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É preciso conciliar os interesses econômicos, ambientais e sociais no processo decisório. Meio ambiente não é entrave ao crescimento, é elemento constitutivo do desenvolvimento

O debate entre desenvolvimento e meio ambiente foi retomado com grande força na atualidade. Antes da década de 1970, a percepção dominante no setor produtivo era de que os ambientes naturais constituíam fontes inesgotáveis de matérias-primas. Essa visão refletia, em última análise, as matrizes do pensamento liberal e socialista do século 19 – Adam Smith e Marx –, que viam a natureza como fonte ilimitada de recursos. A partir de 1970, com a crise do petróleo, ganhou corpo na comunidade internacional a idéia de que haveria uma incompatibilidade entre crescimento e meio ambiente, face à consciência crescente de que os recursos são esgotáveis.

No Brasil, a industrialização vivia um período de consolidação dos investimentos públicos e privados iniciados nos anos 1930. Os impactos ambientais das grandes obras de infra-estrutura e das indústrias de siderurgia, petróleo e carvão mineral refletiam claramente a falta de preocupação dos governos e empresas em promover o crescimento com proteção ambiental.

Graças a essa vigorosa política de implantação de infra-estrutura industrial e de substituição de importações, o país atingia o auge do milagre econômico com taxas de crescimento de 10% ao ano. O modelo desenvolvimentista defendido pela tecnocracia militar fez com que o Brasil saísse da Conferência de Estocolmo, em 1972, com a idéia de um país que pregava o desenvolvimento a qualquer custo. Nessa época, a política ambiental nacional foi relegada a segundo plano, não existindo um conjunto de ações e políticas integradas para moldar a relação do homem com o ambiente. Apenas na década seguinte, com a aprovação em 1981 da Política Nacional de Meio Ambiente, a situação começa a mudar. O mundo se debatia com a seguinte pergunta: como conciliar atividade econômica e conservação do meio ambiente?

Nos anos 1980, ganhou força a visão de ecodesenvolvimento, que trouxe uma contribuição significativa ao se preocupar com a qualidade do crescimento e com princípios de crescimento econômico baseados em estruturas técnicas e produtivas que minimizem a destruição ambiental e a desigualdade social e maximizem a saúde e o bem-estar. O dilema do desenvolvimento não está em crescer ou não crescer, mas sim em como crescer, o que implica uma mudança qualitativa das estruturas produtivas, sociais e culturais da sociedade.

<--break->Essa visão foi fortalecida quando a Comissão Brundtland, criada pela ONU em 1983, divulgou a expressão “desenvolvimento sustentável”. Essa comissão recomendou que a Assembléia Geral da ONU convocasse a II Conferência Internacional sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, a ECO 92. A emergência de um novo paradigma fez com que os termos sustentabilidade e uso sustentável dos recursos naturais passassem a ser utilizados como chavões nos discursos e preâmbulos de projetos governamentais.

No caso da política de energia no Brasil, a busca de sustentabilidade de um modelo energético é um dos principais desafios, visto que a energia é um dos insumos básicos para o crescimento econômico e abrange complexos impactos ao meio ambiente, desde locais até problemas de ordem global. A energia não é apenas um componente da infra- estrutura industrial de um país; faz parte de um estilo de vida da sociedade moderna, que inclui atividades cada vez mais dependentes desse insumo, para satisfazer suas necessidades materiais e culturais.

A razão pela qual a energia contribui substancialmente para a degradação ambiental se explica pela utilização de combustíveis fósseis (carvão e petróleo). A produção e uso dessa energia é responsável pela quase totalidade das emissões do principal gás do efeito estufa – o CO2. Anualmente, cerca de 6 bilhões de toneladas de carbono são lançadas à atmosfera pela queima de combustíveis fósseis, uma quantidade muitas vezes superior à capacidade do nosso ecossistema de promover sua reciclagem natural.

A utilização global de energia cresce consideravelmente e deverá dobrar nos próximos trinta anos, a prosseguirem as tendências atuais. As principais conseqüências dessa evolução podem ser o aumento do consumo de combustíveis fósseis e a resultante poluição ambiental no plano local e global. Aproximadamente 30% da população mundial usa cerca de 70% da energia – é evidente que essa concentração se localiza nos chamados países industrializados. Só os EUA consomem um terço da energia do mundo, o que mostra que esse modelo não pode ser imitado.

A superação desse modelo insustentável requer o uso de fontes múltiplas de energia, notadamente fontes renováveis, sobretudo as mais modernas, como eólica, solar, de hidrogênio e biomassa. No Brasil, segundo dados do Balanço Energético Nacional, 43,9% do suprimento doméstico de energia vem de renováveis, enquanto nos países industrializados, apenas 6%. Desses 43,9%, os derivados de cana-de-açúcar correspondem a 13,5% e estão em ascensão desde 2000.

Apesar de atrativas do ponto de vista ambiental, as energias renováveis têm certas limitações que afetam sua aplicabilidade em larga escala. A primeira delas é seu custo, geralmente superior ao das energias fósseis convencionais ou da energia hidrelétrica. Esse problema pode ser resolvido, do ponto de vista econômico, pois, à medida que cresce o uso de energia renovável, seu custo cai. O grande desafio reside na difícil disseminação das tecnologias renováveis, bem como na transferência dessas tecnologias e sua aceitação pelas populações locais.

A Conferência Internacional sobre Energias Renováveis, realizada na Alemanha em 2004, teve como objetivo a formação de condições políticas estruturantes que permitissem o desenvolvimento de um mercado de energias renováveis. O Brasil propôs um conjunto de princípios voltados para o desenvolvimento sustentável, em favor da implantação de programas que estimulem as energias renováveis junto com a geração de emprego e renda, abrindo uma nova fronteira na atividade econômica, principalmente para países como o nosso, que apresentam vantagens competitivas para o crescimento do uso de combustíveis renováveis.

Anteriormente, na Conferência Rio+10, ocorrida em Johannesburgo em 2002, o governo brasileiro propôs que 10% do uso mundial de energia tivesse como origem fontes renováveis. É verdade que não aplicou internamente essa proposta, mas implementou iniciativas como o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) e a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que visam ampliar a matriz energética por meio do uso de fontes alternativas de geração de energia, que vão desde pequenas centrais hidrelétricas até incentivos à biomassa. No entanto, um dos grandes problemas existentes no setor elétrico brasileiro é a falta de integração entre a política energética e a ambiental, o que dificulta o atendimento das necessidades energéticas do país de forma sustentável.

<--break->Organizações não-governamentais e movimentos sociais apontam a falta de um processo transparente e democrático nas decisões das políticas e projetos energéticos no Brasil. Eles ressaltam que não é possível construir um modelo energético sustentável em um modelo socioeconômico insustentável. Para definir uma estratégia de desenvolvimento energético sustentável, é necessária uma análise mais qualitativa das decisões, que não priorize fatores econômicos de curto prazo em detrimento de fatores ambientais e sociais com um horizonte de médio e longo prazo.

Na verdade, a busca de um modelo sustentável para o setor elétrico brasileiro é repleta de divergências e contradições. O modelo tradicional brasileiro ainda está longe de ser sustentável. As grandes obras de hidrelétricas trazem benefícios econômicos, mas podem causar impactos socioambientais significativos. A construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCH) é uma alternativa para mitigar tais impactos. As termelétricas a gás natural produzem impactos mais reduzidos, mas não chegam a ser um modelo sustentável. A energia nuclear, além do custo elevado, traz altos riscos de acidentes e sérios problemas com rejeitos, até hoje insolúveis. O uso de combustíveis fósseis, apesar dos benefícios econômicos, produz grande poluição do solo e da água e é um dos principais responsáveis pela poluição atmosférica e pelo efeito  estufa.

Por outro lado, a biomassa tem a vantagem de anular o efeito estufa, já que o replantio da cultura utilizada significa crescimento da área verde. Porém, o problema da escala de uso pode gerar desmatamento, e o que inicialmente é um benefício poderá no futuro trazer grandes impactos ambientais, se não forem definidos critérios de controle. Uma estratégia de desenvolvimento sustentável no setor energético pede maior direcionamento de investimentos em energias renováveis, especialmente a biomassa e energias alternativas.

A definição de uma política energética sustentável não deve ser pautada priorizando interesses econômicos em detrimento de interesses socioambientais. Ela deve ser, sobretudo, integrada com as políticas ambientais e com a garantia da participação e controle social no seu processo de formulação e implementação. Afinal, está em jogo o destino das populações futuras.

É importante observar que o horizonte temporal dos políticos e empresários é, geralmente, de curto prazo. Os políticos têm mandatos curtos e os empresários almejam maior lucro em menor período possível. A busca da sustentabilidade energética exige um horizonte de longo prazo. É preciso buscar a conciliação dos interesses econômicos, ambientais e sociais no processo decisório. Meio ambiente não é entrave ao crescimento, é elemento constitutivo do desenvolvimento.

Resta uma pergunta, em geral relegada a segundo plano: produzir energia para que e para quem? Será que vale a pena destruir recursos naturais para produzir energia destinada a fabricar mercadorias que vão prejudicar a saúde humana e poluir o ambiente? O critério não pode ser o de mercado, voltado à obtenção de lucro. Nem apenas o político, condicionado pelo calendário eleitoral. O Estado, com participação da sociedade, deve assumir uma postura não apenas quantitativa, mas também qualitativa.

O esgotamento, ainda neste século, da principal matriz energética, baseada em combustíveis fósseis, deve gerar não apenas uma crise econômica, mas uma crise ecológica que aponta para uma verdadeira crise de civilização. Seu enfrentamento passa por uma questão política e ética fundamental: pensar uma política energética a partir do interesse nacional de longo prazo, voltada ao desenvolvimento sustentável, visando ao atendimento das necessidades das futuras gerações.

Liszt Vieira é professor da PUC-Rio, doutor em Sociologia pelo Iuperj. Atualmente é presidente do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Renato Cader é gestor governamental do Ministério do Planejamento, doutorando em Ambiente e Sociedade na Unicamp