Política

Laura Sito destaca as ações políticas dos bilionários das Bigs Tech contra a soberania e a democracia. E coloca uma proposta: que o partido estimule um ecossistema de comunicação popular para disputar com a direita


Laura Sito 

Os problemas de comunicação costumam ser abordados como problemas do domínio da tecnologia. Mas, na verdade, sempre informam as insuficiências da política. Essa é uma premissa básica. Outra premissa é que vivemos um período histórico de brutal transformação tecnológica, fruto do próprio processo de reacomodação do sistema capitalista, que gera também uma sociedade cada vez mais fragmentada.

Faço um parênteses para destacar que, na reunião do G20, no Rio de Janeiro, tivemos dois avanços muito importantes. Um foi o acordo assinado por diversos países sobre a importância da proteção de dados. O outro foi a declaração final da reunião, conduzida por nosso governo, que inclui a responsabilidade dos países a respeito dos discursos de ódio.

Temos no Brasil questões completamente estratégicas, que talvez ainda estejamos tratando apenas na marginalidade da discussão, como falou Olga. O primeiro é a regulamentação das Big Techs, algo que o Congresso não foi capaz de encaminhar, mas está no STF, já com dois votos favoráveis à regulação. A discussão se restringe a punir a violência nas redes e o discurso de ódio. Mas há questões também fundamentais para debater em relação à soberania digital. Hoje é possível que uma empresa estrangeira chegue ao Brasil e assuma 60% de domínio sobre os dados, em setores específicos.

Sem abordar isso, ficamos sem controle nenhum a respeito de para onde vão os dados aqui coletados. A direita faz uma disputa central contra qualquer modelo de regulação, em nome da liberdade de expressão, organizando de forma muito intensa debate nas redes. Isso se vincula diretamente a outro debate estratégico, que é a respeito do modelo de democracia que temos.

O debate sobre Inteligência Artificial é paradigmático sobre o modelo das relações sociais que temos no mundo, especialmente ante o poder. Em debate da Secretaria de Mulheres, a Natália Bonavides usou uma expressão que gostei muito: coronelismo digital. Quando vemos uma figura como Elon Musk, que vai para o front político e faz disputa sobre o papel da liberdade de expressão nas redes, estamos falando de algo muito mais profundo. Estamos constatando que esse pequeno número de bilionários detentores das redes, como o X, fazem de seu domínio nessas redes uma disputa frontal contra a ideia de Estado-Nação.

Uma disputa, portanto, contra o próprio modelo de democracia no mundo. Utilizam seus instrumentos como forma de acumulação de capital, mas também acumulação de poder. Em resumo: não estamos falando simplesmente da liberdade de expressão e do discurso de ódio. Isso ainda é periférico na centralidade daquilo que eles disputam. Essas plataformas, não só Elon Musk, são fundamentais na desestabilização das democracias no mundo, como foram fundamentais nas “revoluções” coloridas de dez anos atrás.

Há distinções entre esses grupos. Alguns são mais liberais, alguns abertamente fascistas. Mas o que está em jogo é a estruturação do próprio capital e a instrumentalização desses mecanismos para fragilizar as democracias, especialmente nos países em desenvolvimento, questionando o papel do Estado em cada caso. Nos Estados Unidos, o debate atual sobre TikTok mostra como eles se preocupam com a própria soberania nas comunicações. No Brasil, ainda não temos ambiente político que permita travar esse debate.

No PT, de certa forma, a gente delega para o governo a disputa de opinião na sociedade. Mas o papel do Estado é um, que o Jorge Duarte abordou, e o papel da militância é outro.  Alguns desses papéis se interseccionam. Um dos primeiros desafios do PT é disputar o governo, para que tenhamos, de fato, uma regulamentação mais firme. É fundamental nesse tema, não disputar apenas o periférico, mas desafiar o outro lado a fazer um debate público sobre o que é estrutural, e isso valerá para informar nossa base.

Uma questão polêmica, pelo momento intergeracional que atravessamos no PT, é a compreensão de que a vida online e offline não tem distinção. Não tem distinção sobre o que vivemos nas redes, o que postamos, o que produzimos e o que produzimos em nossas reuniões. Às vezes temos a impressão de que opomos a atuação nas redes e o trabalho de base. Na verdade, faz parte do trabalho de base disputar as redes. Talvez as gerações mais novas do PT possam nos dar um banho nesse campo. Estão voando no TikTok.

Tenho um menininho de 3 anos e minha irmã tem uma menininha de 5, que mora fora do país. A gente imaginou que, quando se encontrassem, iriam se estranhar porque só conversam pelo Whatsapp. Mas eles se encontraram e se abraçaram, brincaram como se convivessem diariamente. Então, não há uma distinção sobre as duas vivências e precisamos entender isso na formulação de diálogo com a sociedade.

Quero terminar com uma provocação. Nossa presidenta Gleisi fez investimento muito grande para avançar na comunicação do PT. Mas acho que o período nos exige muito mais. Talvez pensar num ecossistema de comunicação e de comunicação popular. A direita investe e faz isso de forma muito singular. O Brasil Paralelo, por exemplo, atua na produção de conteúdo, na produção audiovisual, na promoção de debates, na organização de setores para disputar na sociedade os seus valores.

Isso exige de nós pensar nas ferramentas capazes de promover um outro nível de conexão da nossa agenda política, de maneira mais massiva, com a sociedade. Isso nos deixará mais capacitados para nos conectar de fato com a classe trabalhadora brasileira e disputar de maneira frontal um modelo de Estado, um modelo de democracia.

Laura Sito - Formada em Jornalismo pela UFRS, é deputada estadual no Rio Grande do Sul, depois de ter sido vereadora em Porto Alegre. É militante do Movimento Negro desde os 13 anos de idade, liderança secundarista no Colégio Júlio de Castilhos e foi diretora de Direitos Humanos da UNE. Vem se destacando pela capacidade de articular as diferentes lutas sociais e políticas com a presença nas redes sociais.