Pedro Silva Barros
No Programa de Governo que elegeu o presidente Lula em 2022 há duas prioridades claras de política externa: integração regional e fortalecimento do Brics. Muitas vezes isso fica confundido pela agenda conjuntural, como ocorreu agora com o Brasil liderando brilhantemente o G20 no Rio, assim como na reunião dos oito presidentes da Amazônia. Pela primeira vez a sociedade civil teve espaço no G20, somando a participação de 20 mil pessoas.
Na América do Sul, temos hoje um quadro desastroso, fruto dos desmontes dos últimos anos no sentido de desintegração econômico-comercial e fragmentação política. Além de ser muito difícil reunir todos os países hoje, existe também fragmentação e polarização dentro de cada país.
A região dividida é muito mais vulnerável às ingerências extrarregionais.
Cabe resumir o que foi feito nestes dois anos e, principalmente, discutir o que pode ser feito nos próximos dois. O presidente Lula desenhou a política com um diagnóstico de não-alinhamento ativo. Como primeiras viagens, ele foi ao Uruguai, Argentina e, em seguida, aos Estados Unidos. Dois meses depois, foi à China. Conseguiu reunir em Brasília os 12 presidentes da América do Sul, o que na transição muitos achavam impossível.
Essa mesa com os 12 foi muito aplaudida e reconhecida pelo mundo. Mas para isso ele teve de ir a Washington, a Pequim, à Europa, dizer que na América Latina quem define o futuro somos nós da América Latina. Esse é um princípio constitucional do Brasil. Está no parágrafo único do artigo 4º da Constituição.
O Brasil deve buscar – buscar não é liderar, não é impor, não é hegemonizar – a integração política, econômica, social e cultural dos povos da América Latina. Essa integração dos povos é especialmente importante no momento em que Cuba sofre, mais do que nunca, um ataque, com a manutenção das sanções e do embargo. E a solidariedade latino-americana precisa ser resgatada.
É muito difícil hoje, mesmo nos espaços de esquerda, aparecer essa palavra solidariedade. Ela é fundamental para nossa política externa ser efetiva, para consolidar no mundo a ideia de América Latina livre, zona de paz, sem ingerências extrarregionais, com capacidade de dissuasão.
O presidente Maduro nunca havia se reunido com os presidentes do Uruguai ou Paraguai. O presidente da Colômbia não reconhecia o presidente do Peru, o presidente do Equador não falava com o presidente da Argentina Alberto Fernandez. E aqui em Brasília se chegou a um consenso de nove pontos, além de dez propostas apresentadas por Lula para discutir a retomada da integração regional.
Foram definidas 17 prioridades nesse consenso de Brasília, mas pouco se avançou em seguida, levando em conta a dificuldade que é garantir na mesma mesa a Argentina de Milei e a Venezuela de Nicolás Maduro. Não é simples. Nunca foi fácil a integração regional. Mas a construção de uma agenda positiva com todos é um objetivo histórico do Brasil e só um governo como Lula, que tem clareza sobre soberania nacional, pode construir. A importância desse governo para o mundo não é pequena. O PT é referência também para os países vizinhos e a gente deve dar o exemplo.
Qual foi a ação do Brasil sobre a Venezuela nos governos Bolsonaro e Temer? Foi tentar isolar e asfixiar a Venezuela. E quem sofreu? Foi o povo venezuelano. O que o governo Bolsonaro fez com a Venezuela, o governo Lula não pode fazer com a Argentina para atrapalhar o Milei. Temos de ter uma agenda positiva também com a Argentina porque nosso compromisso constitucional é com os povos da América Latina.
A respeito do que fazer nos próximos dois anos como agenda positiva, cabe melhorar a infraestrutura regional, promover iniciativas favorecendo o comércio intrarregional, que parece pequeno porque só 12% do comércio brasileiro com o mundo se dá na região. Mas esse comércio é muito mais acessível às pequenas e médias empresas, gerando muito mais e melhores empregos. Ele é um primeiro passo para a internacionalização de nossas empresas. Uma startup brasileira não vai nascer exportando para a China ou para os Estados Unidos. Nenhuma chance disso. O nosso espaço regional é prioritário. Do que a gente exporta com alta e média intensidade tecnológica, 40% se destinam à região. Enquanto apenas 3% do que exportamos para a China são produtos industrializados
Pedro Silva Barros - Pesquisador na equipe permanente do IPEA desde 2009, foi diretor de assuntos econômicos da Unasul, entre 2015 e 2018, atuando no Equador. É autor de vários estudos e publicações sobre a América Latina. Graduado em Economia e também em Direito pela USP, foi professor de Economia na PUC-SP. Com títulos de Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado, integra a equipe do Ministério do Planejamento, na área de desenvolvimento e integração sul-americana.