Dizem que foi o Golbery quem inventou essa dificuldade mas o fato é que para fundar o PT teríamos de criar comissões provisórias em 20% dos municípios/distritos de nove estados. Integrei a primeira Comissão Provisória do PT de São Paulo junto com o Alípio e nossa principal tarefa seria legalizar o Partido dos Trabalhadores no estado.
Coordenar esse esforço era responsabilidade do Osmarzinho, secretario de Organização e um dos diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, na verdade contrário à própria ideia do PT. Era politicamente ligado ao José Aníbal, que viria a tornar-se liderança do PSDB, mas fingiu aderir à ideia do PT para não se afastar do Lula. Na verdade devia ter a esperança de que o PT não se legalizasse e com isso pudesse aproximar o Lula de suas alternativas partidárias. Pouco ou nada fez para que a legalização acontecesse. Os prazos encurtavam e, cobrado, terminou comunicando em reunião o que avaliava: não vai dar, pessoal, é impossível legalizar o PT nesse prazo. O Alípio deu um tapa tão forte na mesa e foi tão duro no esporro que, pode até ser sintoma da minha velhice, não lembro mais ter visto ou ouvido falar do coitado do Osmarzinho nos últimos 40 anos. E o PT, sabemos, foi legalizado no prazo.
O Alípio combinava uma dureza e uma acidez implacável, com uma enorme e personalizada gentileza com todos de quem gostava. E eram muitos. E gostava muito.
Uma outra lembrança do papel do Alípio na fundação do PT diz respeito à escolha e consolidação dos símbolos do partido. No início, como convém à natureza, era o caos. Cada núcleo, cada tendência política, cada estado, cada militante levava aos atos do partido a bandeira ou o símbolo que lhe parecesse o mais bonito, o mais significativo. Imagina ter de decidir numa convenção, num encontro partidário qual o melhor: o punho segurando uma rosa, a estrela assim ou assado... Resolvemos então encomendar a arquitetos e designers, a partir das cores (branco e vermelho) e diferentes tipos de estrela, um projeto que estabelecesse algum padrão. O arquiteto Luiz Magnani estabeleceu os parâmetros da estrela, com moldes para usar em camisetas, bandeiras e até em máscaras para pichação nas paredes madrugadas afora. Projeto gráfico profissional e pronto para uso Brasil afora. Ethel Leon, hoje professora de história do design, foi buscar direto na fábrica os primeiros lotes de estrelinhas de plástico que, assim como as bandeiras, traziam PT em branco no fundo vermelho ou vice versa. Projeto de cima para baixo, mas não tanto: seguimos o que já era majoritário nos atos e deixamos algumas opções para o freguês.
Alípio teve papel decisivo no lançamento desse “projeto visual” no primeiro grande comício do PT na zona sul de São Paulo. Os postes traziam buquês de bandeiras que eram distribuídas para cada um que descesse do trem ou chegasse desbandeirado à área do comício. Alipio, como criança ou produtor artístico de veia maoísta, zanzava de um lado para o outro, para garantir muita cor, beleza e emoção naquele ato que deveria ser inesquecível. Alípio era assim. Pura beleza forjada num aço de têmpera singular. Levou esse bom gosto e essa têmpera para as caprichadas edições da Teoria e Debate, para muitos governos municipais do PT, para o Movimento dos Sem Terra... Um gigante. Que falta fará ao Brasil essa versão melhorada do nosso Benito de Paula particular.
Luiz Antonio de Carvalho é fundador do PT e ex-membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo