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Quais os desafios para o PT nos próximos anos? E quais são as perspectivas para o Brasil?

Mais uma vez o PT é convocado a pensar, falar e agir como alternativa real de poder. A convocação não parte de nenhum sindicato combativo ou personalidade de vulto. É um chamamento que vem da realidade dramática em que nosso país foi metido.

Quando, no dia 15 de janeiro de 1999, o governo FHC jogou a toalha diante de um novo ataque ao real, confessando na prática a inconsistência de uma política econômica que a oposição apontava como suicida há vários anos, o Brasil foi colocado diante de uma conjuntura nova.

Mais uma vez o PT é convocado a pensar, falar e agir como alternativa real de poder. A convocação não parte de nenhum sindicato combativo ou personalidade de vulto. É um chamamento que vem da realidade dramática em que nosso país foi metido.

Quando, no dia 15 de janeiro de 1999, o governo FHC jogou a toalha diante de um novo ataque ao real, confessando na prática a inconsistência de uma política econômica que a oposição apontava como suicida há vários anos, o Brasil foi colocado diante de uma conjuntura nova.

Nova, não no sentido de que o presidente tenha desistido de suas reformas neoliberais ou de governar com o que existe de mais atrasado e conservador, ajoelhando-se perante os especuladores e o FMI. Mas nova no sentido de que se abrem condições para alterar profundamente a correlação de forças observada no cenário político desde 1994. A perda da aposta cambial, da forma mais desastrada e no pior momento possível, faz quebrar a aparente fortaleza de um governo que se apoiou durante quatro anos numa completa cumplicidade da imprensa para mentir, anular o debate democrático e desqualificar as oposições.

Não sabemos ainda se a arrogância que sempre foi forte no governo FHC morrerá junto com a aposta irresponsável de segurar a inflação por meio da destruição de setores produtivos, da farra dos importados, da liquidação de estatais e da política de juros que afogou as finanças públicas dos municípios, dos estados e da União. Ou se o governo federal optará pela alternativa de radicalizar o autoritarismo, como aconteceu na primeira semana de câmbio flutuante, quando foi posta uma faca no pescoço do Congresso Nacional para aprovar um assalto aos aposentados do setor público.

De qualquer forma, estreitou-se o campo de manobra no qual FHC operou no primeiro mandato. É difícil prever se conseguirá recuperar condições para gerir com um mínimo de rumo a evolução da crise que sua política produziu, implicando em provável queda do PIB, novos saltos no desemprego, pressões internacionais de toda ordem. Ou se daqui para a frente seguirá em ziguezagues que podem ser tão danosos ao país quanto foi a prepotência do primeiro mandato, senão pior.

Essa é uma questão que não se decidirá apenas pela vontade do campo situacionista. E sim pela qualidade do confronto que lhe ofereçam as forças de oposição. Daí a necessidade de termos uma avaliação clara de pelo menos dois elementos fundamentais de uma oposição democrática e popular conseqüente: ler corretamente o resultado das urnas de 1998 e saber conduzir os esforços de mobilização social com mais eficácia.

Só não consegue enxergar o saldo vitorioso conquistado pelo PT nas eleições de outubro quem, de fora, nutre pelo partido uma antipatia que impede até mesmo a leitura numérica das urnas, ou, de dentro, tem na luta interna seu objetivo mais precioso.

Esse saldo não se mede apenas pelo salto eleitoral de Lula, pelo crescimento das bancadas federais e pelos estados conquistados, em especial o Rio Grande do Sul, placar que se torna ainda mais expressivo se levamos em conta o uso da máquina, a enxurrada de dinheiro, o escandaloso alinhamento da mídia, dos institutos de pesquisa e do Judiciário com os candidatos de FHC. Mas se mede também pela correta atitude adotada pela esmagadora maioria dos petistas em segundos turnos estratégicos como foram, por exemplo, os de São Paulo e Minas Gerais. E se mede, sobretudo, pela consolidação de uma frente de esquerda, que entra em 1999 fortalecida e habilitada a atrair setores de centro para uma oposição mais consistente a FHC, agora em fase de enfraquecimento.

Nessa perspectiva, a indagação a respeito de qual política será mais correta, de nossa parte, junto a governos como o de Covas e o de Itamar Franco precisa ter como ponto de partida o reconhecimento do acerto da política adotada pelo partido nesses estados e também em contextos difíceis como o ocorrido no Rio de Janeiro. Parece claro que o bom início de ano, em termos de pressão institucional, que a frente de oposição conseguiu assinalar, dificilmente estaria acontecendo com o mesmo ímpeto caso uma opção equivocada do PT, ou da maioria de seus eleitores, tivesse contribuído, por exemplo, para que César Maia fosse o novo governador do Rio e Azeredo o de Minas. Na mesma linha, não parece razoável acreditar que, sendo Maluf o governador em São Paulo, o cenário pudesse estar, um milímetro sequer, mais favorável ao crescimento da crítica e da resistência às políticas de FHC.

Os setores do PT que estão conscientes dos desafios postos diante de um partido que é alternativa concreta de poder - e é bom lembrar que isso ocorre num tipo de processo institucional e constitucional que nada tem a ver com as rupturas revolucionárias que estão nos sonhos de muitos de nós - não podem rebaixar o debate ao nível mesquinho da condenação e do cavalo de batalha que se fez em torno da conversa de Lula com FHC em dezembro.

Se, durante as greves dos anos 70, quando helicópteros da ditadura militar tentavam aterrorizar os metalúrgicos do ABC reunidos na Vila Euclides e as lideranças eram presas e processadas pela Lei de Segurança Nacional, Lula se dispunha a conversar com quem quer que fosse, tendo comparecido de surpresa ao Quartel General do II Exército para conversar com o comandante sobre nossa luta, é claro que está coberto de argumentos quando atende ao convite de FHC, errando redondamente quem pensa que isso diminui o prestígio popular que sua liderança reúne.

Mas se falta consenso no PT em torno de um detalhe protocolar do jogo democrático, que é conversar, dialogar, parlamentar e negociar até com o mais raivoso adversário, é lógico que não haverá unidade no modo de conceber o tipo de oposição que faremos a FHC. Menos ainda quando se tratar do tipo de relacionamento a ser estabelecido com um governo como o de Covas.

Há um simplismo em certos setores do partido, que consiste em reduzir todo o debate político à questão de ser mais duro ou menos duro, mais intransigente ou menos intransigente. Na verdade, a discussão não deveria se esgotar aí. Uma oposição pode ser mais dura e menos conseqüente.

Temos um bom exemplo agora. A moratória declarada por Itamar Franco levou alguns companheiros do PT de Minas Gerais, que se recusaram a apoiá-lo no segundo turno, a reconsiderar sua posição e apoiá-lo agora, na medida em que só lhes interessa saber se o governador está mais próximo ou mais distante de FHC. É pouco para um partido que tem como desafio disputar a hegemonia e o poder com as elites hoje dominantes.

O gesto ousado de Itamar pode ser elogiado e estamos de acordo com a conduta do PT de apoiá-lo na decisão, integrar seu governo e incorporá-lo plenamente à articulação dos governadores de oposição. Mas um gesto corajoso é pouco para caracterizar uma trajetória. Além disso, se a moratória é a melhor saída, não caberia aos governadores petistas seguir pelo mesmo caminho? Em resumo: Itamar merece nosso aplauso e respeito, mas não merece respeito a análise dos petistas que se encantam com gestos espetaculares, ou que definem uma decisão de apoiar ou combater em torno de um único elemento.

Divergências nas orientações não são apenas um reflexo das diferentes concepções políticas de cada petista. Decorrem também do tipo de inserção social ou do grau de responsabilidade que cada companheiro ocupa no cenário institucional. Um governador petista não pode exercer frente ao presidente da República um tipo de oposição raivosa, que traga perda de força política dentro do seu próprio estado, prejudicando a disputa de hegemonia de longo prazo. O mesmo vale para um prefeito em relação ao governo estadual.

No nosso caso, o tipo de oposição que proponho frente a FHC e Covas, governos que não representam a mesma coisa, decorre também das responsabilidades que são colocadas para o presidente de uma categoria que tem a importância estratégica e histórica dos metalúrgicos do ABC, submetida nos últimos anos a um brutal ataque no âmbito do emprego.

Dá até para entender a lógica de um pequeno círculo de sindicalistas que, sem maiores responsabilidades de representação, prioriza a denúncia ideológica do governo FHC, deixando para segundo plano o trabalho organizativo junto à base e as mobilizações concretas em defesa do emprego.

Mas quem dirige um sindicato que foi fundamental na ruptura histórica dos anos 70, na derrota da ditadura e na própria fundação do PT e da CUT, sindicato que segue representando o setor mais expressivo da indústria automotiva instalada no Brasil e a categoria que continua comprovando sua condição de setor operário mais organizado e mobilizado do país, sindicato que sofre como poucos o impacto do desemprego em massa, quem vive essa responsabilidade não pode defender um tipo de oposição na qual seja vedado ao nosso líder maior, Lula, conversar com quem bem entender.

Somos favoráveis a uma ação política que se paute pelo esforço de ampliar, reunir segmentos muito mais amplos do que os já influenciados pelo PT e pela CUT, somar forças com prefeituras dos sete municípios do ABC, de diferentes partidos, elaborar alternativas viáveis ao projeto neoliberal, quebrando-o por fora sem descuidar de seus argumentos internos. Enfim, uma política que não fique combatendo o desemprego apenas no gogó, pensando em acumular pontos para um dia do amanhã, que ninguém sabe se virá, mas cuide também de gerar empregos aqui e agora, revertendo demissões, conquistando espaços novos no processo produtivo, deslocando para a oposição setores que antes eram situação, agindo como uma classe trabalhadora que realmente já se mostra preparada para assumir o poder que reivindica.

Quanto a Covas, nossa atitude de apoiá-lo no segundo turno, apesar da fraude contra Marta Suplicy, teve como base, antes de tudo, o repúdio à alternativa nefasta, a decisão consciente de isolar uma extrema direita que, quanto mais debilitada, melhor para a democracia e para os trabalhadores.

Quem opta por esse tipo de apoio corre mais riscos do que os partidários do voto nulo. Afinal de contas, não queremos estar no governo Covas e não existe qualquer garantia de que ele vá retribuir de alguma forma o apoio recebido. Mas temos segurança de que essa postura nos autoriza a exigir atitudes concretas frente ao desemprego e fortalece a imagem do PT junto ao eleitorado paulista, que talvez esteja iniciando, pela primeira vez em âmbito estadual, um deslocamento que realmente nos dê condições de vitória na sucessão de Covas.

Lula tem declarado aos quatro ventos sua prioridade para a construção de alianças que permitam vislumbrar a possibilidade de um governo de centro-esquerda no Brasil ainda em nossa geração. Nosso acordo com ele é completo nesse assunto e em muitos outros. E essa aliança não pode se limitar às forças que já estão nesse campo. Daí a necessidade de agir em setores de centro, buscando deslocá-los. E quem defende a necessidade de fazer esse esforço junto a segmentos do centro político reconhece que não teria sentido votar nulo ou abster-se no segundo turno paulista.

Quanto ao tipo de oposição frente a FHC, em princípio a firmeza manifestada pelo PT no primeiro mandato deve se manter e aprofundar. É possível que FHC seja forçado, após a quebra do real, a alterar algo de sua política econômica, adotando medidas de estimulação do crescimento, defesa do emprego, contenção das importações. Pouco provável que faça isso alterando sua filosofia de governo ou sua base de sustentação. Mas no discurso poderá mudar.

Em qualquer hipótese, os papéis estão claramente definidos e devem seguir assim: seu governo representou uma violenta maré neoliberal que, durante quatro anos, semeou a corrupção política, desqualificou as oposições, atentou contra a democracia, torrou patrimônio nacional, destruiu setores produtivos, levou o desemprego a patamares nunca atingidos, mentiu, manipulou e levou o Brasil à mais grave crise econômica de sua história a partir de janeiro de 1999. Nós representamos a força mais credenciada da frente de oposição e nos apresentamos como alternativa apta a conduzir um processo amplamente democrático de recondução do Brasil para uma rota de crescimento com soberania nacional e profunda redistribuição de renda.

Oposição radical e intransigente, mas não estúpida ou mal-educada, que se recusa a conversar, como se a negação da conversa pudesse trazer a mais leve alteração do equilíbrio de forças. Oposição bem fundamentada no ambiente institucional, mas não contida nele.

O tipo de resistência que estamos propondo e exercendo desde os primeiros dias deste ano, rejeitando a demissão de 2.800 trabalhadores da Ford, sintetiza tudo o que pensamos da conduta dos movimentos sociais no atual contexto. Lançamos a resistência e não afastamos a hipótese de que, em algum momento, essa resistência seja levada à radicalização, independente de estimulação ou aprovação de qualquer dirigente do sindicato. Mas apostamos acima de tudo na politização e na nacionalização dessa luta. Queremos que a mobilização dos trabalhadores da Ford se transforme numa bandeira nacional, despertando diferentes categorias, de diferentes estados, para uma luta comum, seja ela de solidariedade, seja em torno de objetivos específicos de cada área ou categoria. Queremos que as ruas, praças e avenidas sejam novamente ocupadas, como vimos fazendo quase diariamente na Via Anchieta e em outros espaços de São Bernardo. Queremos despertar apoios fora do movimento sindical, junto a igrejas e amplos círculos da sociedade civil.

Mas, para nós, é preciso combinar combatividade e garra com flexibilidade e ampliação. Fomos falar com Olívio Dutra, Itamar, FHC, ACM e Dorneles. Aguardamos a recuperação médica de Covas para botá-lo no centro da dança. Trouxemos para apoiar o movimento Maurício Soares (PSDB), prefeito de São Bernardo, e Gilson Menezes (PSB), prefeito de Diadema, que são nossos adversários no plano partidário. Vamos à Fiesp, à Força Sindical. Iremos ao Edir Macedo e ao padre Marcelo Rossi, se preciso for. Onde houver uma mínima chance de somar forças na busca de qualquer saída para defender o emprego, ali estaremos. E não nos parece que exista uma linha para a mobilização sindical e popular que seja mais acertada do que essa. É exatamente porque estamos credenciados como um sindicato que promove Maratona Contra o Desemprego, vigílias, seminários, manifestações e movimentos em torno de alianças amplas, que reunimos agora autoridade para exigir, pressionar, impor soluções negociadas.

Esse tipo de visão sobre o movimento sindical e, de um modo geral, sobre toda a mobilização social, precisa ser debatido com mais profundidade nas instâncias da CUT e do próprio PT. Quanto ao partido, o 2º Congresso é uma oportunidade que precisa ser bem aproveitada. Não podemos repetir a patinada do anterior, no qual discutimos muito e mudamos pouco.

Sem nenhuma posição pré-definida de nossa parte, defendemos que uma discussão importante a ser feita no Congresso seja sobre continuarmos ou não como um só partido. Em princípio, é claro que será melhor seguirmos unidos. Mas, assim como no movimento sindical não confundimos unidade com unicidade, o PT não pode confundir unidade formal, uso da mesma sigla, com a necessária unidade de um partido que tem desafios do tamanho dos nossos.

Devemos continuar juntos se, num balanço franco, concluirmos que os pontos que nos unem superam nossas diferenças. Nesse caso, seguiremos entendendo nossas diferenças como riqueza e não como problema. Mas, tenhamos claro: sob a condição de mudarmos a prática atual em que, por exemplo, nosso sindicato é agredido por setores petistas com mais virulência do que a dirigida a nós por não-petistas. Onde uma liderança do porte de Lula é desautorizada grosseiramente, na imprensa, por setores petistas que se atribuem a propriedade da verdade e autoridade para proibir que o líder maior do partido chame um líder da indústria para um seminário de crítica ao neoliberalismo.

Se, estando no mesmo partido, somamos nossas forças e idéias para derrotar os adversários e atingir as metas de transformação radical fixadas em nosso programa, a unidade é positiva e legítima. Se, pelo contrário, estando no mesmo partido, cada ala não dorme direito, à noite, temendo o que a outra possa estar articulando, não existe unidade verdadeira. E o que é falso deve ser desmascarado e superado.

No PT, ninguém acredita que a revolução (segundo alguns) ou as transformações estruturais da sociedade (segundo outros) será obra de um partido isoladamente, como já ocorreu em alguns países. Se dentro do PT coexistem visões tão diferentes ao ponto de se quebrar toda a possibilidade de confiança mútua, pode ser que, separados, as energias de cada grupo sejam melhor aproveitadas. Se a unidade for reafirmada, como unidade verdadeira, muito melhor.

Luiz Marinho é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.