Eu vi e ouvi, em meio à inauguração da Casa da Mulher Brasileira (CMB) de Palmas, familiares, irmã e cunhada nos procurarem e, em desespero, pedir para a ministra de Estado das Mulheres, Cida Gonçalves, ajuda para que o criminoso que tentou matar a namorada com machadadas na cabeça fosse preso.
Imediatamente a família obteve apoio jurídico da Defensoria Pública e apoio social e psicológico, tudo isso rapidamente articulado pela ministra Cida e por mim junto aos governos do estado, do município e aos órgãos que compõem a Casa. A família então se tornou a primeira a ser atendida pela CMB de Palmas, simultaneamente ao evento de inauguração.
Quando fomos procuradas, a vítima já estava em coma, condição em que permaneceu por 15 dias, seguida por morte encefálica e, depois, mais tristemente ainda, a morte física. O assassino? Está encarcerado, mas a mulher está morta.
Ouvi de uma vereadora sentada ao meu lado na inauguração de Centro de Referência da Mulher Brasileira de uma bonita e aparentemente pacata cidade no interior do Paraná a informação da ocorrência, nos primeiros dez dias do mês corrente, de quatro tentativas de feminicídio ali mesmo, no município, três delas evitadas com êxito pelos órgãos de rede de enfrentamento à violência de gênero. Porém, em um dos casos a moça estava gravemente ferida e lutando pela vida em um hospital local, devido às pauladas que levou do ex-namorado.
Ouvi de uma mãe desesperada, que literalmente fugiu do Rio de Janeiro para o Distrito Federal em busca de apoio urgente, que o avô e o pai da menina abusavam sexualmente da filhinha dela, de três anos de idade, com a conivência da avó.
Eu li o relato, aliviada, da coordenadora do Ligue 180, de como se havia conseguido salvar uma mulher mantida em cárcere privado no Ceará pelo companheiro que estava ameaçando atear fogo nela. As atendentes do Ligue 180, serviço reconstruído pelo Ministério das Mulheres no atual Governo Federal, conseguiram acionar a polícia local, em parceria com a secretaria das Mulheres e salvá-la.
Eu vi uma jovem mulher negra muito ferida, de mãos dadas com a filhinha, que deveria ter no máximo cinco anos de idade, buscar e obter atendimento na Defensoria Pública da Casa da Mulher Brasileira de Teresina, um dia antes da inauguração. Nós estávamos ainda em uma reunião de gestoras, em meio aos preparativos do evento inaugural, quando essa jovem chegou solicitando hospedagem para abrigamento sigiloso, com medo de voltar para casa e morrer. Ela conseguiu o apoio que precisava e está viva.
E vimos o pedido de ajuda de uma mãe de menina, solicitando apoio para o cumprimento da legislação que garante acesso ao aborto permitido em lei em caso de gravidez resultante de estupro, porque o pai da menina violentada não queria que ela interrompesse a gravidez, fruto de um estupro cometido por um “amigo” dele!
E ouvimos relatos de lideranças, vereadoras, prefeitas, deputadas, senadoras e até de governadoras sobre o escárnio, fakenews e tentativas de destruição de suas respectivas imagens e trajetórias públicas em desleais disputas eleitorais, seja por meio de inteligência artificial, seja por meio de gravações, agressões verbais ou assédio moral.
Recebemos a exigência de que o Ministério das Mulheres acompanhasse o processo de apuração do feminicídio lesbofóbico de uma jovem, que teve a pele do rosto, olhos e couro cabeludo arrancados em uma cidade do Nordeste.
Eu ouvi a solicitação de uma entidade nacional de defesa das pessoas LGBTQIA+ de que olhássemos com sensibilidade e acompanhássemos o assassinato a tiros de uma mulher transexual em Minas Gerais, porque havia a desconfiança de que a própria família havia encomendado a morte dela, por não aceitar sua orientação sexual.
Eu recebi, junto com a Ministra Cida Gonçalves, a família, de uma cicloativista venezuelana clamando por justiça, e posteriormente visitei a cidade e o local do feminicídio. Ela sofreu violência sexual, foi queimada, assassinada e enterrada por um casal no estado do Amazonas. Porém, o hediondo crime está sendo tratado como latrocínio, ou seja, roubo seguido de morte, e não como feminicídio, o verdadeiro enquadramento jurídico que deveria receber, segundo todas as evidências materiais e testemunhos apontam.
Eu li o relato desesperado e o pedido de ajuda de uma brasileira que está em Portugal, cujo marido português, por ela ter pedido a separação, começou a praticar violências psicológicas e a enganou, alegando que levaria a filhinha do casal para visitar a avó materna e nunca mais trouxe a bebê. O pai tomou essa atitude violenta, unilateral e arbitrária para que mãe brasileira não saia de Portugal, pois ele sabe que a mãe jamais iria embora sem a filhinha e, como consequência, ela atualmente está hospedada em um abrigo para mulheres em situação de violência lá em Portugal, lutando judicialmente para a recuperar a bebê que, inclusive, ela amamentava.
Quando recuperar a bebê, ela ainda vai precisar da autorização do pai da criança para sair do país, porque a interpretação dada a Convenção de Haia não tem considerado a vulnerabilidade e desigualdade de gênero, nem a violência doméstica nas decisões sobre o direito de guarda das crianças.
Eu li o pedido de socorro – me desculpem, mas a palavra é socorro mesmo – do movimento de mulheres e das feministas do Rio Grande do Sul, devido ao fato de terem ocorrido dez feminicídios no prazo de dez dias. Eu poderia escrever os detalhes sórdidos da tortura empregada especialmente em um dos crimes, em que o assassino matou também a filhinha da vítima, mas opto por não detalhar, pois feminicídio já é sinônimo de crueldade e crime hediondo.
E veio também do Sul de nosso país a informação dramática sobre o feminicídio de uma adolescente indígena, assassinada a facadas, porque não quis se relacionar com um homem branco de 67 anos que, segundo relatos, a assediava e perseguia havia meses! “Ela não teve chance sequer de chegar no hospital. Ela só teve a chance de dar dois gritos de socorro, um pedindo para ele parar de esfaqueá-la e outro de dor”, relatou uma testemunha.
Eu e muitas pessoas, ativistas ou não, entidades da sociedade civil e gestoras que cotidianamente trabalham no combate à violência e na defesa da vida das mulheres, poderíamos contar mais centenas de casos para quem nos lê.
E por que os narro? Para que as pessoas saibam exatamente da gravidade do que estamos falando e também da importância das ações, projetos e programas adotados como prioridades do Ministério das Mulheres, no seio da Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (Senev).
E o que o Ministério das Mulheres está fazendo para enfrentar todas essas violências contra as meninas e mulheres?
Inicialmente, é importante ressaltar que o presidente Lula e a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, reativaram, já em março de 2023, o Programa Mulher Viver Sem Violência, que havia sido lançado em 2013 pela presidenta Dilma, mas foi extinto pelos governos que antecederam o terceiro governo do presidente Lula.
O programa prevê a diversas ações, entre elas a implementação das Casas da Mulher Brasileira. As Casas garantem atendimento interdisciplinar, inclusive hospedagem emergencial, e possuem todos os serviços públicos previstos na Lei 11.340/2006, a lei Maria da Penha. Pretendemos entregar até o final de 2026, 40 novas Casas.
O fluxo médio de atendimento em uma Casa é de mil ao mês. Temos certeza de que eles têm evitado a ocorrência de mais feminicídios, que poderiam vir a engrossar os trágicos indicadores deste hediondo crime em nosso país.
Como parte do Programa Mulher Viver Sem Violência, estamos também implementando os Centros de Referência da Mulher Brasileira (CRMBs) em cidades do interior, que, articulados com as patrulhas Maria da Penha, têm feito a diferença entre a vida ou a morte de muitas mulheres. Investimos também em três editais de equipagens de Centros de Referência, formação em enfrentamento à violência por entidades da sociedade civil e implementação de tornozeleiras articuladas a dispositivos eletrônicos de monitoramento policial de agressores enquadrados na Lei Maria da Penha.
