O presente artigo analisa os desafios do futuro Plano Nacional de Educação que abarcará o próximo decênio de 2024 a 2034 e que está, sob a forma de uma proposição legislativa, em tramitação na Câmara Federal. A partir de documento produzido pelo Fórum Nacional de Educação, que produziu uma análise exaustiva e comparada dos eixos e metas produzidos pelos debates ocorridos no âmbito da Conferência Nacional Extraordinária de Educação ocorrida em janeiro de 2024 em Brasília, com a proposta inscrita na redação legislativa, o artigo se propõe a presentar questões, desafios e lacunas do atual projeto de lei que normatizará o novo plano decenal da educação brasileira, através de um recorte particular da perspectiva da educação básica do Brasil.
Introdução
Completados dez anos de sua vigência no último dia 25 de junho de 2024, o atual Plano Nacional de Educação (PNE), originalmente pensado para abarcar o decênio de 2014 a 2024, teve o seu fim prorrogado para o dia 31 de dezembro de 2025. O vácuo político do planejamento educacional brasileiro foi provocado em grande medida pelo (des)governo de Jair Bolsonaro que, renunciando a qualquer investimento político e orçamentário na educação brasileira, não promoveu adequadamente o novo PNE, previsto para os próximos 10 anos, de 2024 a 2034. Esse desprezo político em apresentar ou trabalhar em um planejamento estratégico para a educação brasileira faz jus e, no limite, é convergente com o que foi globalmente o governo Bolsonaro: despreparado, abandonou à míngua todas as políticas públicas brasileiras, da saúde à educação, da previdência pública à Assistência Social.
No campo propriamente educacional, o fato é que os resultados do atual PNE, válido agora até o final do ano de 2025 depois de sua prorrogação aprovada em julho de 2024, avaliados por suas 20 metas e diversas estratégias, foram em sua maioria não cumpridos ou apenas parcialmente alcançados, o que representa um desrespeito ao nosso povo. A educação é o serviço público que mais impacta diretamente as famílias brasileiras e continua sendo o principal motor de crescimento do país, bem como de desenvolvimento pessoal dos jovens. Nenhum projeto de desenvolvimento nacional pode prescindir desse recurso tão valioso.
O descumprimento das metas do PNE prejudica o próprio projeto de futuro do Brasil. O direito à educação, conforme o artigo 205 da Constituição, é um dos direitos sociais mais fundamentais, consagrado em nossa Carta Magna. A Administração Pública é responsável por garantir o amplo acesso aos estabelecimentos de ensino por meio de políticas públicas eficazes. Esse direito é universal e deve ser assegurado a todos, independentemente de idade, raça, gênero ou classe social. A Constituição Federal de 1988 estabelece que a educação deve garantir não apenas o acesso e a permanência na educação básica, mas também atender a padrões de qualidade para todos os cidadãos. Esses direitos são complementados por outras legislações, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O direito à educação é essencial para o desenvolvimento individual e coletivo do país, contribuindo para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária.
Das diversas metas presentes no PNE, fruto de debates amplos com setores da sociedade civil na Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2010, algumas questões centrais jamais deveriam estar sendo descumpridas como têm sido. A meta da valorização profissional, que prevê planos de carreira e formação continuada para os profissionais, além de uma jornada de trabalho justa, foi claramente descumprida. Esta meta, que deveria ser alcançada em 2020, buscava equiparar o salário médio dos professores ao de outros profissionais com formação similar. No entanto, não foi cumprida no prazo, avançando apenas um terço do necessário. E isso ocorreu mais devido ao achatamento e recuo salarial das outras categorias do que à valorização da carreira do magistério. O não cumprimento do pagamento do piso salarial nacional do magistério por muitos entes federados é uma prova clara de quanto ainda precisamos avançar para colocar a educação como uma prioridade política em nosso país.
Outro objetivo do PNE sempre foi o financiamento da educação. Inscrito na meta 20 do plano, ele é crucial para o cumprimento das demais metas. Afinal, sem recursos financeiros, tudo fica muito difícil. Por isso, o financiamento é essencial para avaliar o estado de descumprimento geral do PNE, evidenciado nas outras metas. Em 2019, o PNE estabeleceu a meta de destinar 7% do PIB para a educação, mas os gastos permaneceram em torno de 5% entre 2015 e 2017, com uma queda em vez de aumento. A austeridade fiscal, presente desde a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95), do Teto de Gastos imposto pelo governo Temer, ainda persiste em muitos de seus efeitos, embora já revogada no ano passado. Além disso, há outros desafios no financiamento educacional, incluindo a regulamentação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) e do Sistema Nacional de Educação (SNE), este último para garantir a organização do sistema e a prestação do serviço à sociedade.
Mesmo as metas do PNE que não dependem diretamente de recursos financeiros não foram cumpridas. A meta 19, que trata da gestão democrática nas escolas, esbarrou na cultura política brasileira, marcada pelo autoritarismo. Em 2021, conselhos escolares, associações de pais e mestres (APMs) e grêmios estudantis existiam em apenas 35% das escolas municipais, 54% das estaduais e 52% das federais. No processo de seleção de diretores, apenas 13% dos gestores de escolas estaduais chegaram ao cargo por meio de critérios técnicos combinados com eleições com participação da comunidade. O processo de militarização de escolas, que ainda persiste em alguns estados brasileiros, está em oposição aos princípios básicos de gestão democrática.
