Mundo do Trabalho

Construção civil negocia conjunto de normas para contratação, formação e qualificação profissional, saúde e segurança no trabalho

O crescimento da construção civil no país, impulsionado pelos investimentos do governo federal, acompanhou os mesmos índices da tendência nacional, mas a situação nos canteiros de obras não parece tão promissora. Governo, empresários e trabalhadores sentam à mesa para estabelecer novas condições para o setor

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Canteiro de obras de construção civil de Brasília. Foto: Arquivo ABr

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, em 2009 o setor da construção civil registrou 6,9 milhões de trabalhadores, representando 7,4% do total de ocupados no país. Há perspectiva de continuidade de crescimento – impulsionado especialmente pelos investimentos do governo federal –, como em 2010, quando acompanhou a tendência nacional, com taxa de 11,6%, o melhor desempenho dos últimos 24 anos. Entretanto, os empresários têm afirmado reiteradamente que a escassez de mão de obra pode significar um obstáculo a essa expansão.

Apesar das baixas taxas de desemprego registradas atualmente – se comparadas às da década de 1990, por exemplo –, ainda temos um grande contingente de trabalhadores desempregados no país. Mas então por que os empresários falam em escassez de mão de obra?

Uma possível resposta a essa pergunta depõe contra eles próprios. Os trabalhadores, mais do que qualquer governo, empresário, juiz ou meio de comunicação, conhecem a realidade do mercado de trabalho brasileiro e especificamente a dos canteiros de obras. São eles que têm conhecimento das dificuldades que afetam aqueles que construíram e constroem o país.

O setor da construção civil é um dos que mais registram acidentes de trabalho no Brasil. Essa informação é ainda mais preocupante quando verificada a inserção ocupacional dos trabalhadores nesse segmento, com elevado grau de informalidade e a consequente ausência de proteção social que essa situação acarreta. Do total de ocupados em 2009 (6,9 milhões), mais da metade (4,3 milhões) era de assalariados sem carteira ou por conta própria, de acordo com  o “Estudo Setorial da Construção – 2011” (Estudos e Pesquisas, nº 56, abril de 2011). Disponível em: http://www.dieese.org.br/esp/estPesq56ConstrucaoCivil.pdf )

Os baixos salários também são uma característica marcante, apesar de as atividades exigirem grande esforço físico e conhecimento apurado para ser realizadas. Ainda segundo o Dieese, em 2010, do total de unidades de negociação coletivas acompanhadas pela entidade, metade possuía piso salarial de até R$ 600,00. A baixa remuneração, em grande parte dos casos, obriga os trabalhadores a estender a jornada, em horas extras que resultam em trabalho ainda mais extenuante. Por fim, é comum o terem de se deslocar para outras cidades e morar em alojamentos no canteiro de obras ou em imóvel alugado com outros trabalhadores. Apesar das exigências legais que regulamentam a disponibilidade desses espaços, é sabido que em geral a qualidade da infraestrutura de moradia está longe de cumprir tais normas, ao contrário, muitas são o símbolo das condições precárias e subumanas.

Diante desse quadro, que aponta apenas alguns dos muitos problemas que afetam os trabalhadores da construção civil, podemos pensar o debate sobre a escassez de mão de obra no setor. Com o crescimento econômico ocorrido no país nos últimos anos e a consequente geração de postos de trabalho, o trabalhador pôde buscar oportunidades em outros setores e preterir a construção civil.

Na mesa de negociação  

A situação laboral e o volume de grandes obras previstas para os próximos anos no país exigem uma mudança drástica do padrão de relações de trabalho no setor. A instalação da Mesa Nacional da Construção Civil, espaço de negociação entre trabalhadores, empresários e governo federal, parece ser uma oportunidade para avançar.

Coordenada pela Secretaria-Geral da Presidência da República, a mesa foi implantada após mais um fato grave em canteiros de obras, dessa vez na Usina Hidrelétrica de Jirau (RO). No início de 2011, trabalhadores paralisaram as obras e depredaram parte da infraestrutura disponível no canteiro, incluindo os próprios alojamentos, devido às péssimas condições oferecidas. Diante da constatação de diversas irregularidades pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), a Presidência da República convidou as centrais sindicais e as entidades patronais a constituir a mesa nacional com o objetivo de promover um debate mais amplo sobre o setor. Criada aos moldes da iniciativa que resultou no Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar, a Mesa da Construção também conta com a participação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por intermédio das Secretarias de Relações de Trabalho e de Inspeção do Trabalho.

Nesse primeiro momento foram debatidos e acordados um conjunto de normas para contratação de mão de obra, formação e qualificação profissional e saúde e segurança no trabalho. A continuidade das negociações tratará de representação no local de trabalho e condições de trabalho.

O compromisso firmado busca inviabilizar a participação dos chamados “gatos” nos processos de contratação. A seleção de trabalhadores para grandes obras deverá ocorrer por meio das agências públicas de intermediação de mão de obra, garantindo maior segurança aos trabalhadores quanto às condições do possível contrato e a não cobrança pela participação no processo.

Sobre formação e qualificação profissional, o ponto principal será a elaboração de planos educacionais com a participação dos trabalhadores, além da disponibilidade de cursos gratuitos. Por fim, no que se refere à saúde e segurança, decidiu-se pela constituição de um comitê de gestão responsável por tratar da questão para toda a obra, independentemente da forma de contratação dos trabalhadores. Essa necessidade provém do grande número de trabalhadores terceirizados nos canteiros, que na maior parte dos casos não recebem a mesma atenção quanto aos critérios de saúde e segurança.

O compromisso firmado em torno desses três temas comporá um plano de trabalho por obra, alvo de livre adesão por parte das empresas.

Os próximos pontos a ser debatidos também são de suma importância. A representação no local de trabalho e a preocupação com um ambiente adequado e salubre, além de garantir qualidade de vida aos trabalhadores, são fundamentais para evitar conflitos no cotidiano e para o avanço das relações de trabalho no setor.

Grande parte dos problemas identificados atualmente na construção civil – com intensidade no setor, mas com consequências para o mercado de trabalho brasileiro como um todo – está ligada à ausência de democracia – locais de trabalho marcados pelo autoritarismo patronal, com a exclusão dos trabalhadores dos processos decisórios que podem garantir sua segurança, sua vida. Dessa forma, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), sua representação no ramo da construção civil (Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira – Conticom) e as diferentes representações de trabalhadores no local de trabalho seguirão atuando em diferentes espaços de negociação, visando garantir outro patamar de relações e condições de trabalho no setor, que tenham como foco principal o respeito àqueles que constroem este país.

Manoel Messias Melo é secretário Nacional de Relações de Trabalho da CUT