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Para consolidar os avanços do governo Lula é preciso incorporar a sustentabilidade ambiental

Para consolidar os avanços do governo Lula é preciso incorporar a sustentabilidade ambiental, atribuir à região um papel que vá além do fornecimento de mão-de-obra e matérias-primas e altere o atual caráter predatório do uso dos recursos naturais

O governo Lula goza de uma imagem positiva perante a sociedade brasileira, como demonstram sucessivas pesquisas de opinião e processos eleitorais, sob diferentes aspectos: níveis de crescimento; geração de emprego e renda; elevação do salário mínimo; combate à pobreza e às desigualdades sociais e regionais; expansão do crédito para amplos setores populares e com ela a constituição de um mercado interno de massas; democratização do acesso aos serviços públicos como direito dos cidadãos; política exterior soberana, pacífica e atuante na articulação dos países do Sul, nos fóruns mundiais; defesa dos Direitos Humanos; reconhecimento e estímulo ao respeito à diversidade étnica e cultural do país etc.

Mas pode passar para a história como um governo que manteve o caráter predatório do uso dos recursos naturais que marcou os ciclos de desenvolvimento anteriores, ao longo do século 20. Ou seja, não incorporou a dimensão da sustentabilidade ambiental à cultura do novo ciclo. É necessário tratar esse desafio com a dupla face com que ele se apresenta.

Em primeiro lugar, trabalhar com o rigor e a agilidade necessários, instrumentos relevantes de que dispõem o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, a Agência Nacional de Águas, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – (ICMbio), para incidir sobre o processo – o licenciamento ambiental e a outorga na área dos recursos hídricos num país que hoje sofre forte pressão sobre seus ativos ambientais, sob dois aspectos: a necessidade de construção e recuperação de obras de infraestrutura e a expansão dos campos de cultivo voltados para a produção de agroenergia por meio da tecnologia dos biocombustíveis.

Em ambos os casos é indispensável responder a uma questão de fundo: como a Amazônia brasileira será incorporada ao novo ciclo de desenvolvimento? Em termos concretos de políticas públicas em andamento: como conferir o equilíbrio entre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que consolida as ações do Estado brasileiro para dotar o país da infra estrutura necessária ao novo ciclo, e o Plano Amazônia Sustentável (PAS), que busca incorporar a ele a indispensável dimensão da participação popular e a sensibilidade socioambiental? Ou o Brasil vai atribuir à região, no século 21, o mesmo papel que vem sendo imposto a ela desde que os portugueses estabeleceram as bases do Forte de Santa Maria de Belém do Grão Pará: qual seja, de fornecedora de mão-de-obra, energia e matérias-primas para o desenvolvimento das outras regiões do país, ou dos nossos parceiros comerciais estrangeiros?

Para responder adequadamente a essa questão de fundo é necessária uma ação coordenada e urgente, considerando o volume e a velocidade da expansão da economia no país e, particularmente, na região – registre-se que a região amazônica vem crescendo nos últimos anos a taxas superiores à média nacional. Assumir definitivamente como parte inseparável do novo ciclo a implementação do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) na Amazônia, numa ação coordenada com estados e municípios, com prazos e responsabilidades definidos entre os entes federados; agilizar e conferir maior rigor aos processos de licenciamento e outorga ambiental – temos legislação em vigor para alcançar esse objetivo; concluir no Congresso a tramitação do projeto que regulamenta o Art. 23 da Constituição Federal; investir no estímulo à recuperação de áreas degradadas em regiões já consolidadas e incorporá-las ao cultivo das três commodities que exercem maior pressão sobre os ativos ambientais da região: pecuária, soja e, em menor escala, cana-de-açúcar.

Em segundo lugar, comunicar com eficiência o que vem sendo realizado pelo governo por meio das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável. As ações de comando e controle e as políticas estruturantes com o objetivo de “incorporar a sustentabilidade socioambiental à cultura do novo ciclo de desenvolvimento”. Para que o Brasil possa dizer ao mundo de maneira consistente: crescemos com democracia; crescemos com distribuição de renda; e crescemos utilizando com racionalidade e de forma soberana os recursos naturais de que dispomos.

O presidente Lula, há alguns meses, afirmou categoricamente na reunião da FAO, em Roma: “Os dedos que apontam os biocombustíveis como causa da crise de alimentos no mundo estão sujos de óleo e de carvão” Poderíamos acrescentar: a especulação financeira criminosa jogou com a fome de milhões de seres humanos, em meados de 2008. Contribuiu de forma relevante para agravar, ao lado do subsídio ao etanol à base de milho sustentado pelo governo Bush, a escassez da oferta de alimentos.

Tudo isso diante da indiferença dos condutores das economias centrais do capitalismo.A partir de setembro a especulação sistêmica levou à bancarrota o sistema financeiro anglo-saxão, com as consequências conhecidas para toda a economia mundial. Em questão de dias foi mobilizada uma impressionante montanha de recursos nas economias centrais do mundo, para salvar esse mesmo sistema financeiro causador da crise. Ou, como disse a economista Maria da Conceição Tavares: “O sistema circulatório do capitalismo entupiu. É preciso agir rápido para evitar a trombose...”

As forças de esquerda, por meio dos seus instrumentos institucionais – as bancadas na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais – e do diálogo com os movimentos sociais dos trabalhadores,devem realizar um esforço para incorporar a pauta do desenvolvimento sustentável ao debate na sociedade.

Ela pode se tornar um elemento distintivo do ponto de vista programático com relação aos nossos adversários da direita. Esse esforço adquire maior relevância neste ano em que nos preparamos para avaliar os oito anos do governo Lula e seus significados para o Brasil e para o continente e para produzir a necessária atualização programática para as disputas em torno do novo projeto de país para o século 21.

Hamilton Pereira (Pedro Tierra) é militante do PT, ex-presidente da Fundação Perseu Abramo.