O novo PNE, que abrangerá os próximos dez anos após o fim da vigência deste que foi prorrogado até o final do ano de 2025, teve origem nos debates da Conae Extraordinária de janeiro de 2024, em Brasília. Foi necessário que o Governo Lula assumisse o comando do país para que o tema educacional voltasse aos debates públicos nacionais. Somente com a edição extraordinária da Conae-2024 foi possível começar a pensar no novo PNE. É essencial, agora, portanto, que o Congresso Nacional garanta a participação social em todo o processo de tramitação do projeto de lei (PL) que para lá foi enviado ainda no mês de junho de 2024 para aprovação do novo PNE.
Dessa forma, o novo PNE, elaborado com a contribuição de diversos setores e segmentos do movimento educacional brasileiro, especialmente com os insumos da última Conae, não deve agora, em seu processo de tramitação no Congresso Nacional, prescindir da consulta e participação social. Mais do que nunca, a Câmara dos Deputados deve ouvir os educadores brasileiros. E nada melhor para isso do que a criação de uma Comissão Especial para tratar especificamente do novo PNE.
O tema da Conae-2024 – “Plano Nacional de Educação 2024-2034: política de Estado para garantia da educação como direito humano com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável” – que orientou as diretrizes do novo PNE, deve continuar sendo o guia para a construção desse projeto decenal para a educação brasileira. Nos debates legislativos, a orientação da Conae também deve aprimorar o projeto encaminhado pelo Poder Executivo, preenchendo eventuais lacunas.
Embora o projeto legislativo do novo PNE enviado pelo MEC ao Congresso Nacional apresente uma base sólida de diretrizes, objetivos, metas e estratégias para a educação no Brasil, fruto dos debates da Conae de janeiro de 2024, seu sucesso dependerá, principalmente, de sua articulação com os planos decenais de educação nos Municípios, Estados e Distrito Federal. Isso só será possível se conseguirmos criar um clima de diálogo social e construção positiva com os principais atores desse debate: educadores, gestores, estudantes, comunidade escolar e educacional em geral, sociedade civil, entidades de representação sindical e científicas.
Em documento tornado público recentemente, no começo do mês de novembro de 2024, o Fórum Nacional de Educação (FNE), que é um espaço de interlocução entre a sociedade civil e o Estado brasileiro, do qual tenho orgulho de estar nesse momento como seu coordenador, apresentou uma análise dos eixos do novo PNE.
A análise objetiva do FNE teve como objetivo contribuir com o processo de tramitação legislativa e sinalizar aperfeiçoamentos e proposições. Há convergências entre o PL e o Documento Final da Conae-2024 e, também, lacunas e/ou proposições insuficientes. Assim, o objetivo do FNE com o documento divulgado é que ele seja útil ao debate público sobra a construção do novo plano decenal da educação brasileira para o próximo período de 10 anos e, assim, orientar e mobilizar os Fóruns Permanentes de Educação.
Após a Conae-2024, o FNE se concentrou em organizar as decisões das plenárias dos sete Eixos da Conferência e aprovar o texto final. Em 5 de março de 2024, o FNE entregou o Documento Final ao Ministério da Educação (MEC), que se comprometeu a analisá-lo e iniciar o processo de elaboração de um Projeto de Lei, de acordo com as propostas apresentadas pela Conferência. Em 6 de junho de 2024, o Presidente Lula encaminhou o projeto do novo PNE ao Congresso Nacional, poucos dias antes do término da validade do PNE 2014/2024, cujo prazo era 25 de junho. Em 3 de julho daquele ano, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 5.665/23, que prorrogou o PNE 2014/2024 até 31 de dezembro de 2025. Portanto, a situação atual é a vigência de um PNE (2014/2024) cuja maioria das metas não foram cumpridas, concomitante à tramitação na Câmara Federal de um novo PNE (PL 2.614/2024).
O PL que se encontra na Câmara Federal para tratar do novo PNE (2024-2034) será o terceiro plano decenal da educação brasileira, desde que a Constituição de 1988 foi promulgada. Os dois primeiros planos nacionais não conseguiram atingir suas metas, principalmente devido à falta de recursos financeiros para sua implementação. O primeiro PNE (2001-2011), ainda dos tempos do governo de Fernando Henrique Cardoso (1994 a 2002) foi afetado pelo veto presidencial à meta que previa um investimento equivalente a 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Já o segundo, o PNE (2014-2024) não conseguiu cumprir a meta 20, que visava alcançar 10% do PIB ao final da década, muito em decorrência da interrupção democrática que o país viveu desde o golpe perpetrado contra a ex-Presidenta Dilma Rousseff, e as medidas subsequentes a ele, como a Emenda Constitucional nº 95/2016.
O que se percebe agora com a proposição do novo PNE em tramitação na Câmara Federal é o seu esforço de atuar na articulação do Sistema Nacional de Educação (SNE) em um regime de colaboração e servindo como referência para os demais planos educacionais subnacionais (municipais, distrital e estaduais). Além disso, o PL integra ações de coordenação e interação, reafirmando a concepção promovida pela Conae-2024 em favor de ações democráticas, integradas, intersetoriais e colaborativas entre os entes federativos, com o objetivo de assegurar o direito à educação para todas as pessoas.