O investimento por meio do Fundo Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com o Ministério das Mulheres, nas Casas da Mulher Brasileira, totaliza R$ 476,7 milhões – incluindo manutenção – e o total de Investimentos em ações de enfrentamento à violência contra mulheres, desde janeiro de 2023, foi de R$ 535,6 milhões.
Breve resumo de outras ações do MM no combate à violência
Sistema digital unificado de dados – Uma demanda antiga e esperada pelas gestoras de todo o Brasil era a elaboração e implementação de um sistema de unificação de dados dos atendimentos realizados. E conseguimos, pela Dataprev, em parceria com o Ministério das Mulheres, o UNA, que é um sistema integrado de dados para as Casas da Mulher Brasileira. Por intermédio do UNA, todas as CMB’s passam a estar ligadas digitalmente entre si, compartilhando informações das ocorrências, do atendimento prestado às vítimas e a fase em que os acompanhamentos se encontram. O piloto foi implementado nas Casas da Mulher Brasileira de São Luís (MA), Teresina (PI) e Palmas (TO) e tem a meta de expansão para todas as unidades até o final de
2025.
O novo sistema evitará revitimização das mulheres – que não precisarão repetir detalhes sobre suas histórias, uma vez que os arquivos digitais integrados darão conta dessa tarefa – e vai permitir que os atendimentos tenham mais qualidade e abrangência, municiando profissionais que prestam os serviços, em todas as especialidades ou etapas, para que tenham visão ampla do histórico das mulheres e suas necessidades.
O Sistema UNA, por essas características, assemelha-se aos projetos do Sistema Único de Segurança Pública e do SUS Digital.
Central de Atendimento à Mulher Ligue 180 - fizemos a licitação e contratamos um novo e mais adequado serviço, estamos realizando a capacitação permanente das atendentes, lançamos o painel digital interativo, disponibilizando para acesso público quais são os serviços, em cada cidade, da rede de enfrentamento a violência de gênero em nível nacional.
Deflagramos campanhas de conscientização que geraram, durante o ano de 2024, um crescimento de 15,2% no número de denúncias. As vítimas foram orientadas e encaminhadas aos serviços mais adequados, além das notificações compulsórias geradas pelas queixas registradas, que são monitoradas e acompanhadas, certamente prevenindo e evitando sofrimento psicológico, físico e a morte de muitas mulheres. Ao todo, 573.131 violações de direitos das mulheres foram reportadas ao Ligue 180 em 2024. O número de denúncias feitas à Central Ligue 180 passou de 114.626, em 2023, para 132.084, em 2024. Desse total, 83.612 foram realizadas pela própria vítima, 48.316 realizadas por terceiros e 156 pelo próprio agressor, tentando inverter a situação.
É necessário reportar que o Ligue 180 havia sido praticamente destroçado no governo anterior. O serviço fora juntado ao Disque 100, concentrando num único canal denúncias várias, diversas, sobre os mais díspares objetos e situações. Somado a isso, equipes e equipamentos foram reduzidas ou sucateados.
Em parceria com a Universidade de Brasília (UnB),o Ministério das Mulheres implementou um Termo de Execução Descentralizada (TED) para a qualificação da Central de Atendimento à Mulher Ligue 180, buscando torná-la mais especializada e eficaz.
Mulheres indígenas – em relação ao avanço de políticas especificas´para mulheres indígenas, o Ministério das Mulheres, tem feito um debate histórico quanto ao enfrentamento à violência contra essa população. Neste viés, apresentou a proposta de construção e implementação das Casas da Mulher Indígena (CAMIs). Inicialmente será implementada uma por bioma, em diálogo e como resposta à pauta da Marcha Nacional das Mulheres Indígenas.
Conjuntamente com o processo de implementação das CAMIs, estamos realizando a consulta pública e diálogo com os territórios acerca das Diretrizes Nacionais para a Política de Prevenção à Violência contra Mulheres Indígenas.
O Ministério das Mulheres tem realizado o alinhamento do fluxo de denúncias recebidas pelas ouvidorias da Funai e do Ministério dos Povos Indígenas e pelo Ligue 180, bem como as tratativas para ampliação da cobertura do serviço do próprio Ligue 180 nos territórios indígenas.
Também está em andamento a construção de fluxos e protocolos de atendimento a mulheres indígenas em situação de violência nas Casas da Mulher Brasileira, com contratação de intérpretes e tradutoras indígenas para< o acolhimento e garantia de direitos das mulheres indígenas.
Em maio de 2025 está programado o lançamento do concurso para a apresentação do projeto arquitetônico das Casas das Mulheres Indígenas.
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo - Em diálogo com a Marcha das Margaridas e diversas entidades da área, implementamos o Fórum Nacional Permanente de Enfrentamento à Violência contra as mulheres do Campo, da Floresta e das Águas, articulando a retomada das unidades móveis terrestres e aquáticas. Realizamos ainda, em março de 2025, o I Seminário do Fórum ,para conhecer e responder melhor as demandas por políticas públicas específicas, pois há dificuldade de acesso aos serviços da rede de enfrentamento àviolência de gênero que estão mais centralizados nas regiões urbanas.
Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios - Coordenamos a construção e implementação do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios instituído pelo Decreto nº 11.640, de 16 de agosto de 2023, com o objetivo de prevenir todas as formas de discriminação, misoginia e violências de gênero contra as mulheres por meio de ações governamentais intersetoriais com perspectiva de gênero e suas interseccionalidades.
O Plano de Ações do Pacto foi lançado em 19 de março de 2024 e conta com 73 ações, totalizando um investimento de R$ 2,5 bilhões (2024-2026). As ações são distribuídas em ações exclusivas (implementadas diretamente pelo Ministério das Mulheres) e ações não exclusivas (ações transversais interministeriais de 9 ministérios que impactarão direta e indiretamente a vida das mulheres).
Para esse objetivo foram realizadas diversas ações no âmbito do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, como a revisão do Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio (PNPF), a realização de reuniões do Comitê Gestor do PNPF, a assinatura do Decreto de Criação do Pacto, a instalação do Comitê Gestor, a elaboração publicação do Regimento interno do Pacto e o lançamento do seu Plano de Ações. Somado a essa iniciativa, realizamos também, em março de 2025, o I Seminário de Metodologia dos Planos Estaduais de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres para potencializar a elaboração e integração de ambas demandas.
A Mobilização Nacional pelo Feminicídio Zero – Nenhuma Violência Contra a Mulher Deve Ser Tolerada, iniciativa liderada pela ministra das mulheres Cida Gonçalves, foi realizada em diferentes partidas do Campeonato Brasileiro de Futebol e conscientizou mais de cem instituições, especialmente torcedores e jogadores de vários times. A mobilização ocupou as ruas e telões do Sambódromo no Carnaval do Rio de Janeiro, incentivando a população a romper com a naturalização das situações de violações e misoginia, apoiando as mulheres em situação de violência a buscarem atendimento especializado
Regulamentação de leis – Diversas leis foram e serão aprovadas no Congresso Nacional sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres, e cabe ao ministério das Mulheres, na maioria dos casos em parceria com outros ministérios, a regulamentação. Destacamos aqui apenas algumas.
Protagonizamos o processo de regulamentação da Lei nº 14.717/2023, que institui pensão especial para filhos e dependentes crianças ou adolescentes, órfãos em razão do crime de feminicídio, cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferio a 1/4 do salário mínimo. Foram muitas reuniões e alterações, e atualmente, além do Ministério das Mulheres, os seguintes ministérios já assinaram: Desenvolvimento Social, Justiça e Segurança Pública, Direitos Humanos e Cidadania e Previdência Social.
Recentemente, estão em curso também as regulamentações do Auxílio-Aluguel e do Protocolo Não é Não.•
Enfrentamento ao tráfico de mulheres – o Ministério das Mulheres participa do Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conatrap), instituído pelo Decreto nº 7.901/2013 e atualmente regido pelo Decreto nº 9.833/2019. O Conatrap, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, tem a missão de articular a atuação dos órgãos e entidades públicas e privadas no enfrentamento ao tráfico de pessoas.
Em 2023, o Comitê retomou seus trabalhos, com a discussão e proposição de um novo fluxo de acolhimento à vítima de tráfico humano no exterior, consolidando um novo protocolo de pós-resgate.
Com assento no Conatrap, o Ministério das Mulheres contribuiu com a elaboração e validação do novo fluxo de atendimento às vítimas, garantindo a presença dos Organismos de Políticas para as Mulheres (OPM’s, nome dado às secretarias estaduais e municipais de mulheres) no fluxo de acolhimento e repatriamento.
Impactos - É inegável que, logo após a sanção da Lei Maria da Penha, em 2006, que gerou a exigência da implementação de uma rede de serviços especializados no atendimento das mulheres para o enfrentamento à violência de gênero, houve uma redução nos homicídios de mulheres.
Segundo pesquisa divulgada pela Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), estimativas apontam uma redução nos homicídios femininos que variam de 10% a 35%, dependendo da especificação utilizada. Todos os métodos utilizados pela pesquisa evidenciam o impacto da Lei Maria da Penha no combate à violência contra mulher 1.
Porém, a partir de 2016, com reflexos que pairam até este momento, o Brasil enfrentou uma conjuntura política que modificou fortemente as relações sociais de gênero, a começar pela injusta cassação da presidenta Dilma Rousseff, que gerou uma situação de grandes retrocessos, como a conspiração judicial que levou à prisão o presidente Lula e à facilitação da eleição de Bolsonaro. E, no meio do caminho, uma pandemia.
A precariedade das condições de vida e de trabalho aumentou, e o ódio às mulheres, na vida e nas redes sociais, foi avalizado e até estimulado por autoridades públicas em passado recente . E, embora não esteja mais no centro do poder Executivo, continua a sê-lo por expoentes da extrema direita. Junto às redes sociais, a inteligência artificial invadiu a sala da nossa casa e sites misóginos monetizados se proliferaram. O Brasil hoje é outro.
Para enfrentar esse quadro de retrocesso civilizacional, a prevenção mais eficaz contra a violência de gênero é a mudança de mentalidade por meio da educação, em casa, na famíla, nas escolas, nas universidades, no trabalho, nos espaços religiosos e nos espaços de cultura e lazer. Tal mudança, como todas as que romperam um estado de coisas tidas como naturais ou permanentes – a exemplo da fome, do desemprego, da baixa escolaridade, da alta concentração de renda, da submissão das mulheres, entre outras – é precedida de lutas sociais organizadas, que gerem políticas públicas e mudanças estruturais. A repressão judicial, isoladamente, não bastará.
O Raseam 2025 (Relatório Anual Socioeconômico da Mulher), que analisou dados do ano anterior, indicou que, segundo os dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, entre os anos de 2015 e 2024 foram registradas 11.650 ocorrências de feminicídios e 29.659 ocorrências de homicídio doloso e lesão corporal seguidas de morte de mulheres no Brasil. Esses números somam 41.309 casos de mortes violentas no período.
Já em 2023, foram 1.438 casos de feminicídio e 2.707 casos de homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte de mulheres. E em 2024, foram 1.450 femicídios e 2.485 homicídios dolosos e lesões corporais seguidas de morte. O que nos faz pensar se essa redução de cerca de 5,07% de violência letal seria o início dos impactos positivos das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Articulação internacional em defesa das mulheres – O Ministério das Mulheres também estreitou laços com importantes organizações internacionais que tratam de direitos humanos, igualdade e empoderamento feminino, atuando em diversos programas e projetos conjuntos com essas entidades, a fim de aprimora as políticas públicas no Brasil e fortalecer os direitos das mulheres no país. A atuação acontece, entre outras ações, em espaços como ONU Mulheres, Fórum Internacional sobre Feminismo e Direitos Humanos, prepativos para a COP (Conferência das Partes), monitoramento e prestação de contas sobre a CEDAW -Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres.E na RMAAM – Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher no Mercosul e ainda no G20, onde pela primeira vez foi criado - sob a presidência do governo brasileiro – o Grupo de Trabalho de Empoderamento das Mulheres.
Autonomia econômica – a conquista da autonomia econômica é instrumento e ao mesmo tempo reflexo da superação das situações da desigualdades. Neste sentido, o Ministério das Mulheres constrói políticas transversais para a conquista dessa autonomia.
Avançamos com o Decreto 11.430/2023 que determina que no mínimo 8% das vagas de emprego sejam destinadas a mulheres em situação de violência nas contratações públicas terceirizadas. Em parceria com o Ministério da Gestão e da Inovação na condução deste processo, já são 17 estados que firmaram os Acordos de Cooperação Técnica, ampliando a inclusão socioeconômica das mulheres.
Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios confirmaram os desafios da desigualdade salarial, agora fundamentados em dados oficiais. A Secretaria Nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego, elaborou e apresentou 79 ações por meio do Plano Nacional de Igualdade Salarial e Laboral, orientadas para eliminar práticas discriminatórias de gênero, raça, deficiência e etarismo, garantindo a continuidade das mulheres no mercado de trabalho. E Implementaram a 7ª edição do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, com a adesão de mais de 100 empresas comprometidas com a eliminação das barreiras que restringem a participação plena das mulheres. A lei que institui a Política Nacional de Cuidados – em articulação com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome marcou a primeira estruturação federal de políticas que promovem o compartilhamento das responsabilidades de cuidado, beneficiando tanto quem precisa quanto quem cuida e reduzindo a sobrecarga do trabalho doméstico.
A autonomia econômica e a capacitação profissional foram fortalecidas por meio de fóruns de diálogo com importantes categorias, contribuindo para a formulação de políticas públicas adequadas a cada realidade.
O terceiro relatório de transparência salarial, divulgado em abril de 2025, mostrou que, apesar da persistência das desigualdades salariais, aumentou o número de empresas em que a diferença é de até 5% nos salários médios. Houve também a contratação de mais mulheres negras e indígenas.
Participação Política – Por meio do trabalho da Secretaria Nacional de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política, investimos na ampliação da participação feminina em espaços de decisão, com iniciativas que formam gestoras e líderes e enfrentam a sub-representação das mulheres, sobretudo das feminidades historicamente marginalizadas, reforçando as Secretarias de Políticas para Mulheres em todo o país, inclusive por meio de editais para sua equipagem e estruturação.
Para suprir lacuna aberta desde 016, o Ministério das Mulheres organizou politicamente a esperada V Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, construída e coordenada junto com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. A V Conferência, possibilitará de forma inovadora e participativa, a realização de conferências livres – além das tradicionais e importantes conferências municipais e estaduais -, possibilitando que mulheres de várias especificidades e distâncias, com mais dificuldade de acesso aos espaços políticos, participem e se elejam delegadas.
Obviamente por eu estar na pasta de enfrentamento à violência contra as mulheres, a centralidade deste artigo que me foi encomendado tratou desse tema, porém, há muito que falar, escrever, contar e debater por parte das áreas da autonomia econômica e da articulação institucional, o que oportunamente será feito pelas titulares dessas pastas.
Por fim, encerro com as palavras da nossa ministra das Mulheres, Cida Gonçalves: “Embora os desafios sejam muitos, estamos construindo políticas cada vez mais efetivas, alinhadas à diversidade e às necessidades regionais das mulheres brasileiras. E reafirmamos nosso compromisso com a superação dos desafios persistentes e a busca pela melhoria contínua das políticas públicas, visando garantir um futuro justo e igualitário para todas as mulheres”.
Saudações a quem tem coragem.
Denise Motta Dau é assistente social e Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Ministério das Mulheres.
1 AZZUAGA, Feliciano e SAMPAIO, Breno, “Violência Contra Mulher: O Impacto da Lei Maria da Penha sobre o Feminicídio no Brasil”. Anpec, 2017. Encontrado em http://bit.ly/44oLJor