De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), entre 2013 e 2022, o número de bancários no Brasil caiu de aproximadamente 500 mil para cerca de 400 mil. A queda no emprego nos bancos tradicionais é uma tendência que se verifica não apenas em nosso país, mas em praticamente todo o mundo, conforme apontam relatórios da OIT. Já o levantamento do Dieese/Rede Bancários, a partir das informações da RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego, mostra que, em 1994, os bancários representavam 80% do total dos trabalhadores do “ramo financeiro”; em 2019, 50%; e em 2024, 42%.
As transformações em curso no sistema financeiro reconfiguram de maneira significativa a organização e o funcionamento do setor. Da segunda metade do século 20 até os primeiros anos do século 21, o trabalho bancário estruturava-se em torno de agências físicas, atendimento presencial e elevado contingente de trabalhadores alocados em funções operacionais. Esse cenário, entretanto, modificou-se rapidamente, impulsionado pela automação, pela digitalização e pela emergência ou expansão de novas instituições.
Atualmente, predomina uma lógica digital, caracterizada pelo uso intensivo de aplicativos, inteligência artificial, serviços em tempo real, novos meios de pagamento e crédito, bancos digitais e fintechs. Essas transformações têm repercussões sociais e econômicas expressivas na vida das famílias e pessoas usuárias do sistema financeiro. Exemplo das mudanças é o Pix, que, de acordo com o Banco Central do Brasil, rapidamente registrou, em 2024, mais de 170 milhões de usuários ativos no país.
No setor financeiro, o impacto das mudanças é igualmente relevante no campo do trabalho. Observa-se um incremento da produtividade, acompanhado de pressões crescentes por metas, redução do volume de empregos nas áreas tradicionais e exigência de novos perfis profissionais. Este artigo concentra-se na análise dessas transformações sob a ótica do emprego e dos perfis requeridos.
A digitalização, a automação de processos e o avanço das soluções baseadas em inteligência artificial contribuem para substituir funções que, historicamente, sustentaram o setor bancário. Atividades rotineiras como abertura de contas, transferências, pagamentos e operações de crédito passaram a ser executadas de forma automatizada, sem a participação direta da força de trabalho humana. Um dos efeitos mais visíveis desse processo é o fechamento acelerado de agências bancárias físicas, acompanhado da redução de quadros funcionais e do desaparecimento de postos de trabalho, sobretudo aqueles de natureza repetitiva.
Simultaneamente, emergem novas demandas por profissionais com competências distintas. Requerem-se trabalhadores que combinem formação técnica e acadêmica, capacidade de análise de dados, flexibilidade, domínio de inovações tecnológicas (open banking, blockchain, meios digitais de pagamento), comportamento ético e colaborativo, além de aptidão para atuar em ambientes orientados a metas.
No campo da formação técnica, são valorizados conhecimentos em finanças, mercado de capitais, regulação e produtos bancários, bem como certificações reconhecidas, como CPA-10, CPA-20, CEA, CFP, CGA, CGE e Ancord, entre outras. Soma-se a isso a capacidade dos profissionais em acompanhar relatórios e diretrizes de instituições internacionais e de interagir com elas. Frequentemente, esses profissionais provêm de cursos como Administração, Economia, Engenharia, Contabilidade, Matemática, Estatística, Ciência de Dados e Direito, embora formações diversas não configurem barreira absoluta de entrada.
Essa transição impõe grandes desafios aos trabalhadores e suas representações sindicais. Por um lado, observa-se a eliminação de postos de trabalho nos bancos tradicionais; por outro, surgem oportunidades associadas ao crescimento de segmentos como bancos digitais, fintechs, mercado de capitais, seguros e previdência, além de serviços de educação financeira. Nesse quadro, a requalificação profissional apresenta-se como instrumento decisivo para assegurar a empregabilidade.
Destacam-se, nesse processo, as fintechs, geralmente estruturadas como startups de base tecnológica. Diferentemente dos bancos tradicionais, elas operam com estruturas enxutas, forte digitalização e serviços de custo reduzido, o que favorece rápida expansão de sua base de clientes. Segundo levantamento realizado pelo Dieese/Rede Bancários, o Brasil já contava em 2024 com 319 fintechs, sendo que em 2017, com apenas seis. Ou seja, as fintechs vêm se consolidando como um dos principais polos de inovação financeira da América Latina (ABStartups, 2023). Como resposta, os bancos tradicionais ampliaram significativamente seus investimentos em digitalização.
A expansão das fintechs contribuiu para a inclusão financeira, incorporando aproximadamente trinta milhões de indivíduos ao sistema via contas digitais de baixo custo em 2022 (Instituto Locomotiva, 2023). Ao mesmo tempo, intensificou-se o fechamento de agências físicas nos bancos tradicionais. Entre 2016 e 2022, cerca de 20 mil unidades bancárias foram encerradas no Brasil (Febraban, 2022), processo acompanhado pela substituição de empregos formais por soluções automatizadas. Assim, o sistema torna-se mais eficiente, mas impõe custos sociais elevados à categoria bancária.
Esse cenário apresenta desafios inéditos ao movimento sindical. Tradicionalmente responsável por conquistas salariais e de direitos, os sindicatos e a categoria bancária enfrentam agora a ameaça de retrocessos diante da digitalização. Torna-se imprescindível formular alternativas que preservem a dignidade e a empregabilidade dos trabalhadores e que fortaleçam sua representação coletiva.
É nesse contexto que, por meio deste artigo, propomos a criação de um Banco de Oportunidades. Trata-se de um programa estruturado de requalificação e recolocação profissional, voltado a bancários e bancárias desligados em decorrência das mudanças tecnológicas ou por outros fatores.
A proposta articula sindicatos, universidades e empresas do setor financeiro — com destaque para as representações formais das fintechs, como é o caso da ABFintechs — em um arranjo cooperativo que transforma o risco do desemprego em oportunidade de reinserção. Formalizada por meio de um Protocolo de Intenções, a iniciativa definiria objetivos e contrapartidas das partes envolvidas.
Na prática, estes trabalhadores e trabalhadoras desligados, após homologação nos sindicatos, seriam encaminhados a cursos de requalificação desenvolvidos em parceria entre universidades e fintechs, ajustados às demandas efetivas dessas empresas. Concluída a formação, estariam aptos a disputar vagas em instituições digitais, promovendo a reintegração de mão de obra qualificada para funções emergentes. As fintechs, por sua vez, informariam regularmente sobre vagas e processos de seleção. A universidade poderia propiciar descontos para a execução do programa.
Os benefícios são múltiplos: para os trabalhadores, garantem perspectiva de recolocação; para os sindicatos, fortalecem o diálogo e a representatividade em novos segmentos; para as fintechs, constituem fonte de recrutamento qualificado; para as universidades, representam parceria estratégica que reforça sua função social.
O elemento distintivo do programa reside na capacidade de conciliar interesses potencialmente divergentes. Em um contexto marcado pela exclusão social e econômica, manifestada tanto pela restrição ao acesso a serviços quanto pela precarização do trabalho bancário, a proposta oferece mecanismos de integração. A negociação coletiva e a proteção de direitos configuram-se como instrumentos centrais para que a digitalização seja compreendida não como destruição inexorável de empregos, mas como oportunidade de reorganização socialmente equitativa.
A inovação tecnológica e a justiça social não constituem esferas inconciliáveis. Elas podem articular-se quando mediadas por instituições, negociações e arranjos coletivos. Assim, a revolução digital no setor financeiro não precisa resultar em desemprego em massa e perda de representatividade sindical; pode, ao contrário, inaugurar um novo paradigma de cooperação entre trabalhadores, empresas e universidades.
O desafio imediato é transformar essa proposta em prática. A formalização de parcerias entre sindicatos, universidades e empresas digitais pode inaugurar ciclo virtuoso em que a inovação se converta em instrumento de inclusão qualificada. A transição profissional, quando apoiada por arranjos institucionais sólidos, fortalece a construção de um futuro sustentável do trabalho no setor.
Em síntese, o sistema financeiro atravessa uma ruptura histórica. A digitalização e a ascensão das fintechs e das novas instituições remodelaram sua estrutura, e os impactos sobre o emprego bancário são profundos. O Banco de Oportunidades configura-se, nesse cenário, como proposta oportuna e necessária. Mais do que política de requalificação, constitui projeto estratégico de futuro, fundado na articulação entre inovação, solidariedade e equidade.
Jefferson José da Conceição é economista, professor Pós-Dr na USCS, coordenador do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo, Inovação e Conjuntura. Autor de livros como “Entre a mão Invisível e o leviatã: contribuições heterodoxas à economia brasileira" (Didakt/USCS, 2019). Co-organizador de “A era digital e o trabalho bancário: o papel do sistema financeiro e subsídios à ação sindical e às políticas públicas” (Coopacesso, 2020).
Ana Carolina Tosetti Davanço é graduada em Ciências Econômicas pela PUC-SP. Mestre em Administração pela Universidade São Caetano do Sul. (USCS). Foi Técnica do Dieese no Sindicato dos Bancários de São Paulo. É Assistente Parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, da equipe de assessoria do deputado Luiz Cláudio Marcolino (PT-SP). Contribui para a constituição e funcionamento do Observatório de Transformação Digital da USP.
Referências Bibliográficas
ABStartups. Mapa das Fintechs 2023: Cenário do Ecossistema de Startups Financeiras no Brasil. São Paulo: ABStartups, 2023. Disponível em: https://abstartups.com.br. Acesso em: 18 ago. 2025.
Banco Central do Brasil. Pix: Relatório de Usuários Ativos – 2024. Brasília: Banco Central do Brasil, 2024. Disponível em: https://www.bcb.gov.br. Acesso em: 18 ago. 2025.
Febraban. Relatório de Infraestrutura Bancária: Encerramento de Agências – 2016 a 2022. São Paulo: Federação Brasileira de Bancos, 2022. Disponível em: https://www.febraban.org.br. Acesso em: 18 ago. 2025.
Instituto Locomotiva. Inclusão Financeira Digital no Brasil: Estimativa de Contas Digitais – 2022. São Paulo: Instituto Locomotiva, 2023. Disponível em: https://www.institutolocomotiva.org.br. Acesso em: 18 ago. 2025.