Nessa direção, percebe-se no PL do novo PNE a intenção fundamental de assegurar o fortalecimento efetivo das capacidades do Estado no planejamento público e democrático, bem como no cumprimento de suas obrigações relacionadas à regulação e avaliação da educação nacional. Isso inclui a organização, monitoramento e avaliação dos planos decenais de educação, visando uma política pública educacional contínua e eficaz. Além disso, a adoção da equidade como princípio orientador representa um avanço significativo e diferencial em relação aos planos decenais anteriores, reafirmando a busca por justiça ao longo do processo educativo, com o objetivo de garantir a igualdade de condições para todas as pessoas.
As propostas presentes no PL enviado ao MEC mostram diversas convergências com o Documento Final da Conae-2024, mas também revelam algumas lacunas e/ou propostas que são insuficientes; ausência de iniciativas estratégicas da Conae; propostas que carecem de definição apropriada dos prazos intermediários; ações do executivo apresentadas sem a necessária qualificação; visões focadas na aprendizagem que se sobrepõem a abordagens mais amplas, impactando o horizonte político-pedagógico e, sem dúvida, explicita uma concepção de avaliação que prioriza os resultados em detrimento dos processos, favorecendo a antiga concepção centrada nas avaliações nacionais, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) e internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa).
É importante destacar, também, que o enfoque abordado aqui foi dado aos níveis educacionais centrados na educação básica e seguirá os 7 eixos propostos tanto na Conae-2024 quanto na avaliação feita pelo documento divulgado pelo FNE, sempre em perspectiva comparada com os preceitos normativos indicados no PL 2614/2024, que institui o novo PNE (2024-2034).
Antes, porém, de entrar na avaliação dos 7 eixos, cabe explicitarmos aqui alguns poucos elementos de conjuntura e dos pressupostos necessários que se encontram hoje nesse momento de debate do novo PNE no Congresso Nacional. Nunca é demais lembrar que cerca de 90% das metas do PNE 2014-2024 não foram cumpridas e é fundamental que esse novo PNE resgate e acelere os compromissos que lá estão pendentes. O adiamento do atual PNE, apesar das polêmicas e das eleições municipais que ocorreram em outubro do ano de 2024, vai possibilitar o aprofundamento do debate necessário que deve ser feito sobre esse novo PNE, que precisa estar ancorado e ser referenciado no Documento final da Conae-2024, como está indicado no PL. É fundamental garantir que, na tramitação dessa matéria no Congresso Nacional, ele não seja desconfigurado. E, não menos importante, para não repetir os erros do passado, é de suma importância que as travas fiscais sejam superadas, de modo a dar consecução prática a esse novo PNE.
Outra questão central se refere à tramitação do PL na Câmara Federal. Em disputa naquela Casa legislativa está o protagonismo político para a consolidação do novo PNE. A criação de uma Comissão Especial é de muita valia para os setores mais progressistas do campo educacional brasileiro e daria à tramitação do PL 2614/2024 a garantia de maior agilidade e de participação social na apreciação dessa matéria tão importante. Trata-se, assim, de uma disputa em aberto e que levará em consideração a correlação de forças contra as alas conservadoras e de extrema direita na Câmara.
De uma forma geral, os eixos estruturantes do PL 2614/2024 consideraram a urgente regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE), que traria a constituição de instâncias de gestão mais coordenadas para, dessa forma, avançar na cooperação interfederativa. O PL também considerou a elevação do financiamento de 7% e 10% do PIB, com previsão de novas fontes, mas ainda assim insuficientes e, dessa forma, carente da indicação de novas fontes de financiamento necessárias. O PL não se furtou a indicar a necessidade de regulamentação também do Custo Aluno Qualidade (CAQ), sendo preciso reduzir o prazo de regulamentação lá indicado. Os preceitos de acesso, igualdade e combate às desigualdades educacionais também aparecem no PL, com a citação explícita da Educação indígena, Quilombola, Educação Especial, dos povos das florestas e de territórios vulneráveis. O que se vê na formulação do PL é uma preocupação, enfim, de constituir um plano com políticas sistêmicas que elevem o novo PNE a um verdadeiro plano de Estado, e não somente de governo.
Desenvolvimento
Assim, passamos agora à avaliação dos 7 eixos que estruturam o novo PNE, à luz dos apontamentos feitos pelo documento do FNE e balizado pelos eixos da Conae-2024:
Eixo 1 – Sistema Nacional de Educação
O Eixo 1 da Conae tratou de debater e elaborar referências e propostas que envolvem as discussões relacionadas ao PNE, considerado como o articulador central a constituição do Sistema Nacional de Educação. Além disso, abordou sua ligação com os planos decenais nas esferas estadual, distrital e municipal de educação, visando promover ações integradas e intersetoriais em um contexto de colaboração entre as diferentes federações. No contexto do Projeto de Lei apresentado, não se observa essa preocupação. Por essa razão, é totalmente adequa do que o debate e a tramitação do novo PNE sejam realizados de forma integrada e inseparável do debate legislativo sobre o SNE, visando acelerar sua aprovação conforme as deliberações da Conae.
