À beleza das lutas anticoloniais e de libertação nacional,
em alguns lugares da África,
juntou-se também a alegria da revolução socialista.
O século 20 é marcado, em seus três primeiros quartos, como o século da colonização. A África de hoje segue o desenho do mapa político do período final do século 19, conhecido como o da partilha, e que teve suas normas estabelecidas na Conferência de Berlim (1884- 85). Após o colonialismo, as fronteiras estabelecidas pelos interesseseuropeus, desrespeitando tradições e conexões locais e regionais, permanecem em vigor até os dias de hoje, o querealça a importância daquele momento. Com exceção da separação da Eritreia da Etiópia, em 1993, e do Sudão do Sul do Sudão, em 2011.
Mais de 10 mil entidades políticas – clãs, reinos etc. – foram condensadas nos 54 estados atuais, no processo de colonização da África, concluído na Primeira Guerra Mundial, com a incorporação do Marrocos pela França, em 1911, e a ocupação definitiva do Egito pela Inglaterra, em 1914. A partir daí o continente africano passou a serdominado pela Inglaterra, França, Portugal, Alemanha, Bélgica (Rei Leopoldo II), Espanha e Itália. As exceções foram a Etiópia, nunca colonizada, embora ocupada pela Itália nas vésperas da segunda guerra; e a Libéria (1847),constituída pelos Estados Unidos para receber os escravos libertos americanos. Hoje, apenas o Saara Ocidental (República Sarauí) não é independente, mas ocupada pelo Marrocos.
Duas grandes regiões, bem distintas, são divididas pelo deserto de Saara: África do norte (arabizada) e a África sul-saariana, mas com laços históricos comerciais, religiosos e políticos. A África do Sul é uma exceção por suasparticularidades históricas.
O problema africano vincula-se historicamente à escravidão e ao colonialismo no continente africano, este recente.
Praticamente todo o continente africano foi palco de lutas anticoloniais no século 20, e de revoluções nacionais. Em alguns países, ocorreram também revoluções sociais.
O período do colonialismo, que incorporou a África à economia do mundo, correspondeu à sua exclusão no cenário internacional. O colonialismo excluiu a África das sociedades das nações.
Até a década de 1940, embora as tendências e correntes de pensamento africanos tocassem inúmeras questões sobre as condições dos africanos e da África, a independência estava longe de ser um ponto generalizado e de unidade.
O surgimento de um pensamento generalizado de independência irá se produzir antes da Segunda Guerra, e receberá diversas influências dos movimentos anteriores.
O pan-africanismo de 1ª e o de 2ª geração
Até o final da Segunda Guerra, a luta pela inclusão levada pelos africanos, ao longo do século 20, passou da defesa do negro, como indivíduo, à luta pela igualdade legal de direitos, que foram balizadas, entre outras lutas: pela Conferência Pan-africanista de 1900, em Londres, organizada por Henri Silvester William e Francis Peregrino; epelos 4 primeiros Congressos Pan-Africanistas de 1919, 1921, 1923 e 1927, organizados por WEB du Bois. Após1927, não houve novo congresso até a retomada da mobilização em 1945.
Na esfera anglófona, teve importância o garveyrismo de Marcus Garvey. Nas colônias portuguesas, com a queda da república portuguesa em 1926, substituída por um regime militar e, em 1929, pelo governo Salazar, os movimentos de assimilados federados em Lisboa na Liga Africana foram silenciados pelo menos até 1945.
A negritude
Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, surgiu nas velhas colônias francesas das Antilhas e Guyane, ummovimento mais culturalista em torno do conceito de negritude. O seu manifesto fundador foi o poema “Diário de regresso ao país natal”, publicado em 1939, por Aimé Césaire. A Césaire juntou-se o senegalês Leopold Sedar Senghor, que foi a sua maior expressão. Para Senghor, o significado alargado e principal característica de negritude era englobar a totalidade dos valores civilizadores do mundo africano como um denominador comum entre todos osnegros-africanos. Serviu para dar dignidade aos negros.
Posteriormente, a negritude foi criticada por Fanon e diversas lideranças, ao confrontá-las com as realidadesnacionais. Não havia aceitação incondicional do conceito de negritude para Fanon. Para Fanon, “a experiência vivida do negro” era algo em constante transformação, que não estava dado ou pré-concebido.
A 2ª Internacional comunista (1889-1916) e a África
Antes da Primeira Guerra Mundial, a Internacional Socialista colocava regularmente a questão colonial na pauta dos seus congressos. O Congresso de 1907, em Stuttgart, declarou que o triunfo do socialismo nas metrópoles permitiriaoferecer para todos os povos, a possibilidade de desenvolver plenamente as suas civilizações.
Os socialistas europeus aceitavam as colônias como realidade objetiva e inquestionável. O papel deles seria assumir da melhor maneira a missão civilizadora dos povos “mais avançados” para com os povos “ainda não civilizados”.
Lênin denunciou a posição do Congresso de Stuttgart, e publicou em 1914, o texto: “Do direito das nações de disporem de si mesmas”, no qual pela primeira vez se mostrou que a formação dos impérios coloniais permitia melhorar a situação dos operários europeus. Isso porque o enriquecimento extra das potências coloniais com seus impérios acabava por beneficiar a situação do conjunto das populações europeias e, assim, servia para retardar arevolução social na Europa.
Consequentemente, a luta nacional contra o imperialismo, deveria passar a ser um elemento fundamental da luta do proletariado mundial. Embora a posição de Lênin fosse mais radical que a maioria dos membros da II Internacional, continuava a não considerar as reivindicações dos povos colonizados como um objetivo em si a ser alcançado. (Ferro, 1996: 290)
A Seção Francesa da Internacional Operária (SFIO) não pregava o fim do colonialismo, mas sim a difusão da civilização entre os africanos, e tinha livre acesso ao eleitorado senegalês.
A 3ª Internacional comunista (1919-1943) e a África
Em decorrência da Revolução bolchevique em 1917, foi criado em 1919, o Komintern. Entre as condições para a adesão de um partido marxista ao Komintern, a oitava exigia a prática anticolonial militante.
A palavra de ordem era “classe contra classe”, isto é, a recusa de qualquer aliança com os partidos social-democratas, denunciados como traidores do marxismo e da classe operária.
A partir dessas diretrizes, a ação dos PCs europeus se desenvolveu em relação à África seguindo duas linhas táticas:
A linha “classe contra classe” se manteve até Hitler assumir como chanceler do governo alemão, em 1933, eprescrever o Partido Comunista Alemão perseguindo os seus membros.
Em 1943, Stalin dissolveu o Komintern. Os partidos comunistas já estavam maduros e a prescindiam, e, ademais, ele agora atrapalhava as relações com os aliados ocidentais na guerra contra o nazismo.
A Profinter (RILU) e o ITUC-NW
O Komintern criou em 1921 a Profintern ou RILU, Internacional Vermelha dos Sindicatos Operários, com um braço destinado à mobilização dos trabalhadores negros, o ITUC-NW - Comitê Sindical Internacional dos Trabalhadores Negros. A Profinter foi dissolvida em 1937 a mando de Stalin. George Padmore (Trinidad, 1903-1959) foi seuprincipal executivo e estabeleceu em Hamburgo o Escritório para os Trabalhadores Negros, para recrutar quadrosnegros e difundir a literatura marxista no mundo colonizado.
O ITUC-NW editou o Negro Worker de 1928 a 37, que circulava entre os trabalhadores negros da América do Norte,do Caribe e da Europa. E também em Lagos.
A Liga Anti-imperialista
O Komintern patrocinou em 1927, o I Congresso da Liga contra o Imperialismo e para a Independência Nacional (LCIPIN) ou Liga Anti-imperialista, em Bruxelas. A intenção era operacionalizar uma política de aliança entre os comunistas e os movimentos de libertação nacional nas colônias, que na África eram ainda insipientes.
A “questão negra” foi objeto de uma comissão especial que produziu uma resolução específica, objetivando “a libertação da raça negra em todas as partes do mundo; e reivindicando a liberdade completa para os povos africanos e para os povos de ascendência africana”.
A Liga Anti-imperialista durou pouco. Seu único congresso em Bruxelas em 1927, organizado pelo internacionalista Willy Münzenberg, foi a maior reunião de intelectuais- políticos do mundo periférico, até então, só superada pelaConferência de Bandung (1955).
Pese a ausência de representantes da África Ocidental Britânica, a Liga Anti-imperialista reuniu cerca de 180participantes das Américas e do Caribe, da Europa, da Ásia e da África.
Compareceram pessoas de extrema relevância, ou que tornariam a sê-lo posteriormente, como: Albert Einstein, V. R. Haya de la Torre (Peru), Jawarharlal Nehru (Índia), Mohamed Hatta (Indonésia), Lamine Senghor (Senegal), Jomo Kenyatta (Quênia), Hô Chi Minh (Vietnam), Messali Hadj (Argélia), Soong Ching-Ling (viúva de Sun Yat-Sem, China), entre outras.
Vinte e oito anos antes da Conferência de Bandung (1955), o Congresso Anti-imperialista de Bruxelas marcou aemergência de uma unidade dos povos dos três continentes contra a hegemonia ocidental.
Em 1930, Padmore organizou em Hamburgo a I Conferência Internacional dos Trabalhadores Negros. A Conferência pediu a completa independência para todas as colônias e o reconhecimento do direito à autodeterminação para todas as nações.
