A eleição do último dia 7 de outubro renovou em 52% a Câmara e em 85% o Senado. O novo Congresso Nacional será mais liberal na economia, mais conservador nos costumes e mais atrasado em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente do que o atual. Organizado em torno de bancadas informais – como as evangélicas, a da segurança/bala e a ruralista –, será o mais conservador desde a redemocratização.
Nesse pleito, a rejeição ao sistema político e às suas práticas foi devastadora. Mesmo os deputados e senadores tendo elaborado regras para assegurar suas reeleições – como a janela partidária, o fundo eleitoral e a redução do tempo de campanha e de propaganda eleitoral –, a onda da renovação foi avassaladora.
Em que pese se reconhecer que o novo Congresso foi o mais renovado dos últimos vinte anos e que terá mais jovem, mais mulheres, mais negros, mais parlamentares conectados às redes sociais, terá mais estreantes ou em primeiro mandato no Poder Legislativo Federal e será mais instruído que os anteriores, pode-se afirmar com segurança que será o mais conservador dos últimos quarenta anos.
A renovação, como regra, é saudável, porque a alternância no poder é um dos principais pilares da democracia. Entretanto, como a motivação dessa renovação foi mais de rejeição aos atuais detentores de mandatos (bons e ruins) e menos de substituição qualitativa – com escolhas baseadas em critérios, propostas, trajetórias política e profissional dos candidatos –, há sérias dúvidas sobre a qualidade dos eleitos. Apenas para ilustrar essa preocupação, basta dizer que a maioria absoluta dos novos foi eleita por ser liderança evangélica, policial linha dura, celebridade ou parente de políticos tradicionais. Ademais, foram eleitos alguns expoentes da “nova direita”, cujo único cabedal é terem liderado movimentos antipolítica, negando a validade do próprio sistema político-eleitoral.
Talvez o fato de a eleição ter se dado num ambiente conflagrado, a renovação tenha deixado muito a desejar em termos qualitativos, embora tenha sido grande do ponto de vista quantitativo. Muitos dos “novos” não têm a menor noção do que são, o que fazem e como funcionam as instituições do Estado. Boa parte imagina utilizar o mandato para se vingar do que, equivocadamente, considera os inimigos da família, da pátria e da probidade, ou para defender o Estado mínimo.
Em termos numéricos, dos 513 deputados eleitos em 7 de outubro de 2018, 269 são novos ou não estavam no exercício do mandato, 244 foram reeleitos e 253 irão exercer seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados. Dos 407 deputados que tentaram a reeleição, 163 não lograram êxito, tendo sido derrotados. Dos 269 considerados “novos”, 128 já têm experiência anterior como agente político – eleito ou nomeado para função de confiança – e 141 nunca exerceram nenhuma função política anterior.
No Senado, o fenômeno foi ainda mais intenso. Dos 54 senadores em final de mandato, apenas oito conseguiram renovar seus mandatos; 46 serão novos ou não estavam no exercício do mandato. Desses, pelo menos nove nunca exerceram cargo político, nem no Executivo nem no Legislativo.
Quanto ao espectro ideológico da Câmara dos Deputados, a novidade foi a assunção e o crescimento da direita, com 209 deputados. As demais forças são: a centro-direita, com 94 deputado; o centro, com 75, a centro-esquerda, com 60 e a esquerda, também 75. No Senado, a maior presença é das forças de centro, com 29 senadores, seguidas da direita, com 22, da centro-direita, com treze, da esquerda, com onze e da centro-esquerda com seis. Outros levantamentos apontam um crescimento da direita no Congresso da ordem de 30%, alcançando 301 deputados e 41 senadores a partir de 2019.
Em relação ao perfil socioeconômico, a nova Câmara dos Deputados terá predominância de profissionais liberais e empresários, algo como dois terços da Casa, e um terço dividido entre assalariados e atividades de natureza diversa. Em termos numéricos, próximo de duzentos são profissionais liberais, algo como 150 são empresários e aproximadamente 160 são assalariados e ocupantes de atividades variadas.
Do ponto de vista das bancadas informais, a correlação de forças é muito desfavorável à área social, aos direitos humanos, ao meio ambiente e aos trabalhadores. A bancada sindical, por exemplo, teve redução de cerca de vinte integrantes, enquanto as bancadas conservadoras, mesmo com tendo perdido alguns integrantes, como a ruralista e a evangélica, vêm fortalecidas, tanto pelo fato de suas pautas terem sido apoiadas por um dos candidatos à presidência, quanto pela razão de que a bancada da segurança ou da bala cresceu e a bancada empresarial se manteve grande.
A nova correlação de forças, como se vê, é bastante desfavorável. Isso significa que os partidos de esquerda e centro-esquerda com representação no Congresso terão um enorme desafio para conter as tentativas de retrocessos no papel do Estado, na condução da economia, na gestão pública e na defesa dos direitos humanos, dos direitos dos trabalhadores, púbicos e privados, da Previdência Social e dos programas sociais.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap