Nacional

O Congresso precisa avançar para assegurar o direito à comunicação, tendo como princípios a participação social e a complementaridade entre os sistemas

O Brasil deu um salto importante rumo à implementação do sistema público, quando instituiu, em 2007, a Empresa Brasil de Comunicação, emissora pública. Implementou instrumentos que desmitificam a ideia de censura e nos mostram que é possível construir caminhos para uma comunicação mais democrática e participativa, mesmo quando o sistema é privado

Lei de Acesso à Informação promovida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em

Lei de Acesso à Informação promovida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em debate. Foto: Elza Fiuza/ABr

A democratização dos meios de comunicação é uma pauta constante do conjunto da sociedade, sobretudo dos movimentos sociais, das organizações não governamentais e dos partidos políticos. O Brasil, infelizmente, ainda não deu conta de regulamentar o capítulo V da Constituição Federal que versa sobre a comunicação social e as poucas iniciativas nesse sentido, apresentadas seja pelo Poder Executivo, seja pelo Legislativo, são sempre recebidas como uma tentativa de ressuscitar os tempos em que a censura fazia parte do cotidiano do país. Costuma-se confundir controle social com censura, prejudicando a não consolidação de um marco regulatório que garanta ao povo brasileiro o direito a uma comunicação pública, diversa e plural.

Tomemos como exemplo os serviços de radiodifusão oferecidos em nosso país. Nossa lei maior prevê a existência de três sistemas: privado, público e estatal, e condiciona à outorga e renovação das concessões a observância do princípio da complementaridade entre eles. No entanto, o que se percebe é quase uma hegemonia do sistema privado. O documento organizado pela Unesco conhecido como Relatório McBride – Um Mundo, Muitas Vozes, já  apontava em 1980 a preocupação com a predominância de uma comunicação vista como mercadoria, e não como direito, e mostrava a necessidade de alterar seu fluxo entre as nações, que acontecia à época, e ainda hoje, dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento e, no interior dos países, de cima para baixo.

Mesmo que não se tenha entre os pesquisadores um conceito único para a definição do que seria comunicação pública, sabe-se que esta deve estar a serviço dos interesses da coletividade, independentemente do sistema. A pesquisadora Heloiza Matos, por exemplo, a define como “o debate que se dá na esfera pública entre Estado, governo e sociedade sobre temas de interesse coletivo. Um processo de negociação através da comunicação, próprio das sociedades democráticas”.

O Brasil deu um salto importante rumo à implementação do sistema público, quando instituiu, em 2007, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), emissora pública, atendendo à reivindicação do “movimento liderado por setores da sociedade civil, acadêmicos, comunicadores, cineastas, jornalistas, dirigentes de emissoras de rádio e televisão não comercial”. A emissora é mantida com recursos públicos, possui independência editorial e conta com um Conselho Curador, formado por representantes da sociedade civil e representantes do poder público, cujo papel é assegurar o cumprimento dos princípios gerais da EBC, além de uma Ouvidoria, responsável por garantir ao usuário um canal direto com a emissora, em que ele pode criticar, reclamar e apresentar sugestões.

O Conselho Curador da EBC não é instrumento para censura prévia ou limitação da liberdade de comunicação. Ao contrário. Seu papel é garantir uma efetiva participação do cidadão, uma vez que contribui para garantir que a emissora assegure a consecução dos seus objetivos, tão bem definidos na Lei nº 11.652/08, entre os quais destacamos o inciso III, no qual consta: “Fomentar a construção da cidadania, a consolidação da democracia e a participação na sociedade, garantindo o direito à informação, à livre expressão do pensamento, à criação e à comunicação”.

Esses instrumentos desmitificam a ideia de censura e nos mostram que é possível construir caminhos para uma comunicação mais democrática e participativa, mesmo quando o sistema é privado. É possível conciliar interesses comerciais com interesses públicos, em que a participação da sociedade civil seja entendida como fundamental para assegurar a responsabilidade social dos meios. Luiz Martins da Silva apresenta, em seu artigo sobre “Imprensa e subjetividade e cidadania” (1998), caminhos para que uma empresa de comunicação mantenha sua responsabilidade social com o público, classificando-os em seis graus de participação, entre os quais destacamos, a existência de um ouvidor ou um “ombudsman”; a instituição de um conselho misto com a representação mista, além de mecanismos diretos de interação com o público.

Infelizmente, sem medo de errar, podemos afirmar que poucas são as empresas que mantêm um ou dois graus sugeridos pelo pesquisador. Os meios precisam e devem ter liberdade para cumprir com seu dever de informar o cidadão com responsabilidade. Entretanto, é preciso garantir, como contrapartida, uma comunicação independente, imparcial, pautada pela ética e pela pluralidade de opiniões, primando sempre pelo respeito aos direitos humanos.

Para aprofundarmos a democracia em nosso país, é fundamental que caminhemos nessa direção. O Congresso Nacional precisa avançar no sentido de assegurar o direito à comunicação, tendo como princípios basilares a participação social e a complementaridade entre os sistemas. Esse é o desafio a ser enfrentando, na qual o Congresso pode ter como referência as deliberações da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada em 2009 pelo governo federal, que contou com mais de 1.800 delegados(as), representando a sociedade civil empresarial, não empresarial e as três esferas de governo.

De fato, essa não é uma tarefa fácil, mas necessária. De início fica a sugestão ao Congresso Nacional para reativar o Conselho Nacional de Comunicação Social, previsto na Carta Magna, desativado desde 2006, que tem a importante tarefa de auxiliá-lo nessa matéria. Um passo que pode parecer pequeno, mas essencial para garantirmos uma comunicação que seja fruto de um processo de negociação na esfera pública e represente o conjunto dos interesses da sociedade brasileira.

Gleidy Braga Ribeiro é jornalista e conselheira Nacional dos Direitos da Mulher. Foi delegada nacional na 1ª Conferência Nacional de Comunicação

Referências

Relatório McBride – Um Mundo de Muitas Vozes. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1983.

DUARTE, Jorge Antonio Menna (org.). Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse Público. São Paulo: Atlas, 2007. v. 1.

Brasil. Lei nº 11.652/08, que constitui a Empresa Brasil de Comunicação – EBC.

“Imprensa, subjetividade e cidadania”. São Paulo: artigo apresentado na VII Compós, PUC-SP, 1998.