Internacional

Há várias esquerdas na região e seu êxito depende da unidade na diversidade, nos marcos de uma estratégia continental compartilhada

Os Estados Unidos, seus aliados europeus e latino-americanos pensam que a morte de Hugo Chávez abre uma brecha através da qual poderão desestabilizar o governo venezuelano e afetar o conjunto da esquerda regional, em especial naqueles países que recebem maior apoio material da Venezuela (Cuba e Nicarágua, entre outros).

Não devemos subestimar esse plano. Mas, ao menos no curto prazo, está ocorrendo o contrário: um mobilizar e cerrar fileiras dos setores populares liderados por Chávez, indicando a vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de 14 de abril próximo.

A partir dessa eleição, pesarão os desafios de médio prazo, que são basicamente quatro: estabelecer uma direção coletiva, tanto pública quanto interna, para o processo de transformações em curso na Venezuela; enfrentar as debilidades do processo, especialmente as econômicas de longo prazo, tais como segurança alimentar e industrialização; ajudar a superar certa “crise de direção” presente no processo de integração regional; e enfrentar o debate sobre a herança ideológica, teórica, programática e cultural do “chavismo”.

Esse último desafio será continental. A direita tomou a iniciativa de aproveitar as exéquias para desqualificar o conjunto da obra. As recentes edições de Veja e Época, com capas e reportagens dedicadas a pintar Chávez como autoritário, são exemplos disso.

Cabe ao PT e ao conjunto das forças de esquerda defender a experiência do governo Chávez (1999-2013), que ampliou o bem-estar social, a democracia e a soberania venezuelanas, além de ter ajudado a impulsionar a integração regional e de ter sido, como bem disse a presidenta Dilma, um grande amigo do Brasil.

Além de fazer essa defesa, é importante que o PT e o conjunto da esquerda debatam os ensinamentos que a experiência venezuelana proporciona acerca dos problemas e das possibilidades de uma estratégia de transição ao socialismo, a partir da conquista eleitoral de governos, nas atuais condições latino-americanas e caribenhas.

O chamado chavismo tem pelo menos cinco características que merecem ser destacadas e analisadas no detalhe: a preocupação em construir uma doutrina de massas, vinculando o passado (Bolívar), o presente (integração) e o futuro (“socialismo do século 21”); uma linha militar, segundo a qual a revolução bolivariana é pacífica, mas não desarmada; um internacionalismo hiperativo, com um forte componente de solidariedade material; o destaque para a participação democrática, inclusive, mas não apenas, eleitoral; e a compreensão de que a polarização político-ideológica é, no fundamental, positiva.

Portanto, a experiência de Chávez deve ser analisada em conjunto com a experiência de Allende (1970-1973); não pode ser reduzida ou confundida com a experiência de governos militares nacionalistas, como os existentes no Peru e na Bolívia.

Devemos, em especial, evitar que o debate acerca da experiência venezuelana ressuscite a “teoria” das “duas esquerdas”, a “carnívora” e a “vegetariana”. Como já ficou amplamente demonstrado, há várias esquerdas na região e seu êxito depende da unidade na diversidade, ou seja, da convivência de diferentes estratégias nacionais, nos marcos de uma estratégia continental compartilhada.

Sobre esse aspecto do problema, considerando a situação venezuelana, sabendo como está a Argentina e lembrando que o Brasil já entrou em período eleitoral, podemos prever que o processo de integração regional seguirá sofrendo uma certa “crise de direção”.

Numa conjuntura internacional como a que vivemos, que exige maior velocidade e intensidade na integração, devemos tomar medidas urgentes para superar essa situação.

Será um ano importante, também, para ajudar no êxito da negociação Farc-Santos; ampliar as relações com a esquerda peruana e com o governo Humala; colaborar na vitória da centro-esquerda nas eleições chilenas, com base num programa de maior colaboração com a Unasul e o Mercosul; e prestar solidariedade à esquerda nas eleições do Paraguai (21 de abril), Honduras e El Salvador.

Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT e secretário executivo do Foro de São Paulo