45 anos PT


Margarida SalomãoQuero saudar a redução da pobreza e da extrema pobreza, anunciada esta semana. Quase 9 milhões de pessoas deixaram a pobreza e mais de 3 milhões deixaram a extrema pobreza de 2022 para 2023, graças ao aquecimento do mercado de trabalho e ao aumento dos benefícios sociais como o Bolsa Família. São avanços inestimáveis que ocorrem quando o PT governa.

Recebi como prefeita um coletivo de pastoras que tratam de uma rede informal de segurança e cuidados para as mulheres. Uma delas contou que, quando pequena, o pai mandava andar de quatro na feira, debaixo das bancadas, para pegar comida. E que agora as pessoas não precisam mais fazer isso graças ao Bolsa Família, que é marca do PT.

A pobreza diminui, mas permanece e segue tendo cor, gênero e endereço. Faço essa afirmação num momento que mostra com rara claridade o antagonismo entre nossa agenda de justiça social e a agenda da austeridade fiscal, eufemisticamente designada como equilíbrio fiscal.

Estamos vivendo um processo de tensão máxima para decidir sobre políticas fiscais que são necessárias, inadiáveis, mas sem sacrificar aquilo que levou à fundação do PT, ao seu crescimento e consolidação. É o problema do conflito distributivo em nosso país.

Em 2021, meu primeiro mandato, tivemos de derrotar no primeiro semestre quatro pedidos de impeachment. Quando somos governo, governamos praticamente sitiados. Não basta ganhar a eleição. Tenho de continuar ganhando todos os dias, todos os meses, num processo infinito de revalidação e legitimação do mandato. As forças conservadoras nos tratam como invasores, como se governar fosse prerrogativa deles. Ao mesmo tempo, temos necessidades imperativas de construir a governabilidade porque quando a gente sai, os direitos sociais recuam, como ocorreu com Temer e Bolsonaro. E o Brasil volta ao mapa da fome. Assim, temos o dever ético de continuar a governar e ganhar a eleição de 2026.

Não escolhemos isso. Essa é a circunstância de quem nada contra a maré. Tivemos agora eleições municipais e não tenho delas uma visão catastrofista. O governo das cidades é um tema que tem de juntar-se às várias questões apresentadas pelo Pochmann. É nas cidades que as pessoas envelhecem, é nas cidades que procuram por saúde. É nas cidades que você vive os episódios climáticos, que levam à desocupação de casas.

É nas cidades que moram, hoje, 87% da população brasileira, segundo o IBGE. Em 2030 serão 91%. Então, é nas cidades que devemos propor e aplicar nossas políticas públicas. Mas os municípios são os primos pobres da Federação. Não só pela distribuição de recursos, mas porque faltam ali a armadura institucional, as ferramentas necessárias para fazer frente à demanda que está lá.

Bolsa Família é uma assinatura da nossa intervenção na história recente no Brasil. Também a ampliação do acesso à Universidade e mudança na composição social do alunado universitário. O Pé de Meia é uma grande sacada. Mas nas cidades precisamos de uma assinatura na área da mobilidade urbana, precisamos reduzir as tarifas, precisamos da tarifa zero para democratizar o acesso ao transporte. Mas sozinho o município não tem dinheiro para isso. Tem de haver uma pactuação federativa, juntando recursos da União, do estado e também do município.

Em Juiz de Fora (MG), com a pequena mudança de colocar ônibus de graça no domingo, mudamos a dinâmica da cidade fortemente. As pessoas dizem: agora a família inteira pode ir à igreja, pode ir até duas vezes por dia. É ótimo. Também pode ir para o campo de futebol, ao parque, andar na rua e ir ao barzinho, pode ir aonde quiser. As pessoas não vivem só para trabalhar e o vale transporte não pode existir só para o trabalho.

Avanços dessas políticas públicas no município representam uma grande chance de reabilitação do Estado como agente social relevante, uma recuperação da confiança das pessoas na política como meio de alterar positivamente suas vidas. Portanto, o êxito das políticas públicas na ponta, hoje, formuladas com participação popular, constitui uma forma de defender a democracia, que corre sérios riscos e está sob ataque no Brasil.

Como linguista, aprendi muito sobre a universalidade da diversidade humana. O mundo possui 7.111 línguas reconhecidas. No Brasil são faladas 230 línguas. Faz parte de nós, do legado da espécie, nascer preparado para aprender a falar e diversificar sua capacidade comunicativa. Uma criança de um ano, num ambiente plurilíngue, como no território indígena, aprende a falar fluentemente duas ou três línguas. Eu pergunto: se temos essa capacidade originária e estrutural de pensar, por que teríamos de ter uma forma única de praticar a participação popular?

É muito importante dialogar com a sociedade organizada, com os sindicatos. Mas é preciso dialogar também com a sociedade que não está organizada ou está organizada de outras formas. Sem preconceitos! Temos de ampliar a nossa capacidade de dialogar com as lideranças populares, comunitárias, religiosas, quase sempre mulheres, e mulheres pretas.

Falei de uma lição de Linguística. Vou encerrar com uma lição da poesia. O grande poeta Murilo Mendes, que eventualmente nasceu em Juiz de Fora, escreveu em 1972 uma coisa que não podemos esquecer: “sem esperança não surge o inesperado.”

Numa sociedade selvagemente capitalista, com uma longa história de injustiça, autoritária e truculenta, a confirmação e alargamento dos direitos sociais é uma flor nascida no asfalto1. E é só esperança. A luta que nasce da esperança pode fazê-la resistir e sobreviver.

Margarida Salomão Prefeita reeleita de Juiz de Fora, tendo sido anteriormente deputada federal, é professora emérita da Universidade Federal dessa cidade, tendo sido a primeira mulher a assumir o papel de Reitora na insti-tuição (1998-2006). Graduou-se em Letras na UFJF, com Mestrado em Linguística pela UFRJ e Doutorado pela Universidade de Berkeley. Entre 1983 e 1988, foi secretária municipal de Administração e de Governo em Juiz de Fora. Também nos anos 1980 foi dirigente da CUT em Minas Gerais. Quando Reitora, foi dirigente da Andifes – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior.