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A prisão de Lula faz parte da estratégia de desqualificar a esquerda e fortalecer os candidatos neoliberais para impedir a eleição de alguém capaz de interromper esse projeto de desmonte do Estado

O modelo de Estado, com forte viés liberal e fiscal, defendido pelo atual governo e pelos candidatos do chamado “centro” político, caso continue a ser implementado pelo próximo presidente da República, levará inexoravelmente ao fim da paz social no país.

A primazia do privado sobre o público, como defendem essas forças neoliberais – os poderes e o orçamento do Estado colocados a serviço do direito de propriedade e da garantia de contrato em detrimento do combate às desigualdades –, resultará na redução ou mesmo eliminação do Estado de Proteção Social.

A adoção desse modelo, caracterizado pelo esvaziamento das políticas públicas e dos programas sociais, produz o Estado oco1, entendido como tal aquele que não cuida mais da provisão direta de bens e serviços à população.

Nesse modelo, o Estado sofrerá uma mudança importante de paradigma, tanto no atendimento das necessidades básicas da população, mediante políticas públicas e programas sociais, quanto na regulação.

No primeiro caso, a cobertura de políticas públicas e programas sociais ficará limitada, se tanto, aos temas clássicos – como saúde, educação, segurança e justiça –, e tais serviços deixarão, gradativamente, de ser prestados diretamente, sendo contratados no setor privado, passando o governo à condição de mero intermediador.

No segundo caso, que envolve o campo da regulação, o Estado se voltará para “desregulamentar direitos e regulamentar restrições”, ou seja, aquilo que for obstáculo ao livre mercado será retirado da lei, para favorecer e facilitar o capitalismo sem risco, mas tudo que for para criar direitos para os cidadãos ou obrigação para as empresas ou para o Estado será proibido na lei, como a Emenda Constitucional 95, que proíbe a expansão do gasto público com despesas não financeiras.

O Estado oco, tal como aqui apresentado, não terá condições de cumprir as funções que a Constituição lhe delega, que devem garantir o equilíbrio político, econômico e social, e, especialmente, dar efetividade aos fundamentos e objetivos da República, sintetizado no combate às desigualdades e às diferenças naturais entre pessoas e entre regiões e de garantir a paz social. Ele é, na verdade, a antítese do próprio Estado constitucionalmente definido atualmente.

Para dar cabo a esse desenho de Estado, que aliás já está em curso, as forças neoliberais providenciaram dois impeachments – um da presidenta Dilma Rousseff, e outro, preventivo, do ex-presidente Lula – e, não tenhamos dúvidas, farão tudo o que for possível para eleger um candidato que dê continuidade a esse modelo de desmonte do aparelho de Estado, dos programas sociais e do patrimônio público.

A prisão do ex-presidente Lula faz parte dessa estratégia de desqualificar a esquerda e fortalecer os candidatos neoliberais, valendo-se de um discurso moralista-justiceiro que não tem outra finalidade senão a de impedir a eleição de alguém capaz de interromper esse projeto de desmonte do Estado brasileiro.

Para se contrapor a essa investida em bases neoliberais, é fundamental que se coloquem dois desafios para as forças progressistas: resistência à agenda do atual governo e participação no processo eleitoral.

No primeiro caso para evitar que se concretizem os retrocessos em curso, como a reforma trabalhista, a venda do patrimônio público e o congelamento do gasto público não financeiro, que, caso não sejam interrompidos, levará ao completo desmonte do aparelho de Estado e das políticas sociais.

No segundo caso para se engajar no processo eleitoral e ajudar a sufragar candidatos comprometidos com um Estado capaz de gerar oportunidades e de apontar caminhos para o futuro, tanto no Poder Legislativo quanto no Executivo.

A prevalência do modelo das forças neoliberais representa a entrega aos defensores do poder econômico dos poderes do Estado de: impor conduta e punir seu descumprimento, legislar e tributar. E dependendo do modo como sejam colocados em prática tais poderes poderá haver avanço ou retrocesso nas conquistas do processo civilizatório.

Portanto, ou assumimos o compromisso de resistência e participação acima referido desde já ou haverá risco real de aprofundamento da agenda neoliberal, que transformará o Estado num mero braço do poder econômico, deixando de ser lócus de decisão em favor da maioria.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap