Natália Bonavides
Sou deputada federal, fui candidata a prefeita de Natal, este ano, acho que sou a única não jornalista aqui, e sim advogada, mas sempre me interessei por essa área. Meu mestrado foi sobre coronelismo eletrônico, que é justamente essa detenção dos meios de comunicação por setores da classe política.
Nossa pergunta é sobre como enfrentar hoje o predomínio da direita e da extrema direita nas redes e como encaminhar a discussão sobre regulação, que está pautada, inclusive a respeito dos períodos eleitorais. Temos de estar na linha de frente na construção dessa regulação, focando em questões como Inteligência Artificial, fake news e algoritmos, mas também retomar os temas que já pautamos com mais visibilidade em nosso programa e acabamos deixando de lado, que é a democratização da mídia.
Falamos hoje cada vez mais da internet e das redes sociais, porém os meios tradicionais de comunicação seguem importando muito. A televisão e o rádio seguem sendo veículos que chegam em muitas casas. Até mencionaria a nossa própria experiência desta campanha para prefeita, em que as pessoas me conheceram, não pelo Whatsapp, Instagram ou Facebook. Foi pelo horário eleitoral, o programa eleitoral.
A regulação é muito desafiadora, como Laura mencionou, porque diz respeito a muitos interesses, econômicos inclusive. Não acredito que ela virá logo, a não ser que a gente traga esse tema como pauta de mobilização. Mas a gente sabe que não pode esperar. Os problemas que enfrentamos hoje não se resolvem apenas com a regulação. O predomínio da direita nas redes passa muito mais pela questão política. Mais do que pelos aspectos jurídicos. Mesmo porque hoje até existem alguns instrumentos legais que podem ser utilizados, servem para alguma coisa.
Cabe abordar três pontos: o que isso tem a ver com o poder econômico; o que tem a ver com aceitar cometer crimes; o que tem a ver com a gente, o que podemos fazer diferente no nosso comunicar.
Hoje a dimensão do problema é bem maior, mas já vem de longe. Em 1989, Lula lidou com fake news, sem esse nome. Teve mentiras veiculadas na Globo, panfletos apócrifos distribuídos na porta das escolas e em outros espaços. Nossa governadora Fátima Bezerra, quando foi candidata nos anos 1990 passou por muito disso. E sempre a classe dominante vai ocupar o poder da comunicação através do poder econômico, como uma das formas de reafirmar seu poder político e disputar hegemonia, inclusive cultural.
Se antes a gente falava do oligopólio dos canais de TV, das famílias que dominavam, sem que esse quadro tenha mudado, hoje temos um adicionado. São as redes sociais que, embora tenham, sim, um lado democratizador, que permite a todos nós falar com um núcleo de pessoas, produzir e receber conteúdos, esse aspecto não impede que os aplicativos de mensagens sejam dominados essencialmente pelo poder econômico.
Assim é que vemos o canal Brasil Paralelo como um dos maiores anunciadores do Google e do Youtube, gastando milhões para que as pessoas recebam anúncios. Todos podem produzir um vídeo e colocar no Youtube, mas se você tem o poder econômico incidindo nessa forma de comunicar, temos uma ampliação e um poder de massificação muito maior. Fazer um gabinete do ódio custa dinheiro. São estruturas que funcionam bem. Eu consigo dizer a hora exata em que eles deram início aos ataques contra mim, no primeiro dia do início do segundo turno em Natal. Além disso, os algoritmos fazem com que determinados conteúdos sejam privilegiados por serem mais lucrativos.
Entre os pontos que ainda devo abordar, lembro que a comunicação em si também pode ser pauta da política. Nesse cenário de oligopólios, a gente sabe qual político manda na rádio tal e na TV tal. E sabe quem é o dono. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o jornal impresso mais antigo é de propriedade do suplente do senador Rogério Marinho. Sabendo dessas vinculações, devemos ter isso como pauta de denúncia, levando as pessoas a pelo menos relativizar a mensagem que recebem. Não estou dizendo que isso vai anular o efeito desses grandes poderes nos processos eleitorais e nos processos políticos. Mas se a gente não faz isso, fica com chances muito pequenas de disputar os sentidos do projeto que estamos propondo.
Na campanha a gente tentou juntar – não dá para dividir, como disse a Laura – o mundo das redes e o mundo real. A gente fazia as caminhadas e lá no final estava nossa equipe do Natzap, perguntando se a pessoa queria participar da lista e fomos montando isso, dentro da lei geral de proteção de dados.
Se a gente não fizer as pessoas realmente sentirem algo, por que elas vão sair de casa para votar ou para participar da campanha? A gente trabalhou muito o conceito de esperança. A direita trabalha muito bem os sentimentos, normalmente relacionados ao medo. O caminho para disputar é o caminho da esperança, não num sentido fofinho e idealista, mas sim no sentido de ter um outro modelo de sociedade possível. Vem com a gente que a gente pode construir.
Cabe lembrar ainda que nem tudo é problema de comunicação. Para não enfrentar alguns debates, dizemos que a comunicação foi malfeita. E na verdade às vezes é um tema muito difícil e que não está sendo acolhido. Assim, em nossa campanha o marketing não tomava decisões que fossem políticas. Esse setor estava sempre conectado porque a comunicação é fundamental. Mas se não tem um conteúdo por trás, que nos conecta com nosso público, a comunicação não resolve.
Precisamos reafirmar o tal do velho trabalho de base. Se estamos lutando contra oligopólios poderosos, não podemos só ficar dependendo deles porque podem mudar o algoritmo e acaba o alcance de nossas postagens. O que vai sobrar se a gente se amarra somente a esses formatos? Basta uma decisão de uma empresa e ficamos sem o instrumento.
A direita também entende assim. Ela predomina nas redes, está nos meios de comunicação e também cuida de estar presente no dia a dia das comunidades. A igreja está lá, até as organizações criminosas estão lá, e muitas vezes ocupando o vácuo que nós deixamos. Por isso, nossa presença cotidiana nas comunidades, nos territórios e nos municípios é fundamental.
Não há fórmula mágica. A gente pode ser governo, ter bons índices econômicos, mas nada vai substituir a nossa presença cotidiana, que é a comunicação no melhor sentido. Você cria canais e a comunicação não é só unilateral. Ela amplia o alcance do nosso projeto.
Natália Bonavides - Deputada federal em segundo mandato, campeã de votos na reeleição, é advogada formada pela UFRN, com Mestrado em Direito Constitucional. Iniciou sua militância no Movimento Estudantil e se elegeu vereadora de Natal em 2016. Disputou a eleição em segundo turno para a Prefeitura dessa capital em 2024. Advogada de movimentos populares defendendo o MST e a população de rua, tem forte atuação nas lutas feministas e na Marcha Mundial das Mulheres, bem como em diversas pautas dos Direitos Humanos. Em seu mandato, prioriza os temas da democratização das comunicações. Integrou a CPMI das Fake News, mantém presença destacada nas redes sociais e defende a urgente regulação das plataformas digitais e seus algoritmos.