Política

Como Lula afirmou recentemente, a riqueza mineral brasileira deve ser tratada como uma questão de soberania nacional, o que não nos impede de negociar com outros países – Estados Unidos incluídos

Lula na Assembleia Geral da ONU. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Para desespero dos bolsonaristas que trabalharam contra a economia e a soberania nacional e hoje felizmente estão isolados, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem emitido sinais efetivos de abertura para dialogar com o presidente Lula e negociar com o Brasil. Depois da anunciada “química” entre ele e Lula durante a Assembleia Geral da ONU, do cordial telefonema de ambos e do convite para a ida do chanceler Mauro Vieira para conversar com o secretário de Estado, Marco Rubio, Trump citou a “boa conversa” com o Brasil durante uma reunião com o colega argentino – logo ele, Javier Milei. Trump, não poderia deixar de ser, ainda soltou algumas diatribes contra o Brics, pois sabe que trabalhar para enfraquecer o bloco é uma forma de lutar contra o inevitável na disputa pela hegemonia mundial: o multilateralismo, a perda de relevância do dólar e a diversidade de potências que ascenderam, como China, Índia, Brasil e outras nações. Os esbravejos de Trump, porém, não apagam o mais importante, que é a capacidade demonstrada pelo governo brasileiro de manter a firmeza e a independência, e ao mesmo tempo aproveitar as oportunidades que surgiram no episódio do tarifaço imposto pelo governo norte-americano. E é de oportunidades que precisamos falar.

Os canais restabelecidos, mesmo com as evidentes diferenças políticas, abrem possibilidades concretas de negociação e cooperação em áreas-chave. Uma delas são os minerais críticos e estratégicos, matéria-prima disputada na transição para uma energia verde. Para quem não tem obrigação de saber, minerais críticos, ou minerais de terras raras, são aqueles cuja disponibilidade atual é limitada, e a exploração é considerada necessária para assegurar a transição energética, já que são essenciais para a fabricação de peças e equipamentos associados à energia verde. Há demanda, por exemplo, por cobre nas usinas eólicas, por silício para os painéis fotovoltaicos, por níquel e lítio para as baterias, por bauxita e alumina (óxido de alumínio) para os cabos de transmissão. Esses elementos químicos são também fundamentais para a indústria de alta tecnologia em geral, com aplicações que vão de smartphones e turbinas eólicas a mísseis supersônicos. Os acordos climáticos e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia geraram uma corrida dos países desenvolvidos por maiores reservas, já que é preciso muito mais minério para produzir a mesma capacidade de energia de origem fóssil. A demanda por esses minérios deve crescer 1,5 mil por cento até 2050, segundo relatório da Unctad, a agência da ONU para o comércio e o desenvolvimento. É muito maior do que a produção global consegue dar conta atualmente.

Na geopolítica da transição energética, o Brasil pode ter um papel de destaque. Afinal, o país os tem em abundância, enquanto o mundo precisa deles urgentemente. Há também uma clara necessidade de diversificação do setor, sobretudo no caso das terras raras. Como recentemente lembraram em artigo publicado no jornal O Globo os diplomatas James Story e Ricardo Zúñiga – ambos com o currículo de quem ocuparam o cargo de cônsul-geral dos Estados Unidos, respectivamente no Rio de Janeiro e em São Paulo – “a China domina a cadeia de abastecimento de que todos os países precisam para alimentar o século 21”: produz 69% das terras raras do mundo, processa 90% e é responsável pelo processamento de quase 99% das pesadas, controlando o fornecimento de ímãs especializados e outros bens industriais vitais. A China também concentra 80% da capacidade global de produção de células de bateria e mais da metade do processamento mundial de lítio e cobalto. Com medo dos chineses, é de interesse dos Estados Unidos que outras nações construam relações e cadeias de abastecimento alternativas que proporcionem acesso às matérias-primas e à capacidade de refiná-las.

O Brasil tem a segunda maior reserva mundial de terras raras. As restrições da China às suas reservas enfureceram Trump, que retaliou com 100% de tarifas para produtos chineses. O presidente Lula tem, acertadamente, sinalizado abertura a negociações sobre minerais, mas o fez com equilíbrio, unindo aproximação com altivez, sem rendição, como faria a extrema direita brasileira e sul-americana. Ele sabe que o Brasil está em posição estratégica para ajudar o mundo a diversificar as cadeias de suprimento de terras raras e outros minerais críticos e pode emergir como novo líder global no desenvolvimento do setor. Mas não precisa fazer isso nem confrontando os chineses, muito menos se rendendo acriticamente aos norte-americanos ou europeus. Como Lula afirmou recentemente, a riqueza mineral brasileira deve ser tratada como uma questão de soberania nacional, o que não nos impede de negociar com outros países – Estados Unidos incluídos. Cooperação com soberania, eis o princípio elementar.

Ao fazer dessa forma, o presidente evita repetir o que se tornou comum em séculos de nossa história: em geral, nossas elites não só se submeteram aos países ricos como ajudaram a fazer do Brasil um mero fornecedor de matérias-primas, aprofundando o atraso econômico. Assim foi a composição clássica da divisão internacional do trabalho, vigente em grande medida entre os séculos 15 e 19. Nos primeiros séculos, às metrópoles, ou países desenvolvidos, cabia a produção e a exportação de produtos manufaturados, de maior valor agregado; as colônias, ou países subdesenvolvidos, eram responsáveis por fornecer matérias-primas, metais preciosos e produtos primários, além de consumirem os produtos das metrópoles. Essa divisão se manteve e se aguçou após a primeira Revolução Industrial: os países industrializados produziam e exportavam bens industriais e os países em desenvolvimento continuaram a atuar como meros exportadores de matérias-primas e alimentos para os países ricos e industrializados. Hoje, como sabemos, a produção industrial se deslocou para regiões com menores custos de mão de obra, como o Sul Global, mas sem que o controle tecnológico saísse das nações desenvolvidas – com exceção da China, que em muitos setores já até superou os países desenvolvidos.

O Brasil, como tem sabiamente defendido o governo brasileiro, não pode se restringir a ser um mero exportador de minerais, nem se limitar a ser um satélite de qualquer bloco econômico ou político. Queremos que tenha valor agregado aqui no Brasil, simples assim, razão pela qual é preciso cuidado para não ocorrer com os minerais críticos o que ocorre com o minério de ferro. Ao mesmo tempo, temos oportunidade de transformar essa riqueza numa riqueza para a humanidade, sob controle brasileiro. Sem, portanto, trocar nossa independência pelos minerais críticos. Porque uma política externa independente e ativa defende os interesses nacionais, seja nas relações com Estados Unidos, União Europeia, Japão, Rússia, China, o Sul Global ou o Brics, sempre com o objetivo de viabilizar nosso desenvolvimento nacional e nossa soberania financeira e tecnológica.

Qualquer coisa diferente disso é fantasia difundida por setores da direita, incapazes de defender nossas empresas e nossos empregos, perdidos na mesquinharia eleitoral e traidores envergonhados da soberania e da democracia do Brasil.

José Dirceu é advogado e militante político, foi ministro da Casa Civil.