O modelo paulista instituído sob o governo do PSDB optou pela estagnação e o modelo do governo federal, sob a gestão do PT, optou pela perspectiva de expansão
O modelo paulista instituído sob o governo do PSDB optou pela estagnação e o modelo do governo federal, sob a gestão do PT, optou pela perspectiva de expansão
O objetivo deste artigo é comparar a dinâmica do investimento em educação superior pública entre as universidades estaduais no estado de São Paulo e as federais no Brasil. Antes, atentar-se-á para um rápido resumo dos precedentes da relação educação e desenvolvimento no Brasil e análise das mudanças na década de 1990, com especificidade no caso do estado de São Paulo. Por fim, na análise dos resultados, pretende-se interpretar a perspectiva dos dois modelos observados
No pensamento econômico brasileiro, a ideia da educação como pressuposto de desenvolvimento surge em meados de 19601. Ao tratar da relação entre a educação e o desenvolvimento brasileiro, Claudio de Moura Castro descreveu que o crescimento da economia brasileira entre as décadas de 1960 e 1970 ocorreu sem considerável investimento em educação pública. Para ele, esse tipo de fenômeno era deficiente, pois causaria problemas futuros no desenvolvimento, os quais seriam quase irreversíveis.
Ainda durante os anos 1960, houve intenso debate a respeito da questão distributiva no Brasil, e a educação era um dos fatores relacionados ao tema. Vários autores se voltaram para o passado à procura de respostas que justificassem a desigualdade. Os estudos podiam ser alinhados em duas correntes: de um lado, aqueles que viam a elevação da desigualdade de renda como consequência da não qualificação da mão de obra – portanto a educação, segundo a teoria do capital humano, era vista como aspecto de explicação para a desigualdade e peça fundamental para o desenvolvimento –; de outro, aqueles que defendiam as mudanças na política econômica como causa da desigualdade2.
No período anterior, muitos dos pensadores econômicos do Brasil já analisavam e sugeriam variados modelos, tentando encontrar uma melhor saída para alcançar o desenvolvimento econômico e social. Um deles, Nelson Werneck Sodré, acreditava que um dos maiores problemas a serem vencidos estava nas relações de produção existentes no país, que ainda guardavam traços das relações pré-capitalistas3. Nesse sentido, para um país que pautava as relações de produção no racismo estrutural4, a educação, característica principal do status quo, por óbvio, não seria igualmente oferecida a todos. Para as famílias negras oriundas da escravidão, à margem do sistema, restou pouca oportunidade de trabalho formal assalariado. A sobrevivência ficou por conta da submissão à superexploração do trabalho mercantil; a alfabetização, portanto, foi um privilégio para poucos naquelas condições.
A Constituição de 1988 procurou, ao menos no discurso, resolver alguns problemas estruturais no quesito educação. O princípio do desenvolvimento social também estava no cerne da Constituinte. Uma importante questão foi a prioridade dada ao ensino fundamental (art. 208, inciso I), tornando-o obrigatório e gratuito, enquanto direito público. Delimitou-se a especificidade no investimento dos recursos, constituindo responsabilidade de aplicação, diante da lei, no sentido de financiar o ensino fundamental. Aliás, essas alterações deram origem ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), regulamentado em 1996 e modificado em 2006 para Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
A década de 1990 representou no setor público da educação um período de mudança significativa, pois aquelas famílias que até alguns anos antes não tinham nenhum contato com a educação formal passaram a ser obrigadas a matricular seus filhos na escola pública5. Acostumada com o público de classe média, cujas famílias tinham o mínimo de contato com a educação formal, essa escola se viu “invadida” pela população da favela. Em um Estado de Direito com característica liberal, cuja “lei constituinte democrática” acabara de ser aprovada, o que se esperava naquele momento de expansão era a intensificação no investimento em educação, justamente para promover a oportunidade a todos e aproveitar o potencial de capital humano. O fato é que a expansão do acesso ao ensino fundamental não veio acompanhada de maior investimento em educação, e sim de medidas de recessão e corte no orçamento fiscal, obedecendo a lógica neoliberal aos países periféricos.
O caso do estado de São Paulo
Em 1995, durante o governo FHC (1995-2002), a opção pelo modelo econômico monetário pautado no “ajuste fiscal” trouxe consequências drásticas às áreas sociais. No caso do estado de São Paulo, marcado pelo início do governo do PSDB (mesmo partido da esfera federal naquele momento), diminuiu-se de maneira intensiva o investimento em educação e modificou-se parte da estrutura educacional. Para citar um dado do percentual de investimento direto aos alunos, por exemplo, sabe-se que o valor enviado à Secretaria da Educação caiu de 13,77% em 1986 para 10,70% em 1996 e 10% em 1997, chegando a 7,77% em 19986.
Ainda em 1995, durante a gestão Mario Covas, a secretária da Educação paulista passou a ser Rose Neubauer. Uma de suas primeiras medidas foi na estrutura institucional, visando “racionalizar o custeio”. Por meio do Decreto nº 39.902 de 1º de janeiro de 1995, a gestão Covas extinguiu as Diretorias Regionais de Ensino (DREs). A maioria dos professores e profissionais que trabalhavam nas DREs foi enquadrada no processo de desligamento por meio de “incentivo” de indenização do governo do estado de São Paulo (Lei Complementar nº 794 de 2 de junho de 1995). Todavia, os serviços efetuados por essas DREs ficaram a cargo das DEs e da Secretaria Administrativa, ocasionado aumento de serviço e uma nova centralização no Gabinete da Secretaria. Essas ações pareciam contraditórias em relação ao projeto de descentralização iniciado após a Constituição de 1988.
Com base nos pressupostos da descentralização e autonomia, a Secretaria da Educação paulista decretou em 21 de novembro de 1995 o Programa de Reorganização das Escolas da Rede Pública Estadual. Grosso modo, a reorganização dividiu as escolas do Ensino Fundamental de oito anos (1ª a 8ª série) em Ensino Fundamental I (1ª a 4ª série) e Fundamental II (5ª a 8ª série). O aluno já não poderia concluir seus estudos fundamentais em uma escola somente; após quatro anos teria de migrar para outra, que na maioria das vezes era distante de sua casa. Junto a esse “pacote”, com a intenção de “cortar custos”, foi implantado em 1998 o Regime de Progressão Continuada, cuja nomenclatura ficou conhecida como “aprovação automática”. Definitivamente esse seria um passo que extinguiria a possibilidade de qualidade educacional nas escolas públicas paulistas, induzindo as famílias com melhores condições financeiras a migrar seus filhos para escolas particulares. Para essa população paulista, que conseguiu concluir a educação básica nesse molde de escola pública brasileira, o ingresso nas universidades públicas só seria possível com mudanças significativas na estrutura de investimento, na ampliação das vagas e na aplicação de políticas públicas afirmativas, como é o caso das cotas. A iniciativa das cotas somente surgiu através das universidades federais em 2009, durante o governo Lula (2003-2010), e a propositura tornou-se lei federal em 2012, durante o governo Dilma (2011-2014).
Neste artigo específico, na seção a seguir, o objetivo será comparar entre 2000 e 2013 a dinâmica do investimento em educação pública (técnica e superior) no estado de São Paulo e no Brasil. O intuito é averiguar o modelo, na perspectiva do investimento em educação, capaz de amenizar as distâncias educacionais da população brasileira por meio da educação pública.
Investimento em educação: uma observação analítica
No campo orçamentário, a composição dos programas dos órgãos públicos (secretarias ou ministérios), que por sua vez são as principais unidades orçamentárias, depende de fatores exógenos à execução técnica. Algumas determinações, inclusive, são realizadas por meio de articulações na esfera político-partidária. Assim, um programa ou unidade orçamentária específica podem estar alocados em órgãos com nomenclaturas diferentes, dependendo da composição do governo7. Assim, um dos métodos para analisar e comparar os orçamentos públicos é aproximar os órgãos cujas unidades orçamentárias representam semelhanças no fator “função”. A variável específica a ser analisada é a função educação, (educação superior e técnica)8 . Ao criar séries históricas com dados da função educação foi possível observar no gráfico as tendências e a dinâmica do orçamento destinado às referidas unidades orçamentárias. Os valores, portanto, apresentam, segundo as Leis de Diretrizes Orçamentárias, as prioridades da execução para aquele determinado ano. Para tratamento dos dados foram utilizadas as ferramentas de análises quantitativas e seus métodos estatísticos.
Os gráficos a seguir apresentam o perfil e a dinâmica do investimento em educação superior, com três variáveis: Orçamento, Evolução das Matrículas, Evolução do Número de Docentes. A disposição será a seguinte: (1) Orçamento; (a) perfil do percentual sobre o total da receita arrecadada destinada à unidade orçamentária com função educação (superior e técnica); (b) perfil do percentual da receita arrecadada. O objetivo é comparar a tendência dos perfis, (a) São Paulo e (b) Brasil, em relação à dinâmica orçamentária. (2) Evolução das matrículas, (a) matrículas das universidades públicas, (b) matrículas das escolas técnicas. O objetivo é comparar os perfis de evolução das matrículas entre (a) São Paulo e (b) Brasil. (3) Evolução do número de docentes das universidades públicas paulistas e das universidades federais. O objetivo é comparar a evolução dos perfis (a) São Paulo e (b) Brasil.
1. Orçamento
A. São Paulo
GRÁFICO 1 – Perfil A: Percentual da despesa do governo do estado de São Paulo destinado às principais unidades orçamentárias (UOs) com a função educação. Entre as unidades orçamentárias estão USP, Unesp, Unicamp, Famema, Famerp e Ceetesp9. Perfil B: Receita total do governo do estado de São Paulo. Valores em milhões de reais constantes de 2006. Índice de ajuste: deflator implícito do PIB.
Perfil A: Percentual destinado às UOs Perfil B: Receita total do governo do estado
Fonte: Seade, Balanço Geral do estado de São Paulo, vários anos. Anuários: USP, Unesp e Unicamp.
B. Brasil
GRÁFICO 2 – Perfil A: Percentual das despesas do governo federal destinadas ao Ministério da Educação. Entre as unidades orçamentárias estão universidades federais, institutos e centros federais (MEC). Perfil B: Receita total do governo federal 2000-2013. Valores em milhões de reais constantes de 2006. Índice de reajuste: deflator implícito do PIB.
Perfil A: Percentual destinado ao MEC Perfil B: Receita total do governo federal
Fonte: www.tesouro.fazenda.gov.br/ orçamentos anuais; acesso em 8 de outubro de 2014, às 20:15.
2. Evolução das Matrículas
A. Universidades públicas
GRÁFICO 3 – Evolução das matrículas nas principais universidades. Perfil A: USP, Unesp e Unicamp. Perfil B: Universidades federais.
Perfil A: Matrículas nas universidades de São Paulo Perfil B: Matrículas nas universidades federais
Fonte: Anuários: USP, Unesp e Unicamp; Censo da Educação Superior 2013.
B. Escolas técnicas
GRÁFICO 4 – Evolução das matrículas das escolas técnicas. Perfil A: CPS-Cetec (Centro Paula Souza e Centro de Educação Tecnológica de São Paulo. Perfil B: Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica) e IFs (institutos federais).
Perfil A:Matrículas nas escolas técnicas paulistas Perfil B:Matrículas nas escolas técnicas federais
Fonte: www.cpscetec.com.br; acesso 8 de outubro de 2014, às 21:15. MEC/Inep, Censo da Educação 2013.
3. Evolução dos docentes
GRÁFICO 5 – Evolução do número de docentes nas universidades públicas, incluindo inativos. Perfil A: Docentes USP, Unesp e Unicamp. Perfil B: Docentes universidades federais.
Perfil A: Docentes USP, Unesp e Unicamp Perfil B: Docentes universidades federais
Fonte: Anuários: USP, Unesp e Unicamp; MEC/Inep, Censo da Educação 2013.
4. Análise de dados
Obviamente, nas linhas seguintes não será possível tecer análise profunda a respeito dos dados aqui observados. Sabe-se também que a educação é apenas uma entre outras variáveis importantes para o desenvolvimento social. No entanto, do ponto de vista quantitativo, com base nos dados colhidos, cabem algumas interpretações. São Paulo, por se tratar do estado mais rico da Federação, com maior dinâmica populacional de imigrações no século 20, indutivamente, possui uma estrutura ímpar, se comparado ao todo do Brasil. Por exemplo, em 2003, findos os oito anos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) no governo federal, a quantidade de docentes das universidades públicas do estado equivalia a 25% do número total de docentes das públicas federais em todo o Brasil. Isso aponta o tamanho da desigualdade regional existente no país. Ou seja, somente nas universidades estaduais paulistas o número de docentes era um quartil do número total das públicas federais, nessa perspectiva de comparação. Essa diferença no percentual caiu para 15,25% em 2013 (Gráfico 5), uma queda de 35% no fator desigualdade entre as universidades públicas paulistas e as federais em todo o Brasil. Essa evolução ocorreu durante o período de 2003-2013, sob a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT).
A ampliação da estrutura e a diminuição das desigualdades entre as universidades públicas paulistas e as federais também podem ser constatadas ao observar a evolução no número de matrículas (Gráfico 3). Em 2003, comparando-se ao total de matrículas das federais, a parcela das públicas paulistas equivaliam a 15,76%. A diferença caiu para 9,87% em 2013. Um avanço que duplicou o número de matrículas nas universidades federais e diminuiu em 40% as desigualdades em relação ao das paulistas. Nas escolas técnicas (Gráfico 4), o avanço no perfil foi semelhante. No entanto, a diferença dos modelos está na perspectiva da tendência. No Perfil A, as escolas técnicas paulistas demonstram uma tendência de estagnação, enquanto no Perfil B as federais encontram-se ainda em expansão.
Tais dados demonstram que, além de gerar novos postos de trabalho em concursos públicos com a ampliação de docentes, a expansão da estrutura educacional para outros estados mais pobres da Federação diminuiu as diferenças regionais. Nesse sentido, o modelo de expansão educacional do PT parece ter optado pela ampliação da universidade pública, pretendendo alcançar a população dos estados mais pobres. Tal opção permite um modelo de maior oportunidade para aquelas famílias mais pobres, que iniciaram o contato com a educação formal a partir de 1990, e dependem da educação pública para ascensão profissional.
Por fim, o Gráfico 1 e o Gráfico 2 apontam as principais características dos dois modelos na perspectiva dessa interpretação. O primeiro nos revela que, mesmo com um crescimento da arrecadação da receita do estado de São Paulo, o perfil de investimento nas universidades públicas paulistas mostra-se estagnado. Enquanto no segundo, embora a dinâmica do orçamento público tenha sido abalada pelos ciclos de crise, o investimento do governo federal em educação continuou em expansão.
Assim, com base nas observações, conclui-se que o modelo de educação pública instituído no estado de São Paulo sob o governo do PSDB optou pela estagnação, salvo as escolas técnicas no período de 2007-2013, mesmo mediante o aumento da arrecadação. E o modelo de educação pública do governo federal, sob a gestão do PT, optou pela perspectiva de expansão, mesmo em meio à crise de arrecadação orçamentária.
Eduardo Januário é doutorando em História Econômica (FFLCH-USP), mestre em História Econômica (FFLCH-USP) e especialista em História, Sociedade e Cultura (PUC-SP). Foi diretor de escola pública municipal em Pirapora do Bom Jesus (SP), de 2006 a 2009