Getúlio Vargas criou a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, em 1943, para garantir dignidade à vida dos trabalhadores. Entre os direitos assegurados estavam férias, 13º salário, descanso remunerado, salário mínimo, licença maternidade, jornada de trabalho. Ao longo de mais de sete décadas, a CLT passou por várias alterações que foram moldando seu conteúdo às mudanças do mercado de trabalho.
Os trabalhadores, em todos esses anos, sempre identificaram a CLT como um instrumento de proteção numa relação naturalmente desequilibrada pelo maior poder do empregador. No aspecto socioeconômico, ao garantir direitos mínimos e conter normas de proteção, a CLT desempenhou importante função para assegurar um patamar mínimo de dignidade aos trabalhadores. Esse papel protetor foi reforçado com o advento da Constituição Cidadã de 1988, quando o trabalhador passou a ser protegido dentro de uma complexidade principiológica absolutamente distinta daquela que se pôs nas Constituições anteriores. Desses princípios, destaca-se a dignidade da pessoa humana.
Infelizmente, em julho de 2017, a CLT sofreu um dos maiores ataques da sua história com o único propósito de destruí-la. A sanção presidencial da Lei nº 13.467, do governo Michel Temer, conhecida como reforma trabalhista, desestruturou o arcabouço jurídico de regulação do trabalho.
A desordem criada pela nova legislação é enorme. Está provocando grandes perdas à nossa gente. Como eixo mestre, ela adotou o negociado sobre o legislado em detrimento do trabalhador que, por si só, já é um portal para precarização das relações de trabalho. Como exemplo, podemos citar a permissão da negociação coletiva e o acordo coletivo de trabalho versarem sobre o enquadramento do grau de insalubridade e, ainda, a prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho.
São normas de ordem pública por versarem sobre as condições de saúde dos trabalhadores. A aferição do grau de insalubridade depende de técnica e não pode ser vista intuitivamente ou em espaços de negociação.
É claro que uma norma criada para atender o lado mais forte, que sequer respeitou normas que versam sobre a saúde dos trabalhadores, também retirou outros direitos. O trabalho intermitente, que permite a remuneração inferior a um salário mínimo, é um exemplo marcante da perversidade da reforma trabalhista.
A Medida Provisória nº 808/2017, que perdeu eficácia, agravava a situação desses trabalhadores, criando a figura da contribuição previdenciária complementar a cargo justamente dos trabalhadores que auferissem remuneração inferior ao salário mínimo.
A grande falácia da modernização das leis do trabalho e geração de empregos vai se tornando visível dia a dia. O desemprego aumentou e já alcança cerca de 14 milhões de pessoas. A participação do trabalhador mais pobre na massa salarial diminui enquanto aumentam postos de trabalho intermitente.
No voto em separado que proferi na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, subscrito por toda a bancada do Partido dos Trabalhadores e também por senadores de outros partidos, já denunciávamos que a lei que, naquele momento, pretendiam aprovar era um massacre aos trabalhadores brasileiros. Tivemos uma importante vitória na Comissão, aprovando o voto em separado, mas, infelizmente, a maioria do Senado Federal optou por lavar as mãos e aprovar a malfadada proposta sem qualquer alteração.
A partir desse retrocesso, criamos uma subcomissão na Comissão de Direitos Humanos do Senado para construir, com a participação da sociedade, uma nova CLT, o chamado Estatuto do Trabalho. Essa subcomissão é presidida pelo senador Telmário Mota e conta com a minha relatoria.
O Estatuto do Trabalho, sem dúvida, revogará a reforma trabalhista e retomará o texto anterior da CLT. Mas, com maior certeza ainda, será uma lei que avançará na efetivação dos direitos de todos os trabalhadores. Inclusive, regulamentando pontos da Constituição que até hoje não foram regulamentados, a exemplo da proteção em face da automação prevista no XXVII do artigo 7º.
As legislações não podem beneficiar somente uma das partes, como foi feito na reforma. Partimos do princípio de que não pode haver dois pesos e duas medidas. Os direitos e os deveres devem ser iguais. Como afirmou Rui Barbosa: “Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam”.
É fundamental que o Brasil retome o equilíbrio da relação capital e trabalho. O Estatuto é uma ousada possibilidade para harmonizar os interesses de classes, dos empregados e dos empregadores. Dessa forma, buscamos um diferencial que julgamos ser o mais importante na construção e na transformação de um país em uma nação, que é a congregação humanista, solidária e de responsabilidade socioambiental.
Queremos fortalecer as instituições, a democratização do acesso ao mercado de trabalho, a facilitação do acesso e da permanência de pessoas com deficiência, de idosos e de jovens, entre outros segmentos, bem como o combate a qualquer forma de discriminação, protegendo a mulher, sobretudo a gestante, na busca incessante da igualdade.
As novas tecnologias, os avanços da ciência e da humanidade estão fazendo com que novas profissões e mercados de trabalho e emprego surjam diariamente, mas isso não significa a exclusão. Queremos a inclusão com melhores condições de vida para nossa gente.
O debate se iniciou na subcomissão, em agosto do ano passado, com a participação de um grupo técnico de estudos. Foram realizadas mais de trinta reuniões, entre audiências públicas e encontros do grupo de trabalho. Vários especialistas nacionais e internacionais foram ouvidos, além de ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), juízes do trabalho, procuradores do trabalho, auditores fiscais do trabalho, advogados, servidores públicos, aposentados, centrais sindicais e representantes do empresariado. Importante destacar a participação do cidadão através do e-Cidadania e do Alô Senado.
O Estatuto do Trabalho não é uma peça pronta. A primeira versão foi apresentada à sociedade no dia 10 de maio, na forma de Sugestão Legislativa, dando início ao processo de tramitação no Congresso sob o nº 12/2018. No papel de relator, continuarei promovendo o debate com todos os segmentos e ouvirei todos para construirmos coletivamente o nosso relatório.
Todos os brasileiros têm direito à saúde, à educação, à segurança, ao trabalho, a férias, a um salário decente, ao descanso diário, a uma aposentadoria, enfim, a um patamar mínimo de dignidade como previsto na Constituição Cidadã.
Por isso, eu acredito que a relação entre capital e trabalho deve ser justa e de alto nível. O Estatuto do Trabalho é o início de um novo marco cívico, amplo e responsável, assim como foi a CLT de Getúlio. Ele está sendo construído de baixo para cima, com a participação de toda a sociedade, dos meios produtivos e com a força da mão de obra brasileira.
Paulo Paim é senador (PT/RS), relator do Estatuto do Trabalho