contra Amin (PP), mas optou por não compor o governo da gestao vitoriosa, mesmo tendo eleito cerca de 25% dos deputados da Assembleia Legislativa. Sem governabilidade - que poderia ter sido centralizada pelo PT - o peemedebista protagonizou a articulação da famosa “tríplice aliança" que governou o estado até a ascensão de Bolsonaro em 2018.

Grosseiramente se pode dizer que o bolsonarismo é fruto de um movimento que soube primorosamente captar o sentimento anti-institucionalidade que sempre esteve presente o Brasil, radicalizado por elementos que flertam com fascismo e nutridos pelo antipetismo, incentivados pelos representantes políticos do capital financeiro e da própria direita tradicional que vinha perdendo espaço no país, pouco satisfeita pelo desempenho social e econômico dos governos Lula e Dilma. Em Santa Catarina não foi diferente.

Há uma hipótese a ser melhor desenvolvida de que Brasil a fora a direita tradicional se utilizou simbioticamente do bolsonarismo para interromper o projeto desenvolvimentista que os governos petistas vinham produzindo, porém, perdeu o controle do radicalismo, negacionismo deste grupo e busca reaver este prejuízo. As eleições de 2024 parecem sinalizar para isso, dado o resultado do PSD - com uma estratégia municipalista muito similar aos tempos áureos do PMDB.

Em Santa Catarina isso também parece ocorrer, no entanto por aqui o Bolsonarismo tem encontrado o ninho de sobrevivência que vem perdendo em outras partes do país. Um movimento interessante a se observar nos próximos meses é o que vem sendo protagonizado por João Rodrigues (PSD) - prefeito reeleito de Chapecó (maior cidade do oeste, berço de dois deputados do PT), bolsonarista ferrenho e garupeiro de motociatas, pré-candidato ao Governo para 2026 enfrentando a reeleição de Jorginho Mello que governa o estado sob a legenda do Messias. E o que fará o PT?

Resultado em Florianópolis

Após 16 anos sem candidatura própria em Florianópolis, as eleições de 2024 foram um marco pro PT na cidade. A esquerda governou o município em apenas uma oportunidade com o PT de vice, e a gestão da Frente Popular protagoniza a memória da cidade, dos quadros do campo progressista e do saudosismo dos que lá estavam. Desde então erros e atropelos na esquerda não possibilitaram que pudéssemos retornar ao paço.

Mesmo com bons desempenhos vermelhos em eleições gerais8, não se vislumbraram reflexos nos resultados locais - como se viu novamente no último pleito: uma vez que os 28,01% dos votos que os dois candidatos mais alinhados à esquerda tiveram, não refletem nem de longe os quase 47% abocanhados por Lula em Florianópolis no segundo turno de 2022.

As forças políticas hegemônicas da cidade se organizam escancaradamente em torno dos interesses econômicos. Num município com economia baseada fundamentalmente no comércio, serviços, serviço público, no turismo esporádico e setor imobiliário, o setor econômico dita as regras. Nos últimos 22 anos as obras estruturais da cidade foram promovidas em boa medida com recursos dos governos federais petistas - haja vista os PACs - mas geridas por governos municipais de centro-direita. Isto gerou uma sensação de bem-estar, desenvolvimento e dignidade em parte da população mais vulnerável, mas não necessariamente uma consciência de classe coletiva sobre a origem não apenas dos recursos, mas principalmente do Projeto Político que possibilitou estas transformações.

Especialmente na última década - pós-Temer e pós-Bolsonaro - o encolhimento do Estado Brasileiro e o fechamento das torneiras de investimentos deram espaço para que as garras da iniciativa privada se apresentassem ainda mais fortemente na cidade. Cenário fértil considerando também a existência de partidos que disputam a hegemonia/narrativa da esquerda e não exatamente da cidade, o sentido político da cidadania, da organização e indignação da população. Soma-se a isto, as disputas internas do próprio PT que tem tido dificuldades em fortalecer lideranças pensando no futuro/sobrevivência do partido como instrumento de organização e não em interesses privados. É bem possível, porém, que este contexto se replique similarmente em outras capitais e centros urbanos.

Apesar disso tudo, voltamos à cena.

Dezesseis anos depois lançamos candidatura própria e saímos das sombras nas quais as trapalhadas internas e os anti-petismos nos jogaram. Apresentamos uma nominata competitiva para Câmara Municipal que ampliou significativamente nossa votação nominal em candidaturas proporcionais e possibilitou que após duas décadas voltássemos a ter mais de uma cadeira no Legislativo. Não qualquer cadeira, elegeu-se Bruno Zillioto, em sua primeira disputa eleitoral - sindicalista, representante de uma das categorias mais atacadas pelas últimas gestões municipais: o Serviço Público.

Desafios

Um partido com 45 anos de história, segundo maior partido do país com mais de dois milhões de filiados. Um partido que desde a sua fundação disputou nove eleições nacionais e esteve no segundo turno de todas, tendo vencido cinco delas. Um partido com história, possui naturalmente dilemas e desafios.

Do ponto de vista externo, muitos já foram nossos desafios: luta contra Regime Ditatorial, a própria relação com os movimentos sociais e o enfrentamento às contradições da institucionalidade, os ataques da mídia, a ordem econômica, etc. Todos eles de certo modo permanecem. Até mesmo o fantasma da ditadura.

Mas, obviamente, a partir das experiências de ser governo alguns elementos se intensificaram, e ganharam outras formas e proporções: a Ação Penal Nº 470, o Golpe contra Dilma, o Lava Jatismo, o Bolsonarismo. A oposição político-parlamentar, junto da mídia hegemônica e do setor financeiro, ganharam aliados no judiciário, nas igrejas e fortemente na opinião pública. Um combo intransponível com receitas antigas. Eis um primeiro desafio: compreender a subjetividade que alimenta a luta de classes na atualidade e apresentar alternativas concretas para a população do hoje.

As receitas econômicas de duas décadas atrás não darão certo se aplicadas ao solo da população de 2024. Cerca de 60% da população brasileira hoje tem até 40 anos de idade, o que significa dizer que tinham no máximo 18 anos quando o PT iniciou seu primeiro governo. A maioria desta parcela da população viveu o apogeu econômico, pleno emprego, redução da inflação, ampliação do poder de compra, inclusão educacional, acesso à moradia, soberania alimentar, etc; e também viram tudo ruir. Mas, ao contrário da geração que fundou o PT nos anos 1980, “os Filhos da Era Lula” não têm memória, nem vivência dos anos de chumbo, da Era FHC e das intervenções do FMI. Eis, provavelmente, um segundo desafio: o inimigo comum deste tempo não é mais (ainda!) a Ditadura e a recessão, mas o próprio PT e as narrativas contra nós.

Por fim, mas não dissociado de nenhum deles, há de se considerar que o 5º governo petista vive um dilema atrelado ao que podemos considerar um “Golpe de Mercado”. Se não mudamos a cartilha, não mudamos a receita e não atualizamos nosso programa - que por sua vez deixou de fazer sentido para boa parte da população, então o tal mercado age virtualmente para afastar a possibilidade de qualquer reflexo positivo das nossas ações. Como? Trata-se na verdade da “segunda fase do Golpe” que sofreu o Governo Dilma, e tem a ver de um lado com a autonomia do Banco Central cedida por Temer, que tem mantido os juros altíssimos, e de outro com um pacto entre a Faria Lima e o Agro para manter o dólar com taxas exorbitantes. Eis mais um dos desafios, talvez um dos mais difíceis: não ceder!

Nestes quatro casos o quadro é agravado pela modulação da opinião pública contra o Governo Federal, materializado na reestruturação constante do anti-petismo. O “petismo”, atualmente, tomou contornos do que foi o “comunismo” nos anos 1970/1980 - uma ideia a partir da qual se mobiliza o medo.

Meio século atrás esta manipulação da opinião pública ficava muito mais a cargo dos grandes veículos de comunicação e circulação de massas: rádio, TV e grandes jornais. O advento da tecnologia, da internet e, sobretudo, das redes sociais catapultou a difusão de conteúdos em velocidade exponencial, linguagem rápida, acessível, com critério ainda mais frágil sobre confiabilidade e credibilidade, com a simplificação da realidade e ampliação dos discursos de ódio. Não à toa a última década deu lugar às tão faladas fake news, que nada mais são que compartilhamentos de notícias falsas, calúnias, propagação de ódio. Notícias fabricadas deliberadamente com o objetivo de confundir e enganar. E, por serem moldadas por grande apelo emocional, têm forte potencial de sensibilização. O inimigo comum do século 21 passa a ser tudo aquilo que o PT e nosso governo representam ou é a eles atribuído: poço de corrupção, destruidor da família tradicional, defensor de bandido, corruptor de valores e da moral, etc. Eis, então, mais um dos nossos desafios: o da comunicação. Soma-se a isto toda discussão envolvendo as Big Tech que se torna uma reflexão a parte tanto pela sua dimensão com o mundo do trabalho, como pela produção e disseminação de conteúdos.

Por óbvio o Governo Federal não é um ente à parte da legenda que o constituiu. Para cada um desses desafios, há sem dúvida elementos internos ao PT, sua organização, seu momento histórico, suas próprias disputas, que precisam ser revistos. Fato é que precisamos de um PT para um novo Brasil.

De tal sorte que, do ponto de vista interno, há de se fazer uma reflexão profunda sobre o nosso tempo. O PT é um partido de esquerda, surge das aspirações da classe trabalhadora, da organização sindical, dos movimentos sociais, da luta contra a Ditadura Militar, de setores progressistas da Igreja Católica, com bases marxistas - de modo que o materialismo histórico deve reger nossos princípios analíticos para a partir deles propormos mudanças concretas para realidades concretas. Portanto, um dos dilemas preliminares do PT é construir uma análise robusta sobre a Classe Trabalhadora, hoje!

Se é verdade que o capitalismo se reestrutura com o tempo a fim de sua própria sobrevivência, é preciso, portanto, partir de uma análise contemporânea das mudanças na estrutura do mercado do trabalho a partir da evolução tecnologia, em particular no que tange a precarização das relações de trabalho - como as especializações constantes do saber; as possibilidade de home offices e sua estratégia de romper os vínculos de trabalho e o reconhecimento das categorias como trabalhadores; as diminuições de postos de trabalho e precarização do serviço público, bem como a uberização do trabalho que afeta cada vez mais jovens no país. Além de elementos “esquecidos” nas análises sobre as relações de trabalho, que se mostram cada vez mais profundos para compreender o mundo hoje - como o desamparo a velhice e a perspectiva corrente sobre sua “improdutividade” traz reflexos hoje nas questões previdenciárias; toda discussão sobre o cuidado ainda não estruturalmente resolvido, nem mesmo no discurso da esquerda, que envolve a divisão sexual e social do trabalho, especialmente doméstico.

Ainda sobre o mercado de trabalho e a classe trabalhadora é necessário abrir uma chave de reflexão própria sobre “trabalho versus renda" e como a sociedade tem buscado cada um deles a partir do esgarçamento da noção de “direitos" e “cidadania".

Um outro (velho!) dilema interno ao nosso partido está na relação histórica com os movimentos sociais e a crítica (nada nova) sobre o “afastamento das bases”. Sobre isso, há de se restabelecer o entendimento sobre a “presença” nos/ com os/ para os movimentos sociais. Há de se compreender o papel, o sentido e o significado dos movimentos sociais hoje, além é claro de se perguntar sobre/ com/ para “quais” movimentos sociais vamos dialogar. Além disso, e talvez os mais importante, é necessário reconhecer os novos métodos de organização social, a existência de coletivos, de autonomistas, de grupos, o papel da própria expansão universitária neste processo, mas sobretudo levar em consideração as novas linguagens discursivas.

Ainda que para além do Novo Sindicalismo e da Igreja, os chamados “novos movimentos sociais” tenham marcado presença na fundação do PT, é bem verdade que eles próprios se aprimoraram. Os problemas concretos que impulsionaram os movimentos ambientalistas da época, hoje são outros; os desafios impostos aos movimentos de juventudes e estudantil também mudaram, diante inclusive das políticas construídas e ofertadas pelos próprios governos petistas; de igual modo em relação aos movimentos de mulheres e feministas, comunitários e sindicalistas. O Brasil do hoje parece exigir ainda mais que as problemáticas "particulares" sejam tratadas como intersecções estruturantes para resolutividade sobretudo das questões econômicas, mas dando a cada uma delas pessoas similares na relação os os indivíduos e coletivos que as sintetizam. Sendo assim, o partido e as políticas precisam comunicar para cada uma das partes, se apresentar, não hierarquizar.

Dos dilemas do hoje, pensando nas bases do ontem, está nossa própria relação com as igrejas. Os anos 1960-1980 foram marcados por um avanço sistemático da chamada Teologia da Libertação - movimento interno à Igreja Católica - em oposição ao regime militar, mas movidos em essência pelo princípio humanista, contra injustiças sociais representadas naquele período pela carestia, retirada de direitos e arrochos salariais. Acontece que não só este movimento perdeu força a partir dos anos 1990, como o Brasil viu um avanço sistemático do neopentecostalismo se instalar na população e nos espaços políticos e de comunicação.

Entender este movimento é fundamental uma vez que a “fé” é um elemento crucial na organização social brasileira. Estudo recente da Global Religion aponta que 89% dos brasileiros acreditam em Deus ou em algum poder superior, maior índice no ranking entre 26 países9. Entretanto, o Instituto Brasilis aponta uma alta mobilidade dos brasileiros entre as igrejas. Pelo menos 20% dessas mudanças ocorreram em 2019, ampliando as bases evangélicas que saltaram de 2,7% (1940) para 22,2% em 2020, chegando a quase 30% em 202210. Enquanto isso, segundo o Datafolha, os brasileiros declarados católicos encolheram de 94% (1950), para 65% em 2010, chegando a 49% em 202211.

Além deste quadro social, é importante entender que o neopentecostalismo é delimitado tendo em vista duas características principais: a Teologia do Domínio, essencialmente movida pela ideia de uma “guerra espiritual entre Deus e o Diabo” em que, de acordo com PARAVIDINI e GONÇALVES (2009)12, “as contradições e as injustiças sociais, longe de indicar os modelos de sociedade que nascem das mãos humanas, passam a ser vistas como resultado dos estragos que o diabo é capaz de fazer na vida de quem lhe dá abertura”; a Teologia da Prosperidade “que preconiza a possibilidade de o sujeito poder gozar da realização de todas as suas aspirações materiais está ligada ao que é sustentado pelas sociedades de mercado que estabelecem que o caminho para a felicidade humana passa, necessariamente, pelas trilhas do consumo” (ibidem).

Se de um lado a teologia do domínio parece estar na contramão ideológica das defesas históricas que o PT apresenta, o fundamento racional do que prega a teologia da prosperidade se apresenta, na prática, como um dos objetivos mais imediatos de todos os esforços dos governos petistas: melhorar a qualidade de vida da população, ampliar o poder de compra, garantir dignidade. A chave ideológica é oposta, mas o objetivo final pode ser o mesmo. Não à toa, podemos até mesmo associar essa ampliação evangélica como reflexo dos próprios governos petistas: partidos e líderes evangélicos sempre compuseram as bases dos nossos governos, mas lá nos bancos das igrejas o que se ouvia não era a defesa das políticas públicas, mas sim que a vida melhorava fruto da conversão e da dádiva Divina.

É uma contradição que acabou por ampliar, no período mais recente, as bases do bolsonarismo, muito mais ligadas à teoria do domínio em que a personificação do mal, do diabo, do rompimento da moral e dos costumes se personificou no próprio petismo. Não podemos, nem devemos, negar a fé individual, nem tão pouco o papel que as religiões desempenham na dinâmica social brasileira. A grande questão é como as implicações políticas dessas dinâmicas têm se apresentado.

O dilema da linguagem/comunicação também se dá nesta encruzilhada da relação com as religiões especialmente evangélicas, no campo do discurso e do enfrentamento com o bolsonarismo. Isto porque, quando bolsonaristas bravejam as defesas da “moral e dos bons costumes” contra algumas pautas específicas (aborto, drogas, casamento entre pessoas do mesmo sexo, etc) eles propagam certo medo em parcela da população mobilizando subjetividades de que estes elementos romperiam com dimensões de laços/vínculos/proximidades - materializados para eles na noção de “família”. Em oposição, o petismo, seria o responsável por ações que romperiam com estes laços.

Eles acolhem e recuperam “drogados” e restabelecem laços familiares, acolhem as dores de casamentos problemáticos, curam filhos homossexuais “perdidos pelos desejos mundanos”, ouvem, apresentam soluções e acolhimento. Em síntese, a igreja - ao defender estes valores e promover estas práticas - defende fundamentalmente “o afeto”. Quando nós apontamos o dedo para dizer que “eles destilam ódio”, nossa retórica não condiz com a experiência vivenciada por estes fiéis, junto às igrejas, no seu cotidiano.

O dilema da linguagem/comunicação está interligado com todos os outros: a pouca análise sobre a classe trabalhadora do hoje, a fragilidade do modelo de sindicalismo, a incompreensão sobre os novos (novíssimos) movimentos sociais e suas formas organizativas, a relação com as religiões (especialmente evangélicas), mas é fruto também do dilema geracional vivido pelo PT.

Não é de hoje que estudos/analistas mostram o “envelhecimento do PT”. Por muito, isto significou um dado etário mesmo. Mas propõe-se aqui que os reflexos atualmente estão para além do avançar da idade de uma parte (expressiva) do partido. Trata-se de método e práticas decorrentes da burocratização partidária e do personalismo exacerbado que criam uma espécie de venda em parcela do partido que ou se acomodou, ou não quer ver, ou não quer reconhecer todas as transformações pelas quais o Brasil e o PT passaram nesses 45 anos, sendo que muitas delas são fruto da nossa própria atuação. Mas, como já dizia o velho barbudo, bem anterior ao Lula: “toda tese gera uma antítese, que produz uma síntese; que se torna nova tese, com nova antítese…” e assim a dialética se constrói. Como dito mais acima, é difícil propor resoluções de novos problemas, com velhas receitas.

E assim também se faz a própria lógica organizativa do PT. A falência na lógica atual das tendências é notória. Desde a regulamentação destas estruturas, em 1987, a partir da concepção de um partido estratégico, as tendências se definem como agrupamentos de filiadas(os) que se organizam para garantir a pluralidade política e ideológica e o debate de ideias. Entretanto, com o passar dos anos, especialmente com a consolidação do PED, as tendências passaram de “agrupamentos ideológicos” a “células de estratégia organizativa”. É preciso repensar este modelo.

E os próximos 45 anos…

A superação dos desafios de um PT de ontem, hoje e sempre está em nós mesmos. É preciso olharmos para os pilares que nos constitui com o olhar do hoje: qual é o “povo" de hoje e como leem a sociedade de agora? diante de tantos feitos que nosso programa produziu no país nos últimos 45 anos, como podemos continuar incidindo na transformação histórica que nos move e deu sentido a nossa fundação? como nos comunicarmos com aqueles e aquelas com e para quem almejamos construir um caminho emancipatório?

A fórmula não parece ser tão simples como sintetizam alguns em nossas fileiras quando reivindicam que devemos “agir como o PT agia". Mais uma vez vale ressaltar que não se supera novos desafios, em novos contextos a partir de velhas receitas. Todos os nossos princípios devem seguir nos guiando, inclusive é necessário avançarmos nas promessas pouco cumpridas sobre a Reforma Agrária e a Soberania Alimentar da nossa gente; a centralidade de todas as questões sob o “guarda-chuvas” dos Direitos Humanos para se somar na emancipação da classe trabalhadora é uma chave ainda pouco encarada com seriedade entre nós; a Crise Climática e a necessidade de políticas de resiliência verticalizadas na federação, concretas para além de acordos internacionais muitos vezes distantes do cotidiano das pessoas é algo a ser elaborado como pilar estrutural; também esmorecemos diante do debate da Democratização dos Meios de Comunicação, e hoje esta necessidade avança sobre a Regulação das Redes Sociais e o enfrentamento às Big Tech, que aliadas ao capital internacional desafiam nossa soberania nacional.

Mais do que isso, porém, e papo para um outro texto está o desafio interno de superarmos o Lulismo. O PT deve ser o instrumento central de construção de um projeto emancipatório para sociedade. Indivíduos, por mais que contribuam e organizem, são finitos. O que nos centraliza e nos move são projetos. Sendo assim, qual utopia o PT pretende apresentar ao povo brasileiro para os próximos 45 anos? Precisamos de um PT para um Novo Brasil, e o futuro é agora.

Carla Ayres é vereadora petista, eleita em Florianópolis (SC)

Notas:

1 Post do presidente Lula, no Twitter (atualmente X), no dia 9/7/2000: https://x.com/LulaOficial/status/1281222534113959937?t=ik-6OoUW-NphPRv9-sOIAA&s=19

2 São 7 senadores a menos em relação às eleições de 2010 (11 senadores do PT), que tinha sido a última eleição, antes de 2018 (4 senadores do PT), na qual 2/3 da Casa também foram renovados.

6 Ao longos dos anos seguintes outros quadros com mesmo perfil, etnico, de gênero e geracional despontaram no país, como , Tainá de Paula (PT-RJ), Bella Gonçalves (PSol-MG), Camila Jara (PT-MS), Carol Dartora (PT-PR), Célia Xakriabá (PSol-MG), Daiana Santos (PCdoB-RS), Dandara (PT-MG), Duda Salabert (PDT-MG), Erika Hilton (PSol-SP), Fabiano Contarato (PT-ES), Fábio Félix (PSol-DF), Guilherme Cortez (PSol-SP), Jack Rocha (PT-ES), Linda Brasil (PSol-SE), Natália Bonavides (PT-RN), Sâmia Bomfim (PSol-SP), Sônia Guajajara (PSol-SP), Talíria Petrone (PSol-RJ), Thainara Fatia (PT-SP) e Vivi Reis (PSol-PA, entre outros.

8 A título de memória destacamos o seguinte: nas eleições de 2002 Lula angariou 56,6% dos votos no primeiro turno para presidente em Florianópolis, enquanto a chapa apoiada pelo PT levou apenas 15,6% na disputa da prefeitura em 2004; na dupla eleitoral seguinte tivemos 33,2% de votos presidenciais em 2006 e apenas 6,8% no município dois anos depois; em 2010 vemos um fenômeno interessante, pois ainda que tenhamos caído de uma proporção de 38,7% em 2010 para 25% em 2012, percebe-se a menor “queda” de votos entre uma eleição geral e municipal, fato que pode ser explicado pelo fato de termos uma mulher disputando as eleições em Florianópolis com o apoio do PT, quando Dilma já estava governando o país; as baixas seguem e também não conseguimos replicar os 30,7% que Dilma faz em Floripa em 2014 nas eleições municipais de 2016 quando a chapa apoiada pelo PT registrou apenas 4,3% dos votos válidos; a exceção da série destacada aqui está entre os anos de 2018 e 2020, pois naquelas eleições presidenciais, frente ao Fenômeno Bolsonaro, prisão do Lula e esquerda dividida Haddad fez apenas 15,1% dos votos na Capital, mas dois anos depois a esquerda unida diante do Anti-bolsonarismo ampliou timidamente a votação para 18,1%; por fim, Lula conquistou 29,5% dos votos em 2022, e mesmo retornando a encabeçar uma chapa própria, o PT levou apenas 5,8% em 2024.