Internacional

Na Colômbia, a guerra tornou-se funcional para um setor da direita, que a utiliza para evitar que a esquerda  tenha chance de chegar ao governo

As negociações em curso em Havana, entre o governo da Colômbia e as Farc, podem resultar em um acordo que ponha fim a uma guerra que dura mais de quarenta anos. Mas há vários obstáculos. O primeiro deles é a postura das forças encabeçadas pelo ex-presidente Álvaro Uribe, que não estão interessadas no fim do conflito.

A guerra “justifica” a presença militar dos EUA na América Latina, significa negócios e também cobertura para a repressão sistemática à esquerda política e social: o maior número de mortos nos anos recentes é de civis, especialmente sindicalistas.

Outro obstáculo é a tentativa de obter na mesa de negociação aquilo que não se conseguiu através da guerra. O governo não destruiu as Farc, que operam de fato desde 1964, nem a guerrilha atingiu seus objetivos estratégicos.

Isso não quer dizer que as negociações ocorram em um ambiente de equilíbrio. Nos últimos anos, o governo impôs duros golpes à guerrilha. Esses golpes, e as mudanças no cenário político-social colombiano, indicam que a guerrilha pode continuar existindo por décadas, mas ao menos no horizonte visível deixou de ser uma ameaça estratégica para a oligarquia colombiana.

Ao contrário, a existência da guerra tornou-se funcional para um setor importante da direita, que utiliza o medo, a repressão, o apoio financeiro e militar dos EUA para evitar que a esquerda colombiana tenha chance de fazer aquilo que fez a esquerda em outros países da região: chegar ao governo.

Um terceiro obstáculo é o tempo. O ambiente mundial e o calendário da política regional e colombiana indicam que o momento para o “melhor acordo possível” é agora. Mais tempo de negociação não vai resultar em mais concessões da parte do governo, em favor das demandas da guerrilha.

Os acontecimentos na Coreia do Norte e na Síria são indicadores do ambiente internacional em que estão ocorrendo as negociações. E o quadro regional é de equilíbrio relativo, com dificuldades para o bloco de esquerda e progressista. Portanto, o “melhor acordo possível” pode ser conseguido agora, não depois.

Um quarto obstáculo é a memória do que ocorreu nos anos 1980, quando a União Patriótica colombiana, surgida durante outro processo de paz entre governo e Farc, foi vítima de um extermínio planificado e executado pelo conluio entre setores do Estado, Forças Armadas e grupos paramilitares de direita.

Fala-se de até 4 mil assassinados(as), inclusive dois candidatos à Presidência da República. Em termos relativos, as maiores baixas das Farc ocorreram naquele momento. Por isso, sem garantias, não haverá paz.

É preciso entender que a paz é uma bandeira tática para um setor da direita colombiana. Este reúne parcelas do empresariado e das elites políticas que, de maneira simplificada, consideram ter, neste momento, mais a ganhar mantendo um pé em cada canoa: na integração sul-americana e na área de influência dos EUA, por exemplo, o chamado Arco do Pacífico.

Evidentemente, a paz desejada por eles é aquela que não altera as bases do modelo econômico e das políticas neoliberais, que seguem hegemônicas na Colômbia.

Nesse sentido, é importante não confundir o apoio à paz com apoio ao governo e à reeleição de Juan Manuel Santos. Algo que não é fácil de fazer, seja porque Santos é politicamente audacioso, como demonstrou em sua participação na Marcha pela Paz do dia 9 de abril, seja porque um setor da esquerda considera a paz tão estratégica que, de fato, pode “baixar a guarda” frente ao governo Santos.

Um exemplo disso é a proposta de prorrogar seu mandato e adiar as eleições, para que o processo eleitoral não perturbe as negociações.

Essa proposta baseia-se em duas premissas: mais tempo de negociação vai gerar mais concessões do governo às demandas político-sociais da guerrilha; o processo eleitoral é um jogo de cartas marcadas, portanto o adiamento não seria tão prejudicial e poderia ser até vantajoso, caso se modifiquem para melhor o ambiente e as regras eleitorais.

É fato que a centro-esquerda colombiana, em suas variadas correntes (progressistas, Polo Democrático Alternativo, Marcha Patriótica etc.), enfrenta dificuldades eleitorais.

Mas mudar as regras do jogo (ou adiar o jogo) quando estamos perdendo abre as portas para o oposto. Por outro lado, o argumento segundo o qual o calendário eleitoral atrapalha as negociações de paz esquece que o grande ativo eleitoral de Santos é a paz.

Esse ativo pode ser apresentado sob duas formas: a paz assinada ou a paz condicionada à reeleição. Ou seja, a pressão do calendário eleitoral ajuda no engajamento de Santos no processo de paz. Eliminar esse acicate seria prejudicial ao processo de paz, sem falar que faria de Uribe o defensor da normalidade constitucional.

Resta o seguinte argumento: nas eleições, será muito difícil para a(s) candidatura(s) de centro-esquerda disputar simultaneamente contra Santos e contra quem o grupo de Uribe apresente. Mas esse problema político não se resolve adiando as eleições, pois não se trata de um tema estritamente eleitoral.

O mesmo problema estará posto para as forças progressistas e de centro-esquerda fora da Colômbia. “Razões de Estado” podem levar setores a defender o apoio “de fato” a Santos, o que não seria um comportamento novo na história da esquerda mundial. De toda forma, cabe à esquerda colombiana achar o caminho adequado.

Em qualquer caso, é muito importante firmar que:

a) a paz é uma bandeira simultaneamente tática e estratégica para a esquerda. Neste momento histórico, só em condições de paz, em condições “normais” de luta política e social, a esquerda colombiana terá chance de se converter em alternativa de governo e alternativa de poder;

b) o fim da guerra é apenas o começo. Muito terá de ser feito para, através das “armas da política”, derrotar as forças neoliberais e oligárquicas colombianas, Uribe e Santos incluídos.

Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT e secretário executivo do Foro de São Paulo