Sinhara Garcia
Sou evangélica há 25 anos, tenho 45 e minha história é marcada pela história de fé mesmo, de cuidado, de lutar por justiça social. Fui convidada aqui como uma voz dos evangélicos, que hoje já são 30% da população brasileira. É muita gente. A igreja vem crescendo e faço parte da Frente Evangélica pelo Estado de Direito e também sou uma das idealizadoras do movimento Cristãos pela Democracia.
A religiosidade no meio popular vem do fato que as igrejas estão dentro das favelas, estão nos guetos, nos morros, estão nas grandes sociedades. Há diversos tipos de igrejas e seus espaços são de acolhimento. As pessoas hoje estão querendo acolhimento, querem ser cuidadas, querem ser ouvidas, querem ser bem tratadas. Querem apoio emocional, social e também material. E muitas vezes a igreja é o único caminho para elas receberem isso.
Todos precisam saber que a igreja é um instrumento transformador sócio cultural. Quando um pai de família, que vive bebendo no bar, sem camisa, que muitas vezes trata sua mulher com violência quando chega em casa bêbado, quando se converte, a vida dele é transformada. Ele passa a se vestir melhor, a ler a Bíblia porque a igreja evangélica ensina as pessoas a ler, estimula a conhecer mais a palavra de Deus. Isso acaba gerando cultura para as pessoas. Ensina os jovens a utilizarem instrumentos, como nosso pastor Kleber Lucas, que gravou “Deus cuida de mim”, cantada pelo Caetano Veloso.
A Frente Evangélica pelo Estado de Direito, presente em 18 estados, fez uma pesquisa em quatro capitais, em 2024. Uma coisa que me chamou a atenção é que as pessoas evangélicas não querem o Estado teocrático, querem a liberdade religiosa. Ocorre hoje uma ofensiva contra a pluralidade laica, crescendo os conflitos de intolerância, mas nem todos os evangélicos apoiam isso. Lutar contra o fascismo é lutar pelo Estado Democrático de Direito. É preciso respeitar, sim, as demais expressões de fé.
Jesus não trabalha com essa teologia do domínio, que é uma teologia da imposição que tem de ser daquele jeito e que é preciso dominar, como em muitas falas do Bolsonaro. Jesus convida a gente, não impõe. Mas infelizmente muitos representantes evangélicos têm imposto, como faz essa bancada no Congresso, que se diz da Bíblia, mas é da bala.
Existem vários tipos de igrejas evangélicas: batistas, metodistas e presbiterianos. Existem as pentecostais, que trabalham essa teologia da prosperidade. Temos também as neopentecostais, como a Igreja Universal e Igreja da Graça. Existem as igrejas de parede preta, como a de André Valadão, que injeta aquela teologia coach, e há igrejas inclusivas, que reúnem pessoas rejeitadas em outras igrejas, como por exemplo, pessoas LGBTQIA+. E trabalham por justiça social. Silas Malafaia e Marco Feliciano não representam todos os evangélicos. Eles têm mais destaque na mídia do que em nosso meio.
Outra coisa muito difícil é enfrentar o preconceito. Enfrento muito preconceito por ser uma mulher evangélica, por ser militante do SUS, evangélica que vota no Lula. Nas eleições de 2022, quando precisávamos salvar a nossa democracia, pude trabalhar contra Bolsonaro, onde eu estivesse. Sofri muito assédio porque eu postava minhas opiniões e os evangélicos não aceitavam. Mas insisti e fui acolhida pelo meu pastor, pelos meus irmãos, e entendi que muitos precisavam ser acolhidos também. Abri minha casa e chegaram mais de 50 pessoas para conversar sobre eleições. Queriam saber porque sou crente e voto no Lula. Expliquei que, sendo Jesus minha maior referência, ele cuidou dos mais vulneráveis, dos mais carentes. E como eu iria votar num homem que diz que o povo não estava com fome?
Fizemos um ato público na Praia de Iracema, reunindo mais de 300 pessoas, Cristãos com Lula, e foi super importante Fortaleza saber que estávamos ali juntos, padres, pastores, pessoal da religião de matriz africana, todos juntos pela democracia.
Sofro preconceito não só dos meus irmãos em Cristo. Sofro aqui também, no meio da companheirada, que já olham torto quando ficam sabendo que sou evangélica. Quando vou defender os direitos reprodutivos da mulher, as pessoas de esquerda olham como se eu não tivesse espaço ali. Mas há espaço sim. Podemos dialogar e trabalhar juntos. Os evangélicos foram subestimados durante muito tempo e essas pessoas de esquerda têm lá suas razões. Mas sou de esquerda, progressista e evangélica e existem muitos evangélicos assim.
Sinhara Garcia - Graduada em Odontologia pela Universidade de Fortaleza em 2003, é especialista em Estratégia Saúde da Família e desenvolve Mestrado na Fundação Oswaldo Cruz. Servidora municipal, realiza trabalho de base com mulheres e casais, sendo também autora de livro sobre literatura infantil. É a principal referência no Ceará da Frente Evangélica pelo Estado de Direito