Na época havia também a Federação Internacional Social-Democrata dos Sindicatos Operários, criada pela II Internacional, que os comunistas chamavam de “internacional amarela”.
Os PCs na África
Em conformidade com as teses de Stalin sobre a questão nacional e colonial, não se considerava a possibilidade de criar partidos comunistas nos países onde as condições da revolução proletária não se encontravam reunidas. Nas colônias, criavam-se seções dos partidos das metrópoles.
Por isso, o único partido comunista na África sul-saariana foi o Partido Comunista Sul-Africano (PCSA), fundadoem 1921. Era quase exclusivamente composto por brancos e pediu filiação à Internacional Comunista. Mas essa posição política era ambígua, pois mantinha os brancos em vantagens econômicas e sociopolíticas sobre os trabalhadores negros.
Em 1929, a situação foi revertida quando foi eleito para o Comitê Central do PCSA, um secretário-geral negro,Albert Nzula. Ele provinha da Liga dos Jovens Comunistas, com toda uma nova geração de comunistas negros. Em 1950, o PCSA foi declarado fora da lei pelo governo sul-africano.
A existência de células de partidos comunistas europeus, na África, parece ter sido efetiva apenas entre as populaçõesde trabalhadores brancos, eventualmente com a participação de africanos.
Antes da Segunda Guerra Mundial, com exceção da África do Sul, não houve ação contundente da militância comunista branca na África sul-saariana, junto ao proletariado negro.
Influenciaram para isso:
Na África francesa sul-saariana, o PC francês teve um notável papel na eclosão e na expansão do movimento anticolonial.
Com a ascensão de Hitler e a repressão anticomunista, os PCs, seguindo orientações de Moscou, trocam a palavra de ordem “classe contra classe”, pela de “nação contra nação”, o que significou abandonar a linha anticolonial, para não incomodar as alianças na luta contra o nazismo. Na sequência houve saídas e expulsões do Komintern de militantes negros que divergiram, entre os quais George Padmore.
Os escritos de Lamine Senghor nos anos 1920, os de CLR James (Trinidad e Tobago) a partir dos anos 1930, assim como os de Ousmane Sembene (Senegal) e de Frantz Fanon (Martinica), todos marxistas, após a Segunda Guerra Mundial, mostram as relações complexas entre a solidariedade de classe e a solidariedade racial. Ensinam sobre as possibilidades, mas também os limites dos movimentos transnacionais de libertação e contra a injustiça.
O pan-africanismo de 3ª geração
O pan-africanismo que floresceu no pré-guerra, de 3ª geração, se inspirou no pan-africanismo anterior, no negrismo de Marcus Garvey, nos pensadores da negritude, como Aimé Cesare e L. Senghor e outros pensadores africanos e afrodescendentes, nas doutrinas marxistas e em pensadores que haviam teorizado e praticado lutas de libertação, como Mohandas Gandhi.
Este pan-africanismo, sem negar os anteriores, mas para completá-los e realizá-los, propôs a independência de todos os povos africanos da tutela colonial, por todos os meios necessários. Organizou o V Congresso Pan-Africanista em 1945, em Manchester, liderados por Georges Padmore e Kwame Nkrumah, embora ainda dirigido por WEB du Bois.
Pela primeira vez os líderes africanos advertiam as potências europeias a intenção de recorrer à força para se libertar, caso os colonizadores pretendessem continuar a governar a África.
O objetivo era o poder total, o controle do aparelho de Estado sobre os territórios africanos e a expulsão dos colonialistas. Era uma luta política pela independência em relação às metrópoles, e pela inclusão da África na sociedade das nações. Uma luta pelo direito dos africanos à autonomia e soberania total dos seus territórios.
A influência marxista nesse congresso se observa na resolução final aos povos colonizados que termina com: “Povosdo mundo submisso e colonizado, uni-vos!”
Esta luta foi vitoriosa. Dez anos depois, a Conferência de Bandung (1955) irá marcar o nascimento do afro-asiatismo e do não-alinhamento, e a década de 1960 passará a ser conhecida como a década das independências africanas.
Em plena Guerra Fria, e com as pressões excludentes, o movimento se divide em dois: o Grupo de Casablanca e o deMonróvia.
O Grupo de Casablanca, liderados por Khruma (Gana) e Nasser (Egito), era pan-africanista maximalista, defendia o fim da divisão geopolítica imposta pela Conferência de Berlim (1885), em prol da unificação da África em uma só nação, o que garantiria posição de centralidade no cenário político, econômico e militar mundial. Simpático ao socialismo, apoiava a luta armada e era conhecido como o Grupo dos Radicais.
O Grupo de Monróvia (Libéria) liderados por Houphouet Boigny (Costa do Marfim) e Leopold Senghor (Senegal), era pan-africanista minimalista, entendia as fronteiras herdadas da colonização como intocáveis. Defendia a solidariedade política entre os países africanos e não a integração de Estados soberanos num bloco. Foi o grupo quedominou a Organização da Unidade Africana (OUA), em 1963. Próximo dos ocidentais, era conhecido como o Grupo dos Conservadores.
Com as independências de Gana, em 1957, e da grande maioria dos países nos anos 1960 (exceção das colônias portuguesas e da Namíbia, que se tornaram independentes posteriormente), as bandeiras de luta do pan-africanismo evoluem e passam a debater questões sobre o neocolonialismo, a construção do estado-nação, tradição ou modernidade, o desenvolvimento, e sobre o socialismo, constituindo um pan-africanismo de 4ª geração, se interrogando “Ser como os do centro ou ser nós mesmo?”. Neste debate surgem novas lideranças, K. Nkrumah, Leopold Senghor, J. Nyerere, A. Cabral, Nnamdi Azikiwe, A. Neto,Samora Machel.
No início dos anos 1960 foi criada a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas(CONCP) para coordenar a guerra contra Portugal, onde participam o PAIGC, e os movimentos das outras colônias.Amilcar Cabral, Mario de Andrade, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, aí participam e todos tinham forteinfluência marxista.
Neste contexto foi que surgiram as propostas de socialismo para a África.
O socialismo africano
O socialismo africano foi uma ampla tendência de pensamento, a mais importante da região sul-saariana na época,tanto pelas figuras que a compunham, como pela originalidade das ideias e o reconhecimento intelectual que tiveram (Deves-Valdes). Foi heterogêneo em sua forma e conteúdo.
O socialismo africano não deve ser confundido com o pensamento marxista na África. Vários pensadores dessa escola receberam influência do pensamento marxista, mas se definiram como não-marxistas, em particular negando a existência da luta de classes na África.
Por outro lado, outros autores assumiram o marxismo, como Frantz Fanon, Samir Amin (Egito), Mohamed Babu (Zanzibar), mas não podem ser situados no campo do socialismo africano, ainda que tenham sido socialistas eproduzido na África.
Pode se considerar características gerais do socialismo africano:
Trata-se de um socialismo “humanista” mais que econômico, onde o desenvolvimento da justiça e da igualdade é que o marca; o desenvolvimento das forças produtivas é pouco acentuado. Postula um encontro da África consigo mesma.
Julius Nyerere (Tanzânia): Mesmo se a Tanzânia tenha instituições capitalistas, as massas populares não se transformaram em capitalistas e não foram marcadas pelas ideias capitalistas. “Devemos reativar a filosofia dacooperação na produção e distribuição equitativa.” O socialismo e a democracia estão enraizados nas culturas locais [africanas]. A Ujamaa (família, aldeia) foi usada para defender o socialismo. Postula criar uma sociedade a partir das próprias raízes, com características da organização tradicional, “estendendo-se a que possam abraçar as possibilidadesda tecnologia moderna”. A cultura camponesa africana, sendo essencialmente socialista e democrática, implica a inexistência da luta de classes. (Nyerere).
Na Ujamaa se destacam três princípios:
Sekou Touré (Guiné Conacri): A África é essencialmente comunocrática, a vida coletiva e a solidariedade social dão aos costumes africanos um fundo de humanismo pelo qual o individuo não pode considerar a vida fora da família, aldeia ou clã. Existindo diferenças ou tensões na sociedade de Guiné, estas dependem de questões como egoísmo, individualismo e oportunismo, pois na África o antagonismo entre classes não existe. Pelo fato das principais contradições na Guiné não serem internas, mas sim externas, a luta contra o imperialismo seria a principal tarefa dos trabalhadores.
Leopold Senghor (Senegal): A sociedade africana ancestral, baseada na comunidade, se encontra sustentada em valores espirituais e democráticos, o que leva a afirmar um socialismo comunitário em oposição a outro coletivista. A sociedade negro-africana é uma sociedade sem classes, mas isso não deve ser confundido com não ter diferenças, como as provenientes de hierarquia ou da divisão de trabalho.
Kwame Nkhruma (Gana): O rosto tradicional da África implica uma atitude em relação ao homem que não pode ser qualificada senão como socialista. Elabora o conceito de “conscientismo”, para explicar a troca do colonialismo pelo socialismo, em luta permanente contra as tentativas de recolonização. Esse socialismo, fiel aos seus propósitos, buscaria a conexão com o passado igualitário e humanista do povo, antes que sua evolução social fosse assolada pelo colonialismo. O “conscientismo”seria a realização renovada e atualizada da personalidade africana.
Devido ao homem africano ser acima de tudo um ser espiritual, dotado desde o início de certa dignidade, integridade e valor interno, não surgiriