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Olga Curado explica que a comunicação é a informação, a ação e o gesto percebidos pelas pessoas a partir de suas vivências


Olga Curado: a base da comunicação é a emoção

O psicanalista Jacques Lacan dizia que a essência da comunicação é o mal-entendido. Vamos sair daqui com ideias muito diversas porque é da natureza da comunicação. Nosso primeiro desafio é que estamos no tempo do algoritmo, a mão invisível que manipula as redes. A gente se vê de uma forma diferente do que somos vistos. Nós, ou o próprio PT, achamos que somos isso. Mas e o outro, como é que o outro nos vê? A comunicação surge dessa percepção, comunicação é percepção.

Existe uma coisa chamada ingenuidade da informação. Dando muitos dados, muita informação, pensamos que todo mundo vem. Preciso dizer que o IBGE é importante, mas que seu Anuário Estatístico não é best-seller. As pessoas não compram por ter informações, mas porque se emocionam. A base da comunicação é a emoção e existe um filtro entre nós e o outro. Esse filtro é a imagem.

Antes de eu chegar aqui vocês poderiam ter uma ideia de quem eu fosse. Essa imagem filtra a comunicação. Antes de conhecer, eu tenho uma ideia de quem você é. Como essa opinião é construída? Podemos comparar com a decisão de voltar a um restaurante. Por que voltamos? Porque a comida é boa, o atendimento, o preço é justo.

Somos julgados pelos nossos valores, pela nossa gestão e pela qualidade da nossa comunicação. Não adianta ser bacana, fazer tudo muito bem, se não tenho a capacidade de expressar. Não adianta tirar milhões da miséria se eu não sei contar essa história.

O que constrói nossa imagem são nossos valores e crenças, nossas entregas e nossas habilidades relacionais. Um desafio da comunicação está em nossas certezas. A gente acha que já sabe tudo. E vimos aqui o Nicolas dizer que estamos achando que os motoboys querem uma coisa, mas eles querem outra. Foi chocante quando estacionei o carro e vi uma garrafa pet com um líquido turvo e minha filha disse que aquilo era o banheiro dos motoboys. Mais chocante do que toda aquela discussão sobre autonomia dos trabalhadores. Comunicação é isso. Preciso criar uma imagem real da vida real das pessoas. Parar de falar em tese.

A comunicação precisa ser concreta. Preciso pegar, olhar, sentir. Não vou ficar fazendo tese, explicando como as teorias devem ser debatidas. Temos o presidente Lula, que emociona quando fala da história da mãe, quando fala do drama da miséria. É nisso que estruturamos a comunicação. A comunicação é feita a partir da minha relação afetiva com o outro. Tenho de ter consistência, contexto, resistência, ressonância, empatia.

Construímos as histórias a partir daquilo que já sabemos e vamos agregando. Vai aqui uma receita: use um pouquinho, uma gotinha de informação e vá entregando aos poucos. Entregando aos poucos, você vai mudando a percepção e aquilo que a pessoa enxerga. Não tente convencer. Convencer significa que você tenta impor. Não faça isso. Mostre um pouquinho todo dia, e a cada dia.

Todo processo de comunicação passa por vários canais. Nos comunicamos através dos rostos e gestos (55%) a partir da nossa voz (38%) e apenas 7% a partir das palavras. Em todo processo relacional precisamos nos expressar pelos movimentos – até mesmo pelos movimentos sociais – e não ficar preso apenas à correção das palavras. Lembrar que nosso corpo vai confirmar o que a gente comunica, ou desmentir. Nisso, a vitalidade com que a presidenta Gleisi se expressa na reconstrução do partido é fundamental, um exemplo para todos nós.

É a vitalidade que faz a gente se conectar. Não é aquela preguiça de viver. Lembrar que nosso rosto acaba mostrando tudo aquilo que a gente acha que está escondendo. Assim, a comunicação tem uma estratégia muito simples e básica: para onde a gente olha quando fala com o outro. A direita, aquele Marçal que deu um susto enorme em São Paulo, olha para o outro com um discurso de valorização, olhando na força do outro. E já se disse aqui que não queremos ser vistos como coitadinhos.

Se queremos mobilizar o outro, temos obrigação de tirar desse papel de vítima. Falar da reclamação e do sentimento de perda também tira a força do outro. Sair do lugar de termos de nos esconder. E também sair do lugar de herói. Herói morre cedo. Ninguém quer herói, nós queremos sábios. E sábios são aqueles que têm a capacidade de se comunicar a partir da escuta. O que define sua comunicação é a escuta.

Não devemos ter a pretensão de falar para o público, falar para a opinião pública, para todo mundo. Não existe isso. A gente fala para um indivíduo, para outro indivíduo e outro indivíduo. Esse indivíduo com quem falamos geralmente é aquele que gosta de nós. Existe o hábito dentro do partido, de falar para dentro.

De cada 100 pessoas para quem falamos, apenas 20 estão no modo automático de gostar. Existe também um pessoal que a comunicação não converte. Será contra tudo o que você falar. Cobra não voa, mas está ali o seu antídoto. E tem o terceiro grupo, com quem precisamos falar. Não cabe pensar no caráter dessas pessoas. E sim reconhecer que elas têm interesses, sonhos e desejos, necessidades, preferências, vontades. Se não sei qual é a vontade dessas pessoas, não tenho como me comunicar com elas.

As pessoas vão entender a sua mensagem política pelo seu gesto, pela sua ação, não somente pelo seu discurso. Se você não sabe que o motoboy precisa de um ponto de apoio onda possa fazer xixi e carregar o celular, o que você está falando para ele então? De grandes estatísticas?

Vou trabalhar sempre do presente para o futuro. O passado é muito bom, mas passou. E temos a mania de começar contando aquela história daquele tempo atrás. Isso cansa as pessoas. Tenho de ser concreto. Se eu não for concreto, não consigo enxergar o que está sendo dito. Tenho de ser concreto, de ser claro e parar de entupir as pessoas com informação. As redes sociais estão ensinando isso para a gente. Não é de informação que elas vivem, elas vivem de foco. Do contrário, eu me perco.

Falando sobre a imprensa, vamos sair do lugar de vítima. Notícia tem uma fórmula muito simples: o que for inédito, novo, controvertido, imoral na percepção de quem escreve, o ilegal e o patético. É fundamental a gente saber disso, para sair do lugar de vítima da imprensa e dos comunicadores. Eu sei o que eles querem. Querem uma novidade, uma controvérsia, uma imoralidade, uma ilegalidade, alguma coisa patética. Tudo que é percebido como fora de controle é pauta, tem interesse.

Há um problema básico na comunicação que é a paralisia da análise. A gente acha que tem de saber tudo, todos os detalhes, antes de expressar. Não. A gente expressa, comunica dentro daquilo que a gente sabe naquele momento. Faltou, a gente complementa.

Estamos vivendo um momento gravíssimo da nossa história, que a humanidade nunca viveu, que é o fim da intermediação humana na criação e na disseminação de conteúdos. O gabinete do ódio vai ser fichinha. Como cientistas já alertam em vários lugares do mundo, existe um sistema organizado chamado Inteligência Artificial, que tem a capacidade de criar e disseminar conteúdo. Nos Estados Unidos, empresas de recrutamento já aplicam essa ferramenta com viés de seleção por raça ou geolocalização. Bancos também definem assim suas linhas de crédito, com vários vieses.

Além do impacto no emprego, já discutido aqui, pela primeira vez na história da humanidade vamos interagir com máquinas, sem saber disso. Temos falado muito sobre as fake news, mas o que está vindo aí é muito mais sério: fake humans, seres humanos artificiais.

Quando o STF e o Congresso discutem a responsabilidade das plataformas, estão apenas arranhando a superfície de um problema. Debatem como conter a disseminação de conteúdo criados pelas pessoas. E o conteúdo criado e disseminado por máquinas? Estamos falando de algo que nunca aconteceu na história da humanidade.

Vocês são fundamentais nesse debate. Não adianta a gente ter todos os recursos de comunicação porque a máquina vai fazer tudo isso e muito mais, com muito mais rapidez do que nós. O desafio é garantir que a missão do algoritmo não seja gerar lucro para as Big Techs, não seja gerar vício para o tempo de tela, não seja gerar oportunidade de monetização.

Olga Curado - É jornalista, escritora e consultora de comunicação para lideranças políticas, artistas e empresários. Sua graduação ocorreu na Universidade Federal de Goiás.  Trabalhou no Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo, O Globo e também na TV Globo.  Reconhecida especialista em mídia training, ajudou a preparar ou organizar a comunicação de campanhas de importantes lideranças políticas nacionais, inclusive na última eleição presidencial, assessorando Lula.