45 anos PT


Vou apresentar três tabelas e três questões fundamentais. Situação do governo Lula, observações sobre as eleições municipais e expectativas sobre o futuro da economia. Três tabelas, três observações fundamentais e três recados.

Começando pelo governo Lula, o Datafolha fechado em 8 de outubro mostra 36% de ótimo e bom. Para quem está chegando ao final do segundo ano de mandato, é uma avaliação regular e estável. Nem muito ruim, nem muito boa. Como critério de reeleição, entre 50% e 60% de ótimo e bom se pode considerar condição tranquila para reeleição, ou que caminha para a tranquilidade. Lula tinha 70% de ótimo e bom em 2010, último ano do segundo mandato. Mostrava que a eleição de Dilma seria bastante possível, apesar de ela não ter um passado de disputas eleitorais.

A primeira tabela mostra que entre aqueles que possuem renda familiar de até 2 salários mínimos, 46% apontam ótimo e bom. Se o eleitorado brasileiro fosse todo composto por essa faixa de renda, estaríamos caminhando para uma reeleição tranquila. Mas a tabela mostra que a outra metade é composta de setores intermediários. Somando 751, 180 e 76 vai dar mais de 923.

Tabela 1 - Avaliação do governo Lula por faixas de escolaridade e renda (Datafolha 8/10/24)

Passando aos que recebem entre 2 e 5 salários mínimos de renda familiar, o salto é de quase 20%. Mostra que o apoio ao governo está completamente concentrado nessa base da pirâmide. O resto todo se comporta parecido. Esse setor entre 2 e 5 salários mínimos é um setor enorme também, mas ele está se comportando como os outros setores intermediários.

Vamos considerar que, acima de 10 salários mínimos, aproximadamente, está a classe média tradicional. Reparem, então, que esse setor entre 2 e 5, que é um setor nítido de classe trabalhadora, está se comportando como a classe média tradicional. Portanto, temos uma divisão do Brasil em dois blocos. O bloco da base da pirâmide está com o governo e o outro bloco não está. Essa é a primeira constatação. Se olharmos por escolaridade, vai praticamente reproduzir a mesma coisa. Entre os setores intermediários, quanto maior a renda, maior a oposição ao governo. Escadinha 25, 35, 40 de ruim e péssimo.

Passando à outra tabela, sobre eleições em São Paulo, vemos que em setembro a intenção de voto no Boulos, que reflete o que foi o primeiro turno, não foi ruim. Foi uma boa votação. Mas por que não ganhou no segundo turno? Porque os eleitores do primeiro e do terceiro colocados se uniram. Nunes tirou votos de Boulos na base da pirâmide, que é onde está concentrado o apoio ao governo Lula. Por que ele tirou votos na base da pirâmide? Não é a única explicação, mas me parece a explicação principal: por pragmatismo. O prefeito investiu muito em obras na periferia nos últimos meses e a população queria que essas obras fossem completadas.

Tabela 2 Intenção de voto para a prefeitura de SP 2024 por renda (Datafolha 24 a 26/9/24)

Isso mostra que, embora haja um apoio importante ao governo – e esse apoio tem a ver com o lulismo, que é um fenômeno de médio e longo prazos – esta é uma população pragmática, que pode mudar se sentir que houve perdas. Observem como a votação do Marçal é uma votação em escala: quanto maior a renda, maior a votação. Isso significa que a base da pirâmide, onde Marçal foi bastante mal, não é vulnerável à ideologia da extrema direita. É uma base pragmática.

O setor entre 2 e 5 salários mínimos é vulnerável à extrema direita e à ideologia da extrema direita, que no caso está se confundindo com a ideologia do empreendedorismo. Precisamos ficar atentos a isso. Numes tirou votos na base da pirâmide e Marçal tirou votos nos setores intermediários.

Na última tabela temos a expectativa para a economia nos próximos 12 meses. Aqui acontece o seguinte: temos tido bons resultados na economia, o Brasil está crescendo bastante nas atuais circunstâncias. Mas alguma coisa está acontecendo na percepção das pessoas em relação à economia. O número das pessoas que acham que a economia vai melhorar vem caindo. Aumenta o número das pessoas que pensam o contrário. Se as curvas se mantiverem assim, tendem a se encontrar.

Tabela 3 Expectativa para a economia nos próximos 12 meses (Genial Quaest 25 a 29/09/24)

Ninguém tem resposta clara para isso. Fenômeno muito parecido aconteceu nos Estados Unidos e determinou a derrota de Kamala Harris. O Partido Democrata não sabe o que aconteceu. O único elemento que parece ser comum a todas as análises é o problema da inflação. Os números do governo Biden eram excelentes com relação a crescimento, emprego e renda. Alguma coisa está acontecendo e os números agregados não batem com a percepção do cidadão no seu cotidiano. Lá e aqui, a percepção do cidadão é que a vida continua muito difícil.

Vou concluir com três recados.

  • É preciso ficar atento para os efeitos negativos de eventuais cortes orçamentários junto à base da pirâmide.
  • É importante considerar que o setor de 2 a 5 salários mínimos de renda familiar está em disputa. Ele não está perdido. Há um espaço para a extrema direita, mas há um espaço importante para medidas como isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$5.000 e a luta pela mudança na jornada de trabalho.
  • A reindustrialização pode gerar bons empregos tanto na indústria quanto nos serviços. Abre oportunidades para quem é atualmente empreendedor nessa faixa de 2 a 5 salários mínimos. A reindustrialização possibilita a essas pessoas prosperar mais e num ambiente de justiça social.

André Singer -Graduado em Ciências Sociais e também em Jornalismo pela USP. E é Mestre, Doutor e Professor Livre-Docente no Departamento de Ciência Política dessa universidade. Há décadas se dedica à leitura e interpretação de pesquisas eleitorais.  Foi secretário de redação da Folha de S.Paulo.  Nos dois primeiros mandatos de Lula, foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência da República. Entre seus livros mais conhecidos estão Os sentidos do lulismo (2012) e O lulismo em crise (2018).