Um país pode ser considerado desenvolvido com elevado nível de bem-estar para toda sua população na medida em que apresenta baixos níveis de desigualdades sociais e regionais, coeficiente Gini abaixo de 0,40 e IDH-M acima de 0,800 para cada um de seus municípios, poder aquisitivo suficiente para cada família obter bens essenciais (alimentação saudável, vestuário, calçado, móveis), bens de consumo duráveis básicos (eletrodomésticos, fogão, geladeira, máquina de lavar roupa, televisor, telefone etc.), moradia adequada dotada de água e esgoto, energia elétrica, telecomunicações, escola e posto de saúde de boa qualidade, além de segurança pública e serviço de mobilidade via transporte coletivo eficiente entre moradias e locais de trabalho.
Além disso, os países desenvolvidos têm elevado grau de soberania nacional, capaz de assegurar-lhes o controle da utilização adequada de seus recursos naturais, a estratégia de defesa que envolve tanto a montagem de um avançado parque industrial e tecnológico quanto empresas com atuação no exterior.
Nesse contexto é da maior importância ressaltar que tanto países com menores mercados internos, como Suíça, Suécia, Dinamarca, Noruega, Holanda, Finlândia, como os de tamanho médio como Alemanha, Itália, França, Inglaterra, Espanha, Canadá, entre outros, estimulam a internacionalização de suas empresas para elevar escalas de produção, de distribuição e de comercialização, visando contar com suas remessas de lucros e dividendos como uma das principais fontes de recursos para o financiamento do bem-estar de suas populações (serviços de saúde, de educação e de segurança, de elevada qualidade) e de pesquisas empresariais em seus próprios países e assim garantir que o desenvolvimento científico e tecnológico em seus países de origem. Já os países do mercado interno maior como EUA, Rússia, Japão e recentemente China e Índia também estimulam a internacionalização de suas empresas tanto por razões de escala e agregação de valor quanto para promover avanços tecnológicos de suas próprias empresas, elevar a rentabilidade financeira de suas reservas internacionais e participar da exploração de fontes energéticas, de recursos naturais, minerais nobres, terras raras e petróleo, não ou pouco disponíveis em seus territórios, mas que são setores estratégicos por razões econômicas e por razões geopolíticas.
As experiências em curso da China e da Índia são bastante semelhantes à percorrida pelo Brasil entre 1950 e 1985. O modelo de substituição de importações é constituído pelo tripé: empresas estatais em setores cujos altos investimentos (bens intermediários como siderurgia, complexo petrolífero, fertilizantes, máquinas e equipamentos intensivos em capital, extração de recursos minerais etc.) geram retornos a longo prazo; empresas privadas nacionais de bens essenciais de consumo e alguns setores de bens de consumo duráveis; e empresas multinacionais de capital e tecnologia intensivos. Coube ao Tesouro Nacional a capitalização das empresas estatais; ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a participação dos demais bancos oficiais, promover financiamentos subsidiados às empresas nacionais e o uso de vários instrumentos fiscais, de instrumentos creditícios etc. para atrair investimentos de multinacionais.
Já a China conta com uma complexa rede institucional que tem como principais eixos imensos bancos de desenvolvimento estatais que vêm dando suporte à expansão das atividades produtivas lideradas por empresas de governo – o que é considerado o coração do chamado “socialismo com características chinesas”. Em sua primeira etapa de desenvolvimento, a China priorizou investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a estruturação de grandes conglomerados da construção civil preparados para a concorrência global. Os investimentos em infraestrutura foram fundamentais para a política industrial baseada na formação de “redes de produtividade” entre as construtoras e seus fornecedores: encomendas para os provedores nacionais e critérios de desempenho para as empresas encarregadas de dar resposta à demanda de equipamentos, peças e componentes.
O sistema financeiro estatal chinês garante financiamentos em condições adequadas quanto a prazos de amortizações e encargos financeiros às empresas e aos setores “escolhidos” como prioritários pelas políticas industriais. O ciclo virtuoso resultou, portanto, em significativos investimentos em infraestrutura que elevaram a produtividade total de fatores e a competitividade das exportações chinesas, bem como a atração de investimentos externos.
A China estabelece várias condições para permitir investimentos de empresas estrangeiras, principalmente quanto à absorção de tecnologias e a parcerias estratégicas com empresas chinesas.
O Brasil dispõe de um amplo mercado interno potencial, cujo aproveitamento pode elevar sua posição à quinta economia do mundo, atrás apenas de China, Índia, EUA e Indonésia, ultrapassando Alemanha, Japão, França, Inglaterra e Itália (ver estudo do Banco Mundial).
Em poucas palavras: as projeções sobre as evoluções potenciais de tamanhos de mercado de cada país deixam bastante nítida a importância de um modelo de desenvolvimento baseado na plena inclusão social.
Os governos Lula e Dilma adotaram políticas públicas que contemplaram todo o universo recomendado para tornar o Brasil um país com maior inclusão social, com amplo mercado interno de massas, além da estruturação de multinacionais verde-amarelas e de uma estratégia nacional de defesa capaz de garantir alto nível de soberania nacional (Anexo: Indicadores do “Avança Brasil”).
Diante dos retrocessos do ilegítimo governo Temer, que estão sendo aprofundados pelo entreguista desgoverno atual, o Brasil necessitará experimentar, o mais rápido possível, um novo governo progressista ou continuará em processo de acelerado retorno ao subdesenvolvimento.
Um futuro governo progressista não apenas deverá estornar as medidas adotadas em todo o período do governo ilegítimo e conspirador Temer, como a reforma trabalhista, incentivos às multinacionais para exploração do pré-sal etc. Deve, ao mesmo tempo, com a mesma importância e urgência, adotar reformas tributária e previdenciária progressistas capazes de promover melhorias da distribuição da renda e da riqueza; retomar e aperfeiçoar os programas e políticas públicas do primeiro ciclo do modelo Lula-Dilma, desde o Bolsa Família e os avançados programas de educação e saúde até a estratégia nacional de defesa; além de retomar o modelo de partilha para exploração do pré-sal e estabelecer regras para explorar o uso de minérios nobres e terras raras visando retomar a posição geopolítica do Brasil.
Em suma: prioridades devem ser recuperadas, aperfeiçoadas e aprofundadas, entre as quais cabe sublinhar: a política de valorização do salário mínimo; agressivos programas de transferência de renda (Bolsa Família, Brasil sem Miséria, Benefício de Prestação Continuada, Luz e Água para Todos, Pronaf, Prouni etc.); desonerações fiscais altamente seletivas para setores estratégicos; fortalecimento do programa habitacional Minha Casa Minha Vida; aprovação do Estatuto do Microempreendedor Individual; a expansão do crédito pelos bancos oficiais; implementação do Plano de Desenvolvimento da Educação, com medidas que proporcionam o crescimento do emprego e da renda, aumentando o poder aquisitivo das classes E, D e C, e que resultam na expansão dos níveis de consumo que estimulam investimentos.
Quanto ao fortalecimento de empresas nacionais para garantir-lhes internacionalização, serão necessários financiamentos adequados quanto a encargos financeiros e prazos de amortizações em apoio a investimentos diretos em países estrategicamente selecionados segundo interesses nacionais, entre outros mecanismos capazes de promover convergências entre o governo e empresas forças motrizes em cadeias internacionais de valor, para que a elevação de escalas, de produtividade e de competitividade em termos globais possa garantir remessas de lucros e dividendos para o Brasil.
Caberá ao novo governo progressista estruturar estratégica mudança de postura do Banco Central (BC). Em lugar de plena autonomia, caberá a um novo governo progressista mudar a atuação do BC para compatibilizar o modelo de controle da inflação através do regime de metas, de concepção neoliberal, baseado em “expectativas racionais”, com a teoria quantitativa da moeda visando tornar o sistema bancário mais competitivo, o crédito seletivo e distributivo, de modo que as instituições financeiras obtenham taxas de lucros semelhantes aos dos países desenvolvidos e se transformem em motores do desenvolvimento em seu mais amplo sentido: promoção do crescimento econômico e, ao mesmo tempo, redução das desigualdades sociais e regionais.
A proposta a seguir resume uma avançada política monetária que o Banco Central deve adotar em um governo progressista visando promover, permanentemente, crescimento econômico sem prejuízo do controle da inflação:
1 – Elevar, em um primeiro momento, as exigências de recolhimentos de depósitos compulsórios ao maior limite possível para, em seguida, reduzi-los seletivamente, mas canalizando recursos tanto para empréstimos para capital de giro quanto para pré-investimentos visando reduzir a elevada capacidade ociosa da maioria dos setores industriais, do comércio e dos serviços, e também para promover a modernização (catching-up) empresarial;
2 – Estabelecer meta para taxas de juros reais em torno de 2% a 3% ao ano desde que sejam iguais ou inferiores ao crescimento esperado do PIB, como sugere Lara Resende, o que sinalizaria a investidores do setor produtivo que a taxa de retorno para investir, inclusive em infraestrutura e setores intensivos em capital e em inovações tecnológicas, estaria atualmente em torno de 5% a 6% a.a, e que pode permanecer assim na medida em que a tendência da taxa de inflação fique em torno de 3% no curto e no médio prazo;
3 – Liberar, gradativamente, parcelas dos depósitos compulsórios para instituições financeiras que disponibilizarem linhas de crédito adequadas quanto a prazos de amortizações e encargos financeiros em obediência à capacidade de pagamento de empresas e de famílias de modo a evitar situações de fragilidade financeira, proporcionar que famílias e empresas em condições intermediárias capazes somente de arcar com juros, mas não com amortizações, possam alcançar situações de plena cobertura para arcar tanto com amortizações quanto com encargos financeiros (ver Minsky);
4 – Liberar parcelas de depósitos compulsórios para instituições financeiras que criarem fundos rotativos (finance, ou motivos finanças) imprescindíveis, financiar pré-investimentos e, ao mesmo tempo, estabelecer mecanismos para incentivar bancos de investimento, empresas de previdência complementar, seguradoras, fundos de investimento em participações, fundos de investimentos imobiliários para alavancar investimentos.
É necessário, também, que o Banco Central adote taxas de câmbio em níveis suficientes para garantir o equilíbrio real no comércio exterior, e não com o objetivo de reduzir a inflação.
Os bancos públicos, Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal (CEF), BNDES, Banco do Nordeste (BNB), Banco da Amazônia (Basa), devem tomar a iniciativa de praticar prazos de amortizações, juros e spreads adequados, induzindo as demais instituições financeiras a seguir o mesmo caminho para não perderem participações no mercado financeiro. Ou seja, a liderança dos bancos públicos induzirá os conglomerados financeiros privados ao mesmo procedimento para evitar perdas de suas participações no mercado financeiro. Em poucas palavras: quanto mais eficazes como instrumentos de governo, mais eficientes como empresas lucrativas.
Cézar Manoel de Medeiros é economista, doutor pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro