Política

Os limites da aplicação prática e a reinterpretação gramsciana no Socialismo Petista. O partido defende a construção do socialismo a partir da interpretação gramsciana da teoria de Marx e Engels — o chamado Socialismo Petista, como podemos observar no documento publicado em 2007

Esta resenha crítica irá abordar o texto “Manifesto do Partido Comunista”, de autoria do filósofo alemão e teórico político Karl Marx e do teórico político e estudioso Friedrich Engels. Originalmente, a publicação foi lançada em fevereiro de 1848, em alemão, na cidade de Londres. A obra que iremos abordar foi publicada em diversos idiomas e datas, mostrando sua atemporalidade e como “um espectro ronda a Europa” (MARX; ENGELS, 1848). Não apenas a Europa, mas todo o mundo.

A versão da obra que será discutida é uma tradução em língua portuguesa, realizada em 1997 pelo editorial Avante!, em Lisboa, Portugal, e a versão traduzida por Edmilson Costa, publicada pela editora Edipro em 2015.

O Manifesto e o contexto histórico

No texto, os autores escrevem uma das mais importantes e famosas frases para o marxismo até os dias de hoje: “Um espectro ronda a Europa — o espectro do comunismo. Todos os poderes da velha Europa unem-se em uma santa aliança para conjurá-lo: o Papa e o Czar, Metternich e Guizot, radicais franceses e polícias alemãs” (MARX; ENGELS, 1848, p. 14).

Ao analisar a obra, é importante levar em consideração seu contexto histórico. Durante o século 19, a Europa e todo o mundo testemunhavam a Revolução Industrial, que culminou em profundas mudanças e transformações que alteraram a economia e a indústria.

Burgueses, proletários e a luta de classes

Durante o Manifesto, encomendado pela Liga dos Comunistas - primeira organização proletária que atuou com base nos princípios do comunismo científico e predecessora da Primeira Internacional (marxists.org 2025) - os autores classificam importantes conceitos utilizados na atualidade, não somente pelos marxistas ou partidos de esquerda ao redor do mundo, mas também na teoria política em geral.

Entre esses conceitos, destacam-se a diferenciação entre burgueses e proletários, que dá sustentação ao conceito de luta de classes e à relação entre a burguesia - considerada por Marx e Engels como classe dominante - e o proletariado, a classe trabalhadora, portanto, dominada no sistema capitalista.

A posição dos comunistas

Já na segunda parte do Manifesto, Marx e Engels (1848) definem a posição entre os proletários e comunistas, afirmando que “os comunistas não formam um partido à parte dos outros partidos da classe trabalhadora” e que não há distinção entre os interesses dos comunistas e proletários, mas sim na atuação do Partido Comunista, que se diferencia dos demais pela ação e pelo método da luta - o que permanece relevante até os dias de hoje.

No mesmo capítulo, os autores fazem uma importante observação em relação à Revolução Francesa e à propriedade privada, afirmando que:

A Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal a favor da burguesa. O que distingue o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa. A moderna propriedade privada burguesa é a expressão última e mais consumada da geração e apropriação dos produtos que repousam em oposições de classes, na exploração de umas pelas outras. Neste sentido, os comunistas podem condensar a sua teoria numa única expressão: supressão [Aufhebung] da propriedade privada.” (MARX; ENGELS, 1848)

Propostas do Manifesto

Nessa seção, Marx e Engels delineiam os princípios fundamentais do comunismo, muitos dos quais ainda ecoam em debates políticos atuais:

  • A expropriação da propriedade fundiária e o emprego das rendas fundiárias para despesas do Estado;

  • Um pesado imposto progressivo;

  • A abolição do direito de herança;

  • A centralização do crédito nas mãos do Estado, por meio de um banco nacional com capital estatal e monopólio exclusivo;

  • A multiplicação das fábricas nacionais, dos instrumentos de produção, arroteamento e melhoramento dos terrenos de acordo com um plano comunitário;

  • A educação pública e gratuita para todas as crianças;

  • A eliminação do trabalho infantil nas fábricas em sua forma hodierna;

  • A unificação da educação com a produção material, entre outros conceitos fundamentais para a doutrina (MARX; ENGELS, 1848).

Essas medidas seriam viáveis em economias globalizadas? Como os regimes socialistas do século 20 lidaram com essas diretrizes?

Correntes do socialismo e alianças políticas

Nos demais capítulos, o Manifesto aborda temas como a literatura socialista e comunista, incluindo o socialismo reacionário, socialismo feudal, socialismo pequeno-burguês, socialismo alemão, socialismo conservador ou burguês, e o comunismo crítico-utópico. Por fim, trata da posição dos comunistas frente aos diversos partidos oposicionistas.

A teoria e sua aplicação prática: Lênin, URSS e os limites da transição

Ao compreender o Manifesto do Partido Comunista (MARX; ENGELS, 1848), podemos observar que, ao longo dos anos, a teoria elaborada por Marx e Engels não foi aplicada exatamente da forma como os teóricos previam.

Em uma de suas obras, O Estado e a Revolução (1917), o revolucionário soviético Lênin argumenta que o Estado burguês deve ser destruído e substituído por um Estado proletário transitório, que permita a construção do socialismo. No entanto, a prática soviética subsequente - com a centralização do poder no Partido Comunista e a repressão política - divergiu do ideal de uma “ditadura do proletariado” democrática e autêntica proposto por Marx e Engels.

Atualidade da obra e críticas contemporâneas

Entretanto, como observado pelo biógrafo José Paulo Netto, em entrevista à coluna de cultura do jornal O Globo, as obras de Karl Marx, como O Capital (1867), são “um clássico que não cessa de provocar, de estimular” (GABRIEL, 2025), mostrando que as obras do principal teórico comunista ainda são atuais. Contudo, na prática, precisam ser adaptadas à realidade de cada continente, país, cultura e sociedade.

Gramsci e a adaptação da teoria revolucionária

Antonio Gramsci (1891-1937), filósofo marxista italiano, desenvolveu conceitos fundamentais para entender a dinâmica do poder e da transformação social. Após ser preso em 1927, quando Benito Mussolini - um dos fundadores do fascismo - já se encontrava no poder como primeiro-ministro da Itália (1922-1943), Gramsci defendeu a adaptação do modelo marxista-leninista. Utilizou o conceito de “revolução passiva” para que o socialismo fosse construído sem rupturas abruptas e violentas, como ocorreu na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Gramsci também propôs a adaptação da teoria revolucionária às especificidades nacionais e culturais, evitando a simples imitação de modelos estrangeiros sugeridos no Manifesto. Além disso, compreendia o papel do partido como instrumento de vanguarda (VERMELHO, 2011), bem como o papel da sociedade civil - composta por instituições como escolas, igrejas e sindicatos - na formação da consciência de classe e na construção da hegemonia proletária.

O Manifesto e o Brasil: a proposta do PT

Seguindo a linha de Gramsci e analisando a teoria e aplicação do marxismo-leninismo e dos fundamentos do Manifesto do Partido Comunista em países que não vivenciaram revoluções como a da extinta URSS, no Brasil podemos observar a plataforma partidária do Partido dos Trabalhadores (PT). Este defende a construção do socialismo a partir da interpretação gramsciana da teoria de Marx e Engels - o chamado Socialismo Petista, como podemos observar no documento publicado em 2007 para o 3° Congresso do PT:

Diferentemente de muitas vertentes hegemônicas no século 20, o socialismo petista não tem uma matriz política ou filosófica única, abrigando ampla pluralidade ideológica no campo da esquerda. Associa a luta contra a exploração econômica ao combate a todas as manifestações de opressão que permeiam as sociedades capitalistas e que - segundo mostrou a experiência histórica - persistiram, e até mesmo se aprofundaram - nas sociedades ditas socialistas. Por ser libertário, o socialismo petista se insurge contra todas as formas de discriminação de gênero, étnica, religiosa e/ou ideológica, em relação aos portadores de deficiência, às orientações sexuais, às preferências artísticas, aos jovens e aos velhos, enfim, às diferenças que marcam as sociedades humanas. Para o socialismo petista a democracia não é apenas um instrumento de consecução da vontade geral, da soberania popular. Ela é também um fim, um objetivo e um valor permanente de nossa ação política. O socialismo petista é radicalmente democrático por que exige a socialização da política. Isso implica na extensão da democracia a todos e na articulação das liberdades políticas - individuais e coletivas - com os direitos econômicos e sociais. (...) O socialismo petista articulará a construção nacional - que na maioria dos países da periferia do capitalismo ainda é um processo inconcluso - com uma perspectiva internacionalista. As relações internacionais devem passar por um radical processo de mudanças. Necessitamos de um mundo multilateral e multipolar, que reduza as assimetrias econômicas e sociais e não esteja submetido à hegemonia de grandes potências. Queremos um mundo democrático, onde a paz seja um compromisso das nações, um mundo sem fome, enfermidades, crianças abandonadas, homens e mulheres desprovidos de perspectivas e de esperança. Lutaremos pela construção de uma solidariedade continental, com ênfase na América do Sul, capaz de alterar a atual correlação de forças internacional. Composto de muitos sujeitos, o socialismo petista tem nos trabalhadores sua referência fundamental. Ele é um processo de sucessivas conquistas econômicas, sociais, políticas e culturais que abrem caminho para novas conquistas. É um caminho que se renova e se amplia à medida que o percorremos. Pode contemplar momentos de rupturas, mas se faz também no dia a dia. Não descuida do presente, mas tem seus olhos postos no futuro. Mas esse futuro não é um porto de chegada ou uma fortaleza a ser conquistada. É antes uma construção histórica.” (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2007, p. 6–9)

Considerações finais

Portanto, levando em consideração a crítica de Gramsci e os métodos de aplicação da teoria, como os propostos pelo Partido dos Trabalhadores, podemos considerar que o Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, continua sendo uma teoria válida e fundamental. No entanto, nota-se em sua obra uma ausência de diretrizes práticas sobre como se daria a construção do socialismo e do comunismo, especialmente em países fora do contexto europeu.

A atualidade do Manifesto do Partido Comunista reside não apenas em sua análise estrutural do capitalismo e da luta de classes, mas também na inspiração que oferece para projetos políticos contemporâneos. Apesar de lacunas práticas, sua potência teórica permanece incontestável, sobretudo quando atualizada por intelectuais como Gramsci e por partidos como o PT, que buscam adaptar a luta socialista às realidades locais e democráticas.

Arthur Gimenes Prado é estudante de Administração Pública na Unesp Araraquara/SP, presidente do COMJUVE e militante da Juventude do PT e Coletivo ParaTodos.

Referências

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1848. Tradução de Edmilson Costa. São Paulo: Edipro, 2015.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. [S.l.]: Marxists Internet Archive, 1848. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/index.htm. Acesso em: 2 jun. 2025.

PARTIDO DOS TRABALHADORES. Caderno de Teses – 3º Congresso do PT. São Paulo: PT, 2007.

GRAMSCI, Antonio. Gramsci nos Cadernos do Cárcere: Sobre o Partido. Tradução de José Reinaldo Carvalho. Vermelho.org.br, 21 jan. 2011. Disponível em: https://vermelho.org.br/2011/01/21/gramsci-nos-cadernos-do-carcere-sobre-o-partido/. Acesso em: 2 jun. 2025.

MACEDO, Sandro. Teórico marxista Antonio Gramsci jogou novas luzes sobre o socialismo. Acervo O Globo, 16 abr. 2017. Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/teorico-marxista-antonio-gramsci-jogou-novas-luzes-sobre-socialismo-21215398. Acesso em: 2 jun. 2025.

GABRIEL, Ruan de Sousa. 'O capital' volta às livrarias e prova que o espectro de Marx ainda nos ronda; entenda. O Globo, 28 maio 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2025/05/28/o-capital-volta-as-livrarias-e-prova-que-o-espectro-de-marx-ainda-nos-ronda-entenda.ghtml. Acesso em: 2 jun. 2025.

MARXISTS INTERNET ARCHIVE. Marxismo-Leninismo. Dicionário Político. [S.l.]: Marxists Internet Archive, [s.d.]. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/m/marxismo_leninismo.htm. Acesso em: 2 jun. 2025.