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PT foi submetido à pior prova da sua história. Sai da mais longa e violenta campanha eleitoral machucado

O PT foi submetido à pior prova, até aqui, da sua história. Sai da mais longa e violenta campanha eleitoral machucado – não pelos resultados, mas pela reversão de sua imagem pública. Uma nova oportunidade foi conquistada. O que fazer com ela?

As eleições mostraram que algo de novo e muito profundo está se passando no Brasil, não prognosticado nem pelo PT, nem por ninguém. O certo é que a derrota da direita não foi apenas uma derrota política, mas ao mesmo tempo uma derrota social e midiática. A esquerda conta com um novo governo Lula para conseguir dar ao segundo mandato um caráter claramente de esquerda, fazendo justiça aos setores populares, que nunca se deixaram levar – mesmo nos momentos álgidos da crise – pela campanha terrorista da direita, multiplicada pela mídia oligopolista privada. Eles são socialmente os vencedores, a eles Lula disse que seu segundo governo assumirá nitidamente a prioridade dos pobres.

Qual o papel do PT hoje, depois da crise e na iminência dos desafios do segundo governo Lula?

O PT tem, antes de tudo, de fazer um balanço político dos erros cometidos que não se limite a isso, mas desemboque numa nova concepção do papel do partido. O que significa ser o partido do socialismo do século 21? Que relação deve ter com os movimentos sociais e culturais? Que papel deve ter a militância dentro do partido?

O PT precisa assumir que o papel de um partido na atual etapa histórica é dar direção política e ideológica, enfatizando o trabalho de elaboração teórica, de análises de conjuntura, de formação política e de divulgação. Suas estruturas, seu funcionamento interno devem estar adequados a essas funções.

Qualquer que seja a nova feição organizativa que tenha o PT, adquirir um novo impulso histórico não é apenas ter uma nova fisionomia ideológica e política. Provavelmente o maior desafio – problema e ao mesmo tempo solução – é trabalhar para a organização dos imensos e majoritários setores sociais pobres e miseráveis, que deram a formidável vitória a Lula. São setores afetados pelas políticas sociais do governo que souberam distinguir as diferenças essenciais entre a vida nos governos anteriores e neste, mas ainda não estão organizados, não têm a capacidade de se auto-representar, de se fazer ouvir, de constituir uma nova opinião pública, democrática, desde baixo.

Já no Congresso do Recife se notava uma mudança significativa na composição interna dos membros do PT, com um deslocamento social e etário importante, que nos afastava de bases populares e dos jovens. Essa tendência deve ter se acentuado de lá para cá. As questões políticas estão indissociavelmente ligadas às organizativas.

Que estrutura se quer para o partido tem a ver com o que o partido pretende ser. Mas também é indissociável do papel em relação a que setores sociais o partido representa, como está composta sua base social e sua militância. O PT precisa voltar a ser um partido jovem e um partido dos trabalhadores – no sentido mais amplo da palavra, que vai dos subproletários pobres da periferia das grandes metrópoles e do campo aos técnicos e profissionais de todo tipo. Esse é o maior desafio para conquistar um novo vigor.

Para isso é indispensável a retomada rigorosa e sistemática do trabalho teórico, investigativo, de formação política, antes de tudo para nos reapropriarmos das condições econômicas, sociais e culturais concretas do Brasil realmente existente, depois das transformações regressivas da década anterior e daquelas introduzidas pelo governo Lula. (Uma boa indicação de leitura é o recém-publicado livro de Mike Davis, Planeta Favela, e em geral os artigos de Marcio Pochmann, a melhor pessoa para dirigir um trabalho desse tipo.) Essas são as bases sociais e de trabalho para que o PT possa ser o partido do socialismo do século 21 no Brasil.

Emir Sader é sociólogo, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.