É claro que vários dispositivos do PNE contribuem para a formação do SNE, justificando a construção constitucional que afirma que “o plano articula o sistema”. Nesse sentido, é fundamental que uma das diretrizes do PNE inclua o estabelecimento de uma meta para a aplicação de recursos públicos em educação, como uma proporção do Produto Interno Bruto (PIB), garantindo a satisfação das necessidades de expansão com qualidade e equidade. Além disso, é imprescindível reafirmar a valorização dos profissionais da educação e a promoção do princípio da gestão democrática, aspectos que estão ausentes no PL em tramitação, o qual guiará o planejamento de dez anos para o país. A valorização dos profissionais da educação em sua totalidade (abrangendo formação inicial e continuada, piso e carreira, condições de trabalho e saúde), o financiamento público justo e adequado, a implementação de processos avaliativos que sejam formativos, o respeito às condições de infraestrutura, a gestão democrática nos sistemas, entre outras dimensões, constituem objetivos gerais da educação nacional que devem ser reproduzidos no texto da lei do PNE.
Um plano que realmente articule o Sistema Nacional de Educação (SNE) deve estabelecer um sistema de acompanhamento contínuo. Isso garantirá que a execução do Plano Nacional de Educação (PNE) e o cumprimento de suas metas sejam constantemente monitorados e avaliados em períodos regulares por diferentes instâncias. Além disso, é fundamental criar, aprimorar e realizar o monitoramento sistemático de indicadores. Nesse contexto, é preocupante a abordagem genérica que envolve a governança, o monitoramento e a avaliação do PNE, a qual confere essa responsabilidade ao Ministério da Educação (MEC) sem uma definição clara da modalidade jurídica.
Eixo 2 – Acesso, permanência e conclusão
O Eixo 2 da Conae discutiu e elaborou referências e propostas, focando na garantia do direito de todas as pessoas à educação de qualidade. Isso inclui o acesso, a permanência e a conclusão da educação em todos os níveis, etapas e modalidades, considerando os variados contextos e territórios.
No que diz respeito à educação infantil, é preocupante que o prazo para a universalização da pré-escola tenha sido ampliado do segundo para o terceiro ano de vigência do Plano. A meta de atendimento em creches representa um avanço bastante limitado em comparação ao PNE de 2014 e uma redução em relação às proposições da Conae. O documento da Conae sugere atender 100% da demanda, abrangendo todas as modalidades. Por outro lado, o PL estabelece a meta de atender apenas 60% da população até o final do PNE, e a meta para a educação escolar indígena é ainda mais baixa, de 50%. Além disso, o texto do PL é impreciso em relação às metas que visam aumentar em um terço a cobertura de creche para a educação do campo e em 50% para a educação quilombola.
Ademais, a proposta não contempla a consolidação de uma política nacional voltada para a educação do campo, que enfrente o fechamento contínuo de suas escolas. Em relação à educação infantil do campo, o texto do projeto de lei apenas menciona a intenção de universalizar o atendimento, seguindo as diretrizes curriculares nacionais (DCN) para essa modalidade. No entanto, o texto da Conae propõe a criação de um programa que promova escolas e centros de educação infantil no campo, equipados com espaços, mobiliário e materiais didáticos adequados, além de contar com profissionais qualificados para atuar nas áreas rurais, respeitando também os documentos orientadores da educação infantil, conforme previsto no Custo Aluno Qualidade (CAQ).
O PL também não faz referência ao estabelecimento e implementação do padrão de qualidade social da educação básica, tomando como base o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e o Custo Aluno Qualidade (CAQ), além do CAQi Amazônico.
No contexto do ensino fundamental, em relação ao texto da Conae-2024, o prazo de dois anos para garantir a universalização do ensino fundamental para crianças de 6 a 14 anos foi alterado para três anos, visando a universalização do acesso à escola. Ao considerar a obrigatoriedade do ensino, essa mudança representa um retrocesso no que diz respeito ao direito à educação.
As metas não delineiam claramente quais grupos afetados por desigualdades seriam beneficiados. É urgente que o PNE reconheça que o esforço para reduzir essas desigualdades não deve se limitar ao aspecto étnico-racial, mas também deve abranger a luta contra as desigualdades de gênero. Ademais, apesar de serem citados os estudantes em situação de vulnerabilidade, não se faz menção aos estudantes privados de liberdade ou aqueles em conflito com a lei.
Para enfrentar o desafio de melhorar o acesso, a trajetória e a conclusão no ensino fundamental e médio, é fundamental a implementação de ações intersetoriais que transcendam a mera busca ativa de crianças fora da escola e a prevenção da evasão e do abandono escolar, que são motivados por preconceito e discriminação. Existem muitas crianças em situações vulneráveis, como vítimas de violência doméstica e adolescentes grávidas, que comprometem a permanência desses alunos na escola, tornando, muitas vezes, a experiência escolar deles interrompida.
No que diz respeito ao ensino médio, houve uma ampliação do prazo para a universalização do atendimento, passando de dois para três anos, tanto no texto da Conae-2024 quanto no do PNE 2014. Além disso, o foco do conceito de qualidade nessa etapa é bastante limitado e valoriza apenas a aprendizagem, subestimando outras dimensões importantes. Em relação à proposta curricular e estrutural para o ensino médio, o Novo Ensino Médio continua em vigor, mesmo diante da recomendação de revogação pela Conae-2024.
É também urgente estabelecer diretrizes curriculares voltadas para a educação em gênero e educação sexual, visando integrar essa temática nos currículos. Isso é essencial para reduzir as desigualdades sociais e para fortalecer e proteger crianças, adolescentes e adultos, diante de potenciais situações de assédio ou violência sexual, além de contribuir para a prevenção da gravidez indesejada e de infecções sexualmente transmissíveis (IST).
Não existe uma proposta clara de qualidade social na educação que considere o Custo Aluno Qualidade (CAQ), o Sistema Nacional de Educação (SNE) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB), além de uma abordagem interdisciplinar que não substitua a disciplinaridade nem diminua os conteúdos científicos e suas epistemologias.
Na discussão sobre conectividade, há uma falta de perspectiva sobre a conectividade significativa e tudo que envolve esse conceito. A meta de educação digital não menciona a regulação do setor privado na oferta de tecnologias e soluções digitais para as escolas, embora diversas pesquisas revelem práticas ilegais de empresas de tecnologia na utilização de dados de crianças e adolescentes. Não existe regulamentação ou restrições para a digitalização ou plataformização do ensino, sem a devida qualidade pedagógica. Quanto à educação a distância e tecnologia na educação, nota-se que a educação a distância (EaD) é omitida no documento, sem qualquer referência aos desafios atuais dessa modalidade, tais como a qualidade da oferta e as limitações pedagógicas, a evasão dos cursos e os obstáculos nos processos regulatórios e de avaliação.
No que diz respeito à alfabetização e à educação de jovens, adultos e idosos, não há definição de percentuais e prazos intermediários que poderiam facilitar o monitoramento e a controle social da execução do Plano. Na Conae, decidiu-se que, até o quinto ano de vigência do plano, a universalização das matrículas na EJA seria garantida em todos os territórios, incluindo a educação escolar quilombola, indígena, rural e para pessoas em privação de liberdade, o que não está contemplado no PL.
Eixo 3 – Direitos humanos e diversidade
O Eixo 3 da Conae-2024 discutiu e elaborou referências e propostas que abrangem educação, direitos humanos, equidade, inclusão, diversidade e justiça social, visando garantir o direito à educação para todos e combater as diversas e novas formas de desigualdade, discriminação e violência. A principal preocupação dos debates realizados neste eixo foi assegurar a efetivação da educação pública democrática, laica e de qualidade social nas instituições educativas em todos os níveis, etapas e modalidades, promovendo equidade e justiça social para garantir o direito à educação.
Conforme detalhado no Documento Final da Conae, isso implica assegurar que pessoas com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação, além de pessoas negras, populações indígenas, quilombolas, do campo, das florestas, das águas, comunidades ribeirinhas, ciganos, imigrantes, migrantes, apátridas e refugiados, LGBTQIAPN+ tenham acesso, permanência e aprendizagem nas redes públicas de educação, desde a educação infantil até a pós-graduação.
Nesse contexto, é imprescindível abordar os alarmantes índices de evasão durante a educação básica e, acima de tudo, assegurar que cada escola seja um espaço de direitos, promovendo a valorização dos projetos político-pedagógicos (PPP) e dos regimentos escolares por meio da gestão democrática. Isso envolve a participação ativa de estudantes e de toda a comunidade na vida de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. A elaboração de uma educação humanizadora deve ser pautada pelo respeito à diversidade como um direito humano, pelo enfrentamento e superação do racismo e de todas as formas de preconceito e discriminação, além do desenvolvimento de políticas de equidade que visem à inclusão e à construção da justiça social.
O PL 2614/2024 traz diversos avanços que estão alinhados com os debates e as contribuições organizadas pela Conae. Em primeiro lugar, nas diretrizes propostas para o Plano de 2024/2034, observa-se a presença de princípios norteados pelo respeito à diversidade. Essas diretrizes guiam objetivos gerais que também se relacionam à promoção da equidade, ao enfrentamento das desigualdades e à busca pela justiça social.
Orientado por essas formulações, o PL menciona a palavra diversidade mais de 20 vezes, distribuída entre objetivos, metas e estratégias, o que, por sua vez, simboliza um avanço significativo nesse debate. Nesse sentido, duas inovações bastante relevantes do PL são os destaques temáticos à “educação escolar indígena, educação do campo e educação escolar quilombola”, apresentadas como um tema específico, que abrange sete metas e 17 estratégias; e à “educação especial na perspectiva da educação inclusiva e educação bilíngue de surdos”, fortalecendo o debate sobre a educação bilíngue de surdos de maneira mais robusta nesse plano, bem como a questão da educação especial, definindo quatro metas e 25 estratégias.
Além disso, no PL 2614/2024, surge pela primeira vez a compreensão e a necessidade de se construir um sistema educacional inclusivo.
Em relação aos limites e lacunas do PL, especialmente no que tange ao debate deste eixo, é possível ressaltar dois aspectos que, à primeira vista, parecem necessitar de atenção e futuras contribuições: as questões de gênero e racismo. As questões ligadas ao direito à educação e, por conseguinte, os desafios educacionais enfrentados pelas pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ e pelas mulheres não são abordadas no PL. A palavra sexo é mencionada em diversas metas e estratégias, mas sempre com um caráter social de exclusão e em um sentido mais amplo.
O tratamento aplicado ao uso do termo sexo é também direcionado ao uso do termo raça. Estudos educacionais indicam o baixo rendimento escolar de crianças negras e mostram como o racismo exerce uma influência significativa na formação das desigualdades educacionais. Nesse contexto, mesmo aparecendo em diversas estratégias, as questões relacionadas às relações étnico-raciais demonstram que o PL parece hesitar em confrontar a magnitude desse problema dentro do sistema educacional brasileiro.
Por último, é importante ressaltar que o racismo e a igualdade de gênero estão posicionados como eixos fundamentais do PPA do governo atual. Nesse contexto, o novo PL deveria evidenciar, de maneira mais enfática, por meio de metas e estratégias, alternativas concretas para abordar esses desafios.
Eixo 4 – Gestão democrática e participação
O Eixo 4 da Conae discutiu e gerou referências e propostas que abrangem gestão democrática, educação de qualidade, regulamentação, monitoramento, avaliação, além de órgãos e mecanismos de controle e participação social nos processos e espaços de decisão. É importante ressaltar que a temática da gestão democrática e da participação social foi abordada em todas as etapas e modalidades do PL, evidenciando uma preocupação em incentivar a participação social, especialmente dos estudantes, nos processos de planejamento escolar.
O PL estabelece quatro metas para garantir o princípio da gestão democrática. Entretanto, embora os indicadores elaborados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para o monitoramento da meta 19 do PNE (2014 – 2024) tenham sido convertidos em metas, alguns deles não foram incluídos, como os grêmios estudantis e as associações de pais, mães e mestres e docentes, que estão presentes apenas nas estratégias. Avalia-se, então, a necessidade de criar uma meta específica para garantir a criação e o fortalecimento desses espaços participativos.
No que diz respeito à gestão democrática, é importante destacar que o PL segue a mesma abordagem do PNE (2014/2024) em relação à seleção de diretores escolares. Em outras palavras, prioriza critérios técnicos de mérito e desempenho, relegando a eleição direta a um papel secundário. Assim, a eleição direta não é considerada uma meta. O texto menciona condicionalidades e critérios, mas não detalha quais seriam, o que permite a interpretação de que poderiam ser adotados critérios meritocráticos.
É importante destacar que a busca pela qualidade da educação constitui o objetivo central da gestão democrática. No entanto, essa busca deve ser realizada com uma perspectiva de qualidade social, que está intimamente relacionada à formação crítica e emancipadora de todas as pessoas, fundamentada em conhecimentos científicos, filosóficos, culturais e nas sabedorias dos povos tradicionais, conforme expresso no Documento Final da Conae.
De maneira semelhante, as propostas referentes à criação, manutenção e fortalecimento dos espaços de participação intra e extraescolares não atendem plenamente às deliberações da Conae, carecendo também de uma previsão sólida para a oferta de formação continuada aos membros desses espaços. A constituição e o fortalecimento de conselhos e fóruns permanentes de educação são mecanismos fundamentais para a consolidação da gestão democrática.
Dessa forma, é imprescindível a implementação de uma legislação específica que garanta a criação e a participação social nos Fóruns e Conselhos de Educação, incluindo representações de entidades científicas e educacionais, movimentos sociais, associações de docentes, discentes, pais e mães, e, sobretudo, dos grupos que são excluídos e marginalizados nesses ambientes.
Eixo 5 – Valorização de profissionais da Educação
O Eixo 5 da Conae discutiu e gerou referências e propostas que abordam a valorização dos profissionais da educação. Essas propostas garantem o direito a uma formação inicial e continuada de qualidade, a implementação do piso salarial e o desenvolvimento de carreiras, além de assegurar condições adequadas para o exercício da profissão de forma segura e saudável. O objetivo 16 do PL é voltado para os profissionais da Educação Básica, visando garantir formação e condições de trabalho adequadas a estes profissionais, estruturando-se em seis metas e 24 estratégias.
Sob a perspectiva da formação e valorização dos profissionais da educação, o PL destaca elementos que estão em sintonia com o Documento Final da Conae, tais como: assegurar ao professor a possibilidade de lecionar disciplinas de acordo com sua área de formação; garantir a existência de um plano de carreira para todos os profissionais da educação; defender o concurso público como meio de ingresso na carreira; buscar assegurar a formação em nível superior para os docentes que possuem formação em magistério de nível médio; priorizar a carga horária em um único estabelecimento de ensino; e instituir um fórum permanente para monitoramento da política de valorização dos profissionais da educação e de equiparação salarial.
Destaca-se também a preocupação em estabelecer uma política intersetorial com a finalidade de promover a prevenção, a atenção e o atendimento à saúde, bem como à integridade física, mental e emocional dos profissionais da educação.
Ressaltam-se, ainda, propostas significativas que têm como objetivo estimular cursos de licenciatura e de formação continuada que abordem áreas como educação integral, educação ambiental, educação em direitos humanos e educação para as relações étnico-raciais, além dos marcos legais de proteção à infância e à adolescência, aos idosos, aos povos indígenas e às pessoas com deficiência. Da mesma forma, buscam incentivar tanto a formação inicial quanto a continuada para atender às especificidades das modalidades da educação básica e, igualmente, promover a valorização dos educadores dos povos tradicionais e originários. No entanto, pode-se observar algumas lacunas relevantes no que diz respeito à falta de prazos, metas intermediárias e proposições de leis específicas para a concretização dessas estratégias.
Cabe ressaltar a estratégia 16.3, que tem como objetivo fortalecer as políticas de avaliação, regulação e supervisão dos cursos de formação de professores, incluindo aqueles oferecidos na modalidade de ensino a distância. No entanto, não está claro como se pretende consolidar e efetivar essa política, especialmente em relação aos cursos de licenciatura em EaD.
De maneira geral, como se evidencia, existe uma consonância entre o PL e o Documento Final da Conae. No entanto, é fundamental preencher as lacunas, corrigir as deficiências e efetuar alguns ajustes, a fim de garantir a formação e valorização dos profissionais da educação conforme desejado.
Eixo 6 – Financiamento público
O Eixo 6 da Conae discutiu e elaborou referências e propostas, englobando as discussões relacionadas ao financiamento público da educação, com ênfase no controle social e na garantia das condições adequadas para assegurar a qualidade social da educação, visando à democratização do acesso e à permanência dos estudantes.
O conteúdo da meta 18.A estabelece a necessidade de ampliar o investimento público em educação, de forma a atingir 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) até o sexto ano de validade deste PNE e 10% (dez por cento) do PIB até o final da década, em conformidade com o que é disposto no art. 214, caput, inciso VI, da Constituição. Essa meta intermediária de 7% precisa ser alcançada com quatro anos restantes para o término do plano, deixando, assim, três pontos percentuais a serem implementados em um período muito curto, o que pode novamente comprometer a realização das metas deste PNE.
A meta 18.B estabelece que se deve atingir o investimento por aluno na educação básica, de acordo com um percentual do PIB per capita que corresponda à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), até o quinto ano de vigência deste PNE, e o que se equipare ao Custo Aluno Qualidade (CAQ), conforme o artigo 211, § 7º, da Constituição, até o final da década.
O cumprimento da primeira parte desta segunda meta, por si só, não garantirá um aumento adequado nos valores destinados a cada estudante da educação básica em suas etapas e modalidades. O que realmente é significativo, que é a aplicação imediata dos valores que possam ser obtidos através de uma metodologia que estabeleça um padrão nacional mínimo de qualidade inicial, ou seja, o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), não é nem mesmo considerado na proposta do PL, enquanto o Custo Aluno Qualidade (CAQ), conforme previsto no artigo 211, § 7º, da Constituição Federal, só será abordado ao final da vigência do novo Plano.
A Meta 18.C diz que é necessário "Equalizar a capacidade de financiamento da educação básica entre os entes federativos, com base no CAQ, utilizando como referência o padrão nacional de qualidade, conforme previsto no art. 211, § 7º, da Constituição". No entanto, a formulação apresentada não leva em consideração os termos constitucionais referentes ao padrão mínimo de qualidade, conforme estabelecido pelo art. 211, § 7º, da Constituição brasileira e, portanto, merece uma adequação.
A Meta 18.D verbaliza que se deve “Reduzir as desigualdades nas condições de oferta da infraestrutura escolar, de modo a atender ao padrão nacional de qualidade pactuado na forma prevista no art. 211, § 7º, da Constituição”. Esta formulação não esclarece os critérios pelos quais o padrão de qualidade deve ser definido, nem como acontecerá a complementação de recursos financeiros para todos os estados, para o Distrito Federal, e para os municípios que não conseguirem alcançar os valores necessários para cumprir esse padrão mínimo de qualidade. Além disso, não explica como se dará o respeito e a valorização das diversidades e das distintas realidades dos sistemas e redes de ensino públicos.
A proposta de PL deixa lacunas ao tratar das fontes de recursos financeiros necessárias para alcançar o montante equivalente a 10% do PIB. A menção a essa necessidade é feita de forma genérica. Um PNE, da mesma forma que aconteceu nos dois casos anteriores, não conseguirá alcançar seus objetivos se as fontes dos recursos financeiros não forem claramente definidas. As entidades do movimento educacional brasileiro devem interagir com o Congresso Nacional para que possíveis fontes sejam claramente especificadas na Lei a ser aprovada.
Eixo 7 – Desenvolvimento socioambiental sustentável
O Eixo 7 da Conae discutiu e elaborou referências e propostas que englobam uma educação comprometida com a justiça social, a proteção da biodiversidade e o desenvolvimento socioambiental sustentável, visando assegurar uma vida de qualidade e enfrentar as desigualdades e a pobreza.
A chamada "temática ambiental" envolve diversos tópicos e problemas graves e urgentes para o país, especialmente os referentes à crise climática, que ameaçam o futuro do planeta e da humanidade. Esses problemas são cada vez mais reconhecidos pela população, que exige políticas públicas com ações de contingência, mitigação, restauração e prevenção em várias áreas. Entretanto, a questão central é a necessidade de estabelecer uma nova relação entre os seres humanos e a natureza, adotando um novo modelo de desenvolvimento social e econômico. Esse processo deve, necessariamente, passar pela educação. Uma educação voltada para a justiça social, a proteção da biodiversidade e o desenvolvimento socioambiental sustentável, que garanta a qualidade de vida no planeta e o enfrentamento das desigualdades e da pobreza.
Esses compromissos, que devem ser claros e objetivos, estiveram ausentes no último PNE (2014/2024). Diante do aumento e da gravidade dos problemas ambientais atuais, é fundamental que estejam bem definidos no futuro PNE (2024/2034). Essa necessidade se reforça com os compromissos da educação e a proteção do meio ambiente, que estão claramente estabelecidos em documentos de organismos internacionais, na legislação brasileira e, por exemplo, no atual Plano Plurianual (PPA) do governo federal.
No entanto, a proposta do novo PNE (PL 2614/2024), enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional, revela-se, em alguns aspectos, insuficiente, imprecisa ou até mesmo incongruente com a atual legislação ambiental brasileira existente. De certa forma, ela não atende adequadamente à importância, abrangência e urgência da questão ambiental, que está claramente evidenciada nas leis e normas vigentes.
Compreende-se que a oferta de educação ambiental na formação educacional da população deve ser uma prioridade fundamental, manifestando um compromisso claro e metas bem definidas no novo PNE. Assim, considerando o que está contido no texto do PL 2614/2024, mesmo que a temática apareça como uma diretriz no planejamento da educação nacional (art. 3º, inciso X, do PL), as diversas menções que buscam incluir a educação ou questões ambientais no planejamento decenal necessitam de maior objetividade. Essas menções são apresentadas de forma pouco clara nas escassas estratégias sobre o assunto e, especialmente, carecem de uma organicidade entre os objetivos e as metas.
Um aspecto positivo do PL 2614/2024 é a estratégia que aborda os profissionais da educação básica. Essa estratégia busca incentivar que os cursos de licenciatura e de formação continuada incluam, de maneira sistemática e permanente, áreas como educação integral e educação ambiental, entre outras mencionadas no texto. Contudo, é importante notar que essa abordagem necessita de melhorias, considerando sua natureza restritiva ao tratar a educação ambiental como uma subcategoria da educação integral, referente à educação básica. Além disso, é relevante destacar que as diretrizes estratégicas relacionadas à educação ambiental se mostram insuficientes, uma vez que não estabelecem prazos para alcançar os objetivos propostos.
Conclusão
As carências, preocupações e omissões aqui apresentadas, e que devem nortear o trabalho de pressão do movimento educacional brasileiro comprometido com um modelo de educação mais progressista, junto ao Parlamento, a fim de aperfeiçoar o texto do PL do novo PNE, devem, portanto, se ater aos seguintes aspectos:
(i) Parcerias público-privadas estão previstas e não podem capturar o novo PNE aos interesses privatistas da educação;
(ii) Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) deve ser aprimorado e implementado em articulação com o novo PNE;
(iii) Violência de gênero e orientação sexual devem constar no novo PNE, mas não aparecem no PL;
(iv) Proteção ambiental com desenvolvimento sustentável (Eixo 7 da Conae) deve ser melhor trabalhada no PL;
(v) Metas intermediárias e mais ajustadas ao atraso do PNE 2014-2024, de modo a não deixar para trás todo o acúmulo lá previsto;
(vi) Efetiva valorização de todos os profissionais da educação deve merecer mais atenção;
(vii) Instâncias de gestão precisam orientar leis orçamentárias para o cumprimento das metas; e, por fim,
(viii) Reduzir prazo do CAQ e avançar na regulamentação dos novos custos do Fundeb.
Os principais desafios, posto esse quadro mais geral, devem se atentar, então, às preocupações referentes à superação das travas fiscais que podem, em última instância, e repetindo as experiências passadas com os PNEs passados, inviabilizar também esse PNE. As pautas centrais dessas travas incluem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), os limites do novo Arcabouço Fiscal e as tentativas de flexibilização do piso constitucional da educação. A ação dos sindicatos de trabalhadores de educação e de todo o conjunto do movimento educacional brasileiro mais comprometido com uma educação progressista devem se centrar na proposição de emendas aos parlamentares à luz do que foi construído na Conae-2024, além de mobilizar a categoria e a comunidade educacional de uma forma geral para disputar esse novo PNE e incidir de forma mais eficaz no seu debate no Congresso Nacional.
Heleno Araújo é presidente da CNTE e coordenador do FNE.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 05 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Projeto de Lei nº 2.614 de 2024. Aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2024-2034.
CONFERÊNCIA NACIONAL DA EDUCAÇÃO (Conae). Documento Final. Brasília, DF: MEC, 2024.
FÓRUM NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Documento de análise do Projeto de Lei nº 2.614/2024 à luz do Documento Final da Conae/2024. Brasília, DF, 2024.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS ANÍSIO TEIXEIRA – INEP. Relatório do 4º Ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação, Brasília: MEC/Inep, 2022.