Cultura

Trata-se de uma oportunidade excepcional não só para o cinema, mas para as culturas brasileiras. O orgulho nacional mobilizado pelo cinema pode se estender para todo campo cultural se bem trabalhado

A premiação inédita do filme Ainda estou aqui agitou a cena político-cultural brasileira. A discussão das possíveis repercussões da película, para além da esperada ampliação de seu público no país e mundo afora, invade o cenário nacional. Os protagonistas da película, com destaque Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello, enfatizaram, antes e depois do Oscar, que o prêmio seria não só deles, mas do cinema e da cultura nacionais. Tal atitude, generosa e realista, diz muito acerca das repercussões possíveis da conquista da estatueta.

A cerimônia do Oscar é festa que consagra a hegemonia industrial norte-americana no cinema mundial. Nada causal que a imensa maioria dos premiados: filmes de ficção, documentários, diretores, editores, fotógrafos, roteiristas, designers, figurinistas, maquiadores, músicos, atores, responsáveis por efeitos especiais sejam norte-americanos. Nada casual que existam duas premiações distintas das melhores películas: uma do melhor longa-metragem do ano, quase sempre norte-americano, mesmo que seja uma fita independente como Anora, e outra para o melhor filme estrangeiro, por óbvio, de fora na nação norte-americana. Para o Oscar, o mundo é estrangeiro.

A premiação funciona como legitimação da supremacia do cinema norte-americano no planeta. Ela celebra seu domínio na maior parte das telonas e das telinhas em todo mundo, com raríssimas exceções, como a Índia. Tal dominação tem força para fazer do Oscar uma cerimônia nacional de consagração internacional, apesar de seu tom nacionalista. Nas atuais circunstâncias de ainda unilateralismo no mundo, determinada nação pode se transmutar em universal, que o diga a audiência planetária da celebração.

Considerações necessárias à parte, o Oscar tem status para colocar em cena a discussão do impacto de sua premiação, potencializada no Brasil pela enorme torcida nacional criada pela ampla mobilização, expressa de muitas maneiras, inclusive nas explosões de alegria de multidões em todos os cantos do país em meio ao carnaval. Chamar atenção para o cinema brasileiro em pleno carnaval, festa que busca fugir do difícil cotidiano por alguns dias, emerge como indicador da excepcionalidade da premiação, além de seu acolhimento ativo por parte da população brasileira.

Em tal cenário, as ressonâncias do filme são multifacetadas. Seus desdobramentos no fortalecimento do cinema e do audiovisual no país parecem evidentes. O público, nacional e internacional, deve aumentar, devido a atenção despertada. As políticas audiovisuais podem repercutir tais efeitos e se tornarem mais continuadas, dado que um dos problemas centrais do cinema nacional se chama descontinuidade. Resta saber se os impactos transcenderão a promissora situação atual e se transformarão em atitudes mais perenes, que garantam um novo patamar para o audiovisual no Brasil. O desafio de lidar bem com tais oportunidades surge em toda sua força.

Walter Salles frisou algumas vezes que o filme não aciona apenas o audiovisual, mas a literatura, pois ele se baseou no livro de Marcelo Paiva, e a música, através de sua trilha sonora, que abrigou nomes como Caetano Veloso, Gal Costa, Erasmo Carlos, dentre outros. Ou seja, trata-se de uma oportunidade excepcional não só para o cinema, mas para as culturas brasileiras. O orgulho nacional mobilizado pelo cinema pode se estender para todo campo cultural se bem trabalhado. As repercussões do prêmio do longa-metragem nas culturas brasileiras parecem bastante plausíveis. Cinema e cultura ganham a cena.