Política

Theodomiro volta ao Brasil em 1985. Desembarca no aeroporto Dois de Julho em 5 de setembro daquele ano. Ditadura encerrada, em princípio. José Sarney, presidente. Assumira em razão da doença e morte do presidente Tancredo Neves. Estávamos nós, creio que quatro, cinco centenas de pessoas aguardando-o. Recebê-lo com festa. Com alegria. Muita alegria. Imaginávamos não estarmos mais vigiados. Órgãos de segurança não deviam mais estar em ação. Não caberia mais vigilância do SNI sobre quaisquer cidadãos. Estávamos enganados.

Theodomiro volta ao Brasil em 1985.

Desembarca no aeroporto Dois de Julho em 5 de setembro daquele ano.

Ditadura encerrada, em princípio.

José Sarney, presidente.

Assumira em razão da doença e morte do presidente Tancredo Neves.

Estávamos nós, creio que quatro, cinco centenas de pessoas aguardando-o.

Recebê-lo com festa.

Com alegria.

Muita alegria.

Imaginávamos não estarmos mais vigiados.

Órgãos de segurança não deviam mais estar em ação.

Não caberia mais vigilância do SNI sobre quaisquer cidadãos.

Estávamos enganados.

Redondamente.

A máquina de repressão seguia ativa.

O tipo de transição realizada no País, decorrente, de um lado da movimentação das massas, na última etapa principalmente da Campanha das Diretas Já, e de outro fruto, também, de uma acomodação por cima, negociação entre as classes dominantes para mexer, mas não mexer muito, levou à manutenção de forças da ditadura, ainda em ação, um SNI intacto, por exemplo, agindo como estivéssemos sob a ditadura.

Informe SNI

Um Informe Confidencial, do SNI, de número 229/120/AC/85, sob o título “Regresso de Theodomiro Romeiro dos Santos a Salvador/BA” dá conta, de modo detalhado, de toda a chegada dele ao Brasil.

Demorou mais de mês para ser elaborado, pois aparece com a data de 9 de outubro daquele ano.

O relato é curioso.

Marcas policiais.

Linguajar da ditadura.

 

 

  1. Ao desembarque no Aeroporto Internacional Dois de Julho, em Salvador/BA, no dia 05 Set 85, do ex-fugitivo da Penitênciária Lemos de Brito e terrorista. THEODOMIRO ROMEIRO DOS SANTOS, compareceram cerca de 100 pessoas entre militantes do Partido dos Trabalhadores (PT/BA), Partido Comunista Brasileiro (PCB/BA) e Partido Revolucionário Comunista (PRC/BA), além de parlamentares, líderes sindicais, populares, imprensa e religiosos.

Ex-fugitivo e terrorista.

Assim, retratado Theodomiro Romeiro dos Santos, o primeiro condenado à morte pela ditadura, com 19 anos de idade por ter reagido a uma prisão arbitrária e matado um sargento.

Linguajar próprio, muito próprio, da ditadura.

A expressar o ódio a Theodomiro.

Tentando estigmatizá-lo.

A revelar marcas da ditadura, fortes ainda.

Havia um ou mais agentes tentando retratar aquela chegada.

E depois, certamente um redator deu texto final.

O SNI não queria perder nada.

Não eram apenas 100 pessoas.

Provavelmente, cinco vezes mais.

Dia festivo para todos nós, pessoas de esquerda, comprometidas com a luta contra a ditadura, democratas, progressistas.

Aquele ano, vamos insistir, em princípio, marcava o fim da ditadura.

As transições no Brasil são difíceis.

Um dia de muito entusiasmo.

Recebíamos aquele jovem condenado à morte, de volta ao Brasil.

Não mais um jovem.

Um homem maduro, aos 32 anos de idade.

Marcado por quase uma década de prisão.

E anos de exílio.

Caçulas da Galeria F

  1. Ainda na pista de desembarque, o terrorista foi abraçado pelo Presidente do PT/BA, ANTÔNIO JORGE FONSECA SANCHES DE ALMEIDA, pelo Diretor Adjunto do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/BA) e militante do PCB, EMILIANO JOSÉ DA SILVA FILHO, e por vários políticos e dirigentes de entidades populares controladas por militantes comunistas, destacando-se o Comitê de Anistia e Direitos Humanos (CADH), uma das organizadoras da recepção.

SNI atento à presença de Macarrão, com o nome inteirinho dele, Antônio Jorge Fonseca Sanches de Almeida, um dos nossos companheiros de prisão na Galeria F. Ele, dos mais novos, como Theodomiro. Eram os caçulas da Galeria F da Penitenciária Lemos Brito, em Salvador, cujo composição seria ampliada por Antônio Nahas, outro caçula.

SNI atento à minha presença e ao meu cargo então, eu também companheiro de Theodomiro e de Macarrão na “Lemos Brito”, na histórica Galeria F.

Sim, eu estava no Incra, então, diretor adjunto. José Carlos Arruti Rei, diretor titular.

SNI não queria perder nada.

Informa:

  1. O PCdoB/BA marcou uma reunião com THEODOMIRO, às 19hs do dia 05 Set 85, na Associação dos Engenheiros Agrônomos da Bahia (AEABA), porém o mesmo não compareceu deixando os militantes do PCdoB decepcionados e contrariados com a decisão do terrorista de ingressar no PT, “agremiação que pouco lutou pelo retorno do mesmo ao Brasil”, segundo análise da Presidente do CADH, ANA MARIA GUEDES.

Conversei com Ana Guedes, até hoje dirigente do PCdoB. Difícil, passado tanto tempo, ela se lembrar com exatidão sobre aquele acontecimento e sobre os passos seguintes. Não se recorda se reunião foi marcada.

Se marcada, é possível a não presença de Theodomiro, provavelmente cuidadoso nesse primeiro momento da chegada ao Brasil.

Tem certeza: não fez aquela declaração sobre o PT. Não tinha razão para tanto. E o PT era partido-irmão do PCdoB.

  1. No dia 06 Set. THEODOMIRO ROMEIRO esteve presente ao ato de posse da nova diretoria do Comitê de Solidariedade aos Povos da América Central (COSPAC).

Será?

Creio não.

Falei com Lúcia Simões, então dirigente do COSPAC, e ela negou inclusive a existência de ato de posse da entidade naquela data.

Informações desencontradas

  1. No dia 07 Set, logo após o desfile cívico-militar, THEODOMIRO participou de uma passeata com a direção do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas da Bahia (SINDIQUÍMICA) e trabalhadores em apoio à Greve do Pólo Petroquímico.

Com quase certeza, informação equivocada, tiro dado a esmo pelo SNI.

Theodomiro chegava ao Brasil e já se metia de cabeça em movimentações dessa natureza?

Não, ele se movimentava com algum cuidado ao chegar. Não era um aventureiro.

  1. No dia 09 Set, o terrorista esteve no programa “Câmera Cinco”, veiculado pela TV Itapoan – Canal 5, ligada ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Esse programa, que visava diminuir os efeitos da entrevista anterior de THEODOMIRO, é levado ao ar ao vivo, porém, no caso de THEODOMIRO, observou-se (sic) “cortes” nos momentos em que ele falava de assuntos polêmicos que poderia comprometer-lhe a imagem. Contudo, ficou claro seu ponto de vista sobre a luta armada quando ele afirmou que “na NICARÁGUA, enquanto as lideranças populares buscavam o diálogo, nada se conseguiu em termos práticos, porém...” “corte”, entrou um outro assunto sobre a sua militância no PT paulista.

As declarações precipitadas de THEODOMIRO sobre a luta armada e a reação contrária da imprensa evitaram que o PT capitalizasse politicamente o seu ingresso na agremiação.

O PCdoB atribuiu o fato de THEODOMIRO ter ingressado no PT ao desconhecimento do mesmo da realidade brasileira.

Decididamente, difícil pretender acompanhar a chegada e os dias subsequentes de Theodomiro no Brasil ao informe do SNI.

Necessário sempre o cuidado da checagem.

Evidente a tentativa, no informe, de tentar indispor o PCdoB ao PT.

Muito precário o esforço de leitura das entrevistas de Theodomiro, avaliação do comportamento da TV Itapoan de salvaguardar a imagem dele, como se isso tivesse ocorrido.

No Anexo A, a relação de nomes presentes.

Muita gente do PCdoB na relação, e destaco alguns nomes, sem ordem de importância: Haroldo Lima, Luiz Nova, Lídice da Mata, Jane Vasconcelos, Maria Liege Rocha de Paula, Ana Guedes, Augusto Bonfim de Paula, Diva Santana, Carlos Valadares, Renildo Souza.

Muitos militantes do PT, destaco alguns. Insisto, sem ordem de importância: Valdenor Cardoso, João Henrique Coutinho, Antônio Jorge Fonseca Sanches de Almeida, Edival Passos, Sérgio Guimarães, Paulo Pontes da Silva, Benjamin Ferreira de Souza, Luiz Eugênio Portela, Lázaro Bilac de Souza, Sérgio Armando Diniz Guerra.

Integrantes do PCB: Carlos Augusto Marighella, Fernando Schmidt, Paulino Vieira, Ana Montenegro.

SNI chega a incluir Milton Mendes Filho como militante do PCB naquela quadra histórica, e isso me parece um equívoco.

Melhor dizer: são informações do SNI, tudo a ser confirmado.

Havia, na relação, nomes de religiosos, especialmente queridos de Theodomiro.

O mais querido, padre Renzo Rossi, sobre quem escrevi biografia: “As asas invisíveis do padre Renzo”.

Renzo tratava Theodomiro quase como um filho. Chegou a conseguir coisa de 10 mil dólares para viabilizar a fuga dele, em agosto de 1979.

Havia ainda a grande figura de outro sacerdote, jesuíta Cláudio Perani.

Além de padre Enoque Oliveira, profundamente ligado à luta de Canudos, ao legado do Conselheiro.

Sobre Joviniano de Carvalho Neto, registram presença, mas não o vinculam a nenhum partido. Destaco: embora Joviniano tivesse íntima relação com o PCdoB, não chegou a ser, penso, militante do partido.

Denominam-no “ativista de esquerda”. Acrescentaria: a maior figura da luta dos direitos humanos, daquele período até os dias atuais.

Abraçar a democracia

Há, ainda, no informe, um “ÁLBUM FOTOGRÁFICO”.

Duas dezenas dos presentes ocupam o álbum, identificados um a um.

Contemplados por fotos: Theodomiro, fotografado sete vezes; Macarrão, seis vezes; eu, cinco fotos, os mais visados, talvez por que eu e Macarrão estivéssemos sempre próximos a Theodomiro, desde o desembarque. Theodomiro, porque o protagonista daquele dia histórico.

Foram ainda fotografados, e estão presentes no informe, com a devida numeração, Sérgio Guimarães, Carlos Marighella, Edival Passos, Fernando Schmidt, Lázaro Bilac, Renzo Rossi, Luiz Nova, João Henrique Coutinho, Augusto Bonfim de Paula, Cláudio Perani, Doris Ribeiro Abreu, Haroldo Lima, Paulo Pontes, Joviniano de Carvalho Neto, Valdenor Cardoso e padre Enoque José de Oliveira.

Desse informe, quais as lições? Era evidência da permanência de estruturas repressivas sob o novo governo.

Permanência do chamado espectro militar, volta e meia disposto a dar as caras, como deu desde a proclamação da República, tantas vezes.

Como ocorreu muito recentemente, janeiro de 2023, na tentativa de golpe contra o presidente Lula, contra a democracia.

Felizmente, a democracia venceu. E segue o julgamento sob a direção do STF, com generais presos pela primeira vez na nossa história, e com a possibilidade real de condenação deles e do ex-presidente, por criminosos, por óbvia tentativa golpista.

Quem sabe, tal julgamento possa marcar o fim do espectro militar.

Quem sabe, vejamos a democracia consolidada.

Quem sabe, sejam as Forças Armadas colocadas, como sempre deveriam estar, sob as ordens da Constituição, encarregadas da defesa da Nação, e nunca mais se pretendam poder moderador, cuja tradução era ser um poder voltado a dirigir golpes e mais golpes em nossa história.

Espera-se sepultar esse tempo.

E definitivamente abraçarmos a democracia.