Especial

Como no futebol, sempre sabes onde fica o gol e para que lado é preciso chutar. Tens a noção de quão necessária é a paciência, e de como a impaciência muitas vezes deve ser urgente

Presidente argentino Néstor Kirchner, seu chanceler Rafael Bielsa, Marco Aurélio Garcia e o presidente Lula. Foto Ricardo Stuckert/PR

Querido MAG:

Deixe-me imaginar esta situação. É um prazer enorme estar aqui, em Sampa, com companheiras e companheiros do Brasil e de todo o mundo para celebrar os teus 80 anos. Somos centenas os que falaremos de ti na tua frente. Depois comeremos algo (Spaguetti com molho de cogumelos? Moqueca de camarão?) e pelas tuas costas continuaremos falando do assunto que nos convoca: o luxo que é ser amigo de Marco Aurélio Garcia. Algo de bom terás feito na vida, querido, para que hoje sejamos tantos. Creio saber exatamente o quê.

És um amigo inquebrantável. Os amigos ouvem com atenção e perguntam docemente. Os amigos sempre estão presentes.

És um político sábio. Combinas a militância e o compromisso com a preocupação de ler a correlação de forças do modo mais exato possível. Sabes que assim o sofrimento do povo é menor. Como não és messiânico, isto sempre te importou.

És um extraordinário companheiro. Sempre procuras trabalhar coletivamente e evitar problemas entre pessoas que compartilham a mesma identidade.

És discreto e não te move o ego. Gostas de saber de tudo, e teus olhinhos brilham quando chega uma informação nova, seja política ou pessoal, mas jamais usas esse conhecimento para fazer intrigas.

Como no futebol, sempre sabes onde fica o gol e para que lado é preciso chutar. Tens a noção do quão necessária é a paciência, e de como a impaciência muitas vezes deve ser urgente.

Desprezas o elitismo e admiras o lado plebeu da política. Entendes por que os povos descobrem rápido seus líderes, quando surgem, e por que os seguem. Tenho a biografia de Getúlio que me destes, como tantos outros livros, e entesouro nossas conversas sobre Perón, Chávez, Kirchner, Cristina. E Lula, claro. Sei do teu caráter de homem do PT, do qual sempre participaste da vida interna com contribuições teóricas e organizativas, e sei da tua compreensão sobre a intensa relação pessoal entre o torneiro que se tornou presidente e seu povo.

Amas Paris, onde estiveste exilado, mas sabes que a solução da América do Sul está na América do Sul, não em ilusões europeístas.

És um estudioso que sempre transmite o que sabe com modéstia e com esse toque de picardia que torna a vida mais afável.

Entendes como ninguém que o primeiro anel de alianças do Brasil deve ser a Argentina. E vice e versa. Uma das experiências mais valiosas da minha vida é ter trabalhado contigo para cuidar dessa relação como um tesouro.

Descartas as soluções mágicas. Se o teu mundo ideal é multipolar, como tantas vezes disseste, temos de ir mais além dos desejos e construir um polo poderoso.

Aprendi contigo o valor da diplomacia como forma de tecer vínculos com aliados e dialogar com adversários. Quem se enraivece, perde. Quem não entende, fica paralisado. Quem não fala, se autolimita.

As conversas contigo, MAG, são sempre fraternas e divertidas. Às vezes as horas passam e, quando o papo está acabando, ficamos como quando se acaba de ler um grande romance: satisfeito e ao mesmo tempo meio triste porque terminou.

Gostaria de ter te presenteado com a presença de Susana Rinaldi* em um concerto especial para ti. Não pôde ser, a ouviste cantar no exílio e, muitos anos depois, em Buenos Aires. Nós, teus amigos, nunca esqueceremos a cena: tu em pé, com o olhar umedecido de emoção, cantando alto o tango Yuyo Verde como se fosses parte de um dueto com Susana. “Un farol, un portón,/ Igual que en un tango,/ Y este llanto mío entre mis manos/ Y este cielo de verano/ Que partió”**.

Feliz aniversário, querido irmão.

Tradução: Mila Frati

Martín Granovsky é um jornalista argentino. Hoje responsável pela Direção de Assuntos Culturais da Chancelaria.

NT: *Susana Rinaldi (1935) é uma consagrada atriz e cantora de tango argentina

**“Um poste, um portão/como em um tango/e estas minhas lágrimas em minhas mãos/e este céu de verão/que partiu”.

O tango Yuyo verde (1944) é de autoria de Homero Expósito, poeta e letrista, e de Domingo Federico, compositor, bandoneonista e diretor de orquestra.