Tenho 41 anos e minha vida se confunde com a trajetória do PT. Uma parlamentar que é arquiteta urbanista, mas de origem favelada e periférica. Uma intelectual negra, que hoje dialoga com as mudanças climáticas globais. A primeira mulher secretária de Meio Ambiente da cidade do Rio de Janeiro.
Para que o PT serve? Para ser instrumento das massas que querem ter perspectiva de vida e de futuro. Vejo três categorias que são imperativas para debater: discussão sobre as cidades, discussão sobre o campo e a dimensão da floresta.
A cidade continua sendo o espaço com esse problemão pós-colonial do século 20, de não termos resolvida a questão das periferias e das favelas. Elas continuam sendo espaços de desmonte de direitos e descarte. Inclusive da nossa classe expropriada, a classe trabalhadora. A gente criou e fundou uma perspectiva de trabalho, de trabalhismo, que sequer existe no capitalismo atual. A negação de direitos e a precarização da vida são tão grandes, agravada pela reforma trabalhista e previdenciária, que reforçou o desmonte de direitos. Isso indica o que é para mim a grande fronteira onde devemos investir e priorizar.
Essa luta não está necessariamente na carteira de trabalho formal. Reconstruir o chão de esperança das grandes cidades é um desafio importante. E se a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, foi um grande pacto que abriu caminho para o Bolsa Família, o Fome Zero, apontando que seria possível reconstruir e dar infraestrutura às favelas brasileiras, como aconteceu com o PAC e com o Minha Casa, Minha Vida.
Foi, sim, possível construir um diálogo com os setores produtivos dizendo: queiram construir um Brasil onde a classe trabalhadora se vê e tem esperança. E esse acordo entre todas as classes sociais só foi possível a partir da articulação e da habilidade do PT.
Como André Singer já falou, a gente não está entendendo porque consegue entregar na pauta econômica, consegue estabilizar as contas públicas, reaquecer uma agenda de pleno emprego (que muitos achavam impossível), enquanto a massa precarizada ainda está angustiada e distante de nós. A favela não é simplesmente bolsonarista, ela só está desconfiada sobre nossa capacidade de construir futuras esperanças.
As pessoas sentem que está cada vez mais difícil se aposentar, está cada vez mais difícil acessar serviços públicos. O SUS vive uma grande contradição. Ele será sustentável no longo prazo? As pessoas sentem medo de passarem mal, de ficarem doentes. Quem irá cuidar de mim na velhice? Daqui 40 ou 60 anos, como estarei no meu envelhecimento?
A questão do campo brasileiro dialoga profundamente com a crise climática. Cabe enfrentar a discussão da terra, que os companheiros do MST levantam há tanto tempo. Ainda não nos apropriarmos da discussão central: temos de mirar as terras públicas para garantir a diminuição de fato do preço da comida. É preciso garantir que a cesta básica será garantida à população no curto, médio e longo prazos.
E quero falar aqui dos alimentos vivos: 70% de nossa juventude não consomem comida viva, comida de verdade. Sei que do ponto de vista econômico o agronegócio tem representação importante no nosso PIB. Mas o agro não é pop e está determinado a matar a grande massa trabalhadora da cidade, porque o agronegócio não vende para a gente. Ele mira nas exportações, nos dá os piores alimentos e a gente passa fome na fila do osso, sem conseguir sequer acessar o tomate, acessar uma ora-pro-nóbis, um franguinho cozido.
A próxima grande crise que se avizinha é da soberania alimentar, que dialoga com a carestia dos preços dos alimentos. E principalmente a crise energética. Quem mora nos grandes centros sabe o que é pagar uma conta de luz e isso dialoga com a crise climática dos eventos extremos e a dificuldade de garantir energia limpa e, claro, garantir a tranquilidade dos povos e comunidades tradicionais nas beiras desses rios e lagoas.
Teremos a COP 30 no seio amazônico. Temos de dizer que os povos originários têm uma agenda que prioriza a lógica de alimentar, consumir, de viver e de proteger suas terras e proteger a natureza. Essa trinca campo-cidade-floresta precisa oferecer uma dimensão econômica aos países participantes. Precisamos sim, migrar do diálogo Norte-Sul para Sul-Sul, onde o Brasil consiga ser protagonista.
Mas cabe abordar também a China e a Rota da Seda em pé de igualdade, com nossa própria lógica de desenvolvimento interno. Ou a China vai comprar apenas meia dúzia de toneladas de algodão e eu vou continuar consumindo material industrializado, que polui as nossas lagoas, polui os nossos recursos naturais e a gente sem capacidade de produzir os nossos próprios empregos. É preciso criar empregos!
O Partido dos Trabalhadores precisa ter um discurso que reforce a dimensão do trabalho. Dizer que o problema não é o trabalhador querer trabalhar na 6x1. O problema são vocês que querem trabalhar na 1x6 e acumular capital e a grande riqueza que o Brasil produz e que não vai para o bolso do trabalhador.
Estamos, sim, num patamar de desenvolvimento que nos torna protagonistas de uma outra lógica da geopolítica internacional. Há 40 anos a gente se via como país subdesenvolvido e isso não se sustenta mais à luz da nossa balança comercial, de tudo o que exportamos e também à luz dos super ricos. Que é preciso taxar para fazer uma primeira reparação econômica. Que é uma reparação econômica justa e que demorou muito. E somente o PT teria a coragem política de construir esse debate.
Que a gente faça jornadas pelo país inteiro, dizendo que é nós e eles, sim, e chamando as elites da Faria Lima, fazendo sentar na mesa de negociação sindical, de negociação com o presidente Lula para participar com coerência da reconstrução do Brasil.
Tainá de Paula foi reeleita em 2024 para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, sendo a mulher mais votada no pleito. Arquiteta e urbanista, foi secretária municipal de Meio Ambiente e Clima na gestão Eduardo Paes. Especialista em Patrimonio Cultural pela Fundação Oswaldo Cruz e Mestre em Urbanismo pela UFRJ, é ativista desde muito jovem nas lutas populares por moradia e direitos da mulher, tendo participado da Pastoral das Favelas e diferentes lutas da população nos bairros periféricos.