Jorge Duarte
Sou presidente de uma entidade que existe há 8 anos e reúne profissionais de comunicação que trabalham, em grande medida, dentro da estrutura do Estado. Vamos falar sobre uma perspectiva que talvez seja um pouco rara para vocês.
Comunicação é o maior problema. Não apenas do PT, é um problema em qualquer lugar. Fiz uma pesquisa, desde o ano passado, e o maior problema em qualquer projeto, de uma ponte, reorganização de uma empresa, instalação de um software, de qualquer coisa, é comunicação.
Comunicação todo mundo faz. Fazer comunicação bem não é fácil. A gente precisa de uma coisa chamada estratégia. Saber onde está e aonde a gente vai. Num governo, se a gente não comunica direito é como se não tivesse feito. Hoje é pior que isso: se a gente comunica mal e perde a narrativa, o que fizemos muito bem-feito, vira malfeito.
Fui buscar um texto do Perseu Abramo, que foi secretário de Comunicação na Prefeitura de São Paulo, na gestão Erundina. Depois de um ano, ele escreveu um texto que segue atualíssimo e recomendo leitura. Escreve coisas assim: “é necessário compreender a sociedade em sua complexidade, reconhecendo as diversas demandas e diferenças econômicas e culturais”.
Para ele, a comunicação pública, meu tema aqui, a comunicação do Estado, “não é apenas um canal de prestação de contas, mas uma ferramenta essencial para fortalecer a relação entre o governo e a sociedade, promovendo transparência, participação e cidadania.”
O Estado brasileiro tem uma dificuldade histórica no sentido de alcançar a população. O brasileiro é o segundo povo, entre 38 nações, com a percepção mais errada da própria realidade. Até 62% dos brasileiros não sabem reconhecer uma notícia falsa. Em 2022, 67% dos jovens admitiram não saber diferenciar fato e opinião. Temos 38 milhões de analfabetos funcionais. Uma pesquisa de 2001 mostrou que 89% dos brasileiros não sabiam o que foi o Holocausto. Numa pesquisa mundial, foi o país que menos conhecia sobre o extermínio de judeus na Segunda Guerra. Pesquisa de 2009 mostrou que 43% dos brasileiros nunca tinham ouvido falar em Diretas Já. Em 2024, uma pesquisa da Reuters apontou metade dos brasileiros evitando ler e ouvir notícias. Entre 19 nações, o brasileiro é o povo mais adepto de discursos populistas, segundo The Guardian.
Isso é sério. É muito difícil fazer comunicação de Estado com uma população tão distante assim. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, de 2017, sobre percepções e valores políticos na periferia de São Paulo, mostrou onde eu quero chegar: insatisfação com a atuação governamental e ceticismo em relação às instituições políticas.
Os resultados indicaram quebra de confiança entre sociedade e governo, refletindo distanciamento das políticas públicas em relação às necessidades e perspectivas da população periférica. A pesquisa mostra confronto, não entre pobres e ricos, capital e trabalho. Confronto é entre Estado e cidadãos, entre sociedade e governantes. Mostra que a relação é marcada por desconfiança, percepção de ineficácia e uma valorização da lógica de mercado.
Nessa pesquisa, o Estado é visto como inimigo e estão presentes os valores de mercado. A relação é atravessada pela demanda por eficiência estatal e estrutural. E eu diria: demanda por melhor comunicação do Estado com a sociedade. O Estado mantém historicamente um distanciamento brutal. Lembro de um evento sobre comunicação em que um petroleiro disse: na comunicação de governo, o que afunda o barco é a água de dentro, não a de fora.
Somando Getúlio Vargas, 1930, que foi um governo autoritário, manipulador, controlador e que usou fartamente a comunicação de Estado para indução e convencimento, e depois tivemos o regime militar, foram 15 anos mais 21 com o governo fazendo a mesma coisa. Isso criou no Estado uma cultura de comunicação que pode ser chamada divulgativa. O Estado só faz divulgar. Não acolhe, não dialoga, não faz diagnóstico, não busca saber, não consegue fazer uma comunicação adaptada à necessidade do cidadão.
A comunicação tem de ser uma verdadeira política de Estado. É a área mais importante de qualquer governo. Governantes espertos sabem disso. Não precisa ter um Ministério da Comunicação, mas precisa fazer como faz um governador, que é assessorado por uma amiga minha. Ele manda qualquer pessoa que lhe apresente uma ideia ou proposta ir falar com a comunicação, como primeiro passo.
Costuma acontecer o contrário. No final do processo, quando está tudo pronto, chamam a comunicação, quando ela tinha de estar dentro de todas as políticas desde o início. Ela precisa ser pensada durante todo o desenvolvimento do processo: como isso será comunicado lá fora, como a comunicação pode ajudar essa política pública, o que fazer para a população se apropriar dessa política.
Lembro bem o caso do Aerolula. Passamos um ano levando o maior cacete da imprensa. Quando o avião já estava chegando da fábrica, pegamos o material e tínhamos argumentos incríveis. Tudo o que foi falado contra não fazia sentido. E nunca falamos nada porque a comunicação nunca foi chamada.
Boa parte da comunicação pública que se produz neste país é autoelogio. O cidadão não quer isso. Se a gente não utilizar os termos do cidadão, não considerar as condições do cidadão, não explicar como aquela política pública é útil para ele, não vai estimular sua participação, envolvimento e contribuição. Seremos vistos como quem está distante da realidade. E a resposta do cidadão é essa da pesquisa citada. Ele odeia o Estado porque o Estado não ajuda, o Estado não conversa, não explica, não orienta.
Nos tempos atuais, fica mais difícil ainda devido à disseminação de fake news e tantos processos que deturpam a realidade. Quero terminar recuperando uma música de Gilberto Gil, chamada Rap, que ele fala assim, muito bonito: o povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe.
Jorge Duarte - Graduado em Jornalismo e em Relações Públicas pela Universidade Católica de Pelotas, tem Mestrado e Doutorado em Comunicação Social pela Unimep – Universidade Metodista de São Paulo. Fez Pós-Doutorado na UnB. Trabalhou na Secom entre 2004 e 2012, coordenando o Programa de Atualização em Comunicação de Governo. Autor de 26 livros, é presidente da Associação Brasileira de Comunicação Pública – ABC Pública. Professor de pós-graduação na PUC-MG e no CEUP-DF, desenvolve atualmente importantes funções na Embrapa.