A greve é para o trabalhador um salto que vai além dos estreitos marcos de sua individualidade rumo à construção coletiva, quando sua voz é ampliada e tem a oportunidade de dizer que não trabalha mais sob determinadas condições.
Momento de conscientização política, é um grito de liberdade diante da opressão. Uma opção pessoal pela qual o trabalhador muitas vezes é duramente reprimido, chantageado e assediado moralmente, ocasionando não raras vezes graves conflitos familiares. Dizendo respeito à vida particular de cada um, é confronto que se estabelece com os detentores do capital, que usam e abusam de seus instrumentos de coação e cooptação, seja financeira ou ideológica, para fazer valer a lei do mais forte.
Como condenar o cruzar de braços de um canavieiro após o corte de 15 toneladas, que viu o companheiro morrer de estafa; de um bancário, que garante a mais alta lucratividade do mundo ao setor financeiro e recebe minguados salários; de um trabalhador da alimentação da Cargill, lesionado pelo ritmo intenso nos frigoríficos; ou de um funcionário municipal, cujo prefeito sequer aceita sua sindicalização; de um professor ou enfermeiro que recebem R$ 500 por mês?
Desconsiderando essas premissas democráticas básicas e estimulada pela postura preconceituosa e anti-sindical ainda existente em certos segmentos da sociedade, a Advocacia Geral da União (AGU) enviou projeto de lei à Casa Civil propondo a regulamentação da lei de greve. Prontamente, o cadáver ditatorial foi abraçado pela grande mídia, cujos donos insistem em pautar e impor o programa neoliberal derrotado nas últimas eleições.
Reconhecemos os inegáveis avanços obtidos com o governo Lula, que pôs fim ao processo de desmonte e começou a colocar o Estado como indutor do desenvolvimento, contemplando demandas negadas e represadas durante os anos tucanos. Mas o fato é que ficaram expectativas pelo caminho, que necessitam ser satisfeitas, gerando conflitos...
A AGU propõe medidas draconianas, como a multa a sindicatos, a necessidade de assembléia com a presença de dois terços da categoria para decretar greve, a classificação de todos os serviços como essenciais e a exigência de que 40% dos trabalhadores permaneçam em seus postos. Como era de se esperar, tal acinte navega com os ventos da grande mídia e arranca aplausos dos pitbulls do neoliberalismo do PSDB e do DEM/PFL.
Submeter o funcionalismo público federal, estadual e municipal, nas próximas décadas, a uma lei tão estapafúrdia significa impedir qualquer possibilidade de resistência dos trabalhadores desses segmentos. Afinal de contas, a eleição de Lula foi um avanço, mas a conquista da democracia é um processo que certamente não vai se esgotar neste governo.
Desafio os autores desse projeto a adentrar em escolas públicas ou postos de saúde deste país – não durante 30 anos –, apenas por alguns dias, para verificar por que as greves ocorrem.
Qual é a situação do funcionalismo hoje ? São trabalhadores sem direito à negociação coletiva, cuja imensa maioria ganha mal, submetidos à miserabilidade. Seus sindicatos não são ao menos recebidos pela maioria dos governadores e prefeitos. Muitos deles pressionam a base, não admitindo sequer que se associem ao sindicato – como no caso de Rondônia, onde o governador Ivo Cassol mandou abrir uma CPI contra o Sindicato dos Trabalhadores em Educação, chegando ao cúmulo de cortar o desconto em folha das mensalidades dos associados. Os tucanos Aécio Neves e José Serra bebem na mesma fonte autoritária, como demonstram as recentes repressões aos protestos em Minas e as demissões no Metrô de São Paulo.
Diante dessa dura e crua realidade, regada a salários ínfimos, fica fácil explicar as razões de tantas greves no funcionalismo. Paralisações que se transformam em penosas jornadas, trazendo graves conseqüências à sociedade, aos servidores e suas famílias. Como não há prejuízo econômico para os governos, a maioria deles aposta – com sua lentidão – em matar o movimento de inanição, manipulando com a mídia os sentimentos da sociedade, transformando as vítimas em culpados.
O discurso que procuram disseminar, de que a baixa qualidade dos serviços oferecidos é culpa dos profissionais, é inaceitável. Usar o argumento apelativo de que é a população pobre quem mais precisa desse atendimento é manipulação grotesca. Sabemos disso mais do que ninguém, mas é fato que a responsabilidade pela precarização dos serviços públicos é da elite, que nunca se preocupou com os pobres que necessitam desses serviços. Precarização agravada pelos oito anos de governo neoliberal dos tucanos e pefelistas.
A exigência da presença de dois terços de uma categoria em assembléia para a aprovação de uma greve implicaria a mobilização de dezenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras, o que tornaria praticamente impossível sua realização. Uma categoria de 200 mil, por exemplo, precisaria colocar quase 140 mil em assembléia. Se esta categoria for estadual, seria praticamente impossível mobilizar; se fosse nacional, estaria anulada a possibilidade de greve. Além do mais, se uma categoria conseguisse juntar numa única assembléia tanta gente seria desnecessário fazer a paralisação, pois o governo estaria praticamente sitiado.
Para a defesa e a ampliação do direito a negociação e organização sindical de todos os trabalhadores, tanto do setor público quanto privado, defendemos a ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre liberdade sindical (Convenção 87, de 1948); direito de sindicalização e negociação coletiva (Convenção 98, de 1949); garantias a toda organização que tenha por fim promover e defender os interesses dos trabalhadores da função pública (Convenção 151, de 1978); e da que trata da proteção contra o término injustificado do vínculo empregatício, as dispensas imotivadas (Convenção 158). Todas historicamente defendidas pelo PT. É isso que precisa ser urgentemente implantado no Brasil para iniciarmos a democratização das relações de trabalho.
Na Secretaria Sindical Nacional do PT iniciamos uma campanha para humanizar o mundo do trabalho, que, entre outras bandeiras, defende o fim da atividade informal e a regularização do trabalho de adolescentes; o fim da exploração das mulheres e da discriminação por raça e etnia; propõe a geração de mais empregos com carteira assinada e a redução da jornada.
Temos a convicção de que é preciso serenidade e cautela para que não acabemos disseminando na sociedade um sentimento de aversão ao que é público, tão ao gosto dos neoliberais. Portanto, a hora é de romper definitivamente com o passado de mordaça e algemas, descortinando um novo tempo de desenvolvimento e justiça, garantindo direitos e fortalecendo conquistas.
João Antônio Felício é secretário Sindical Nacional do PT e secretário de Relações Internacionais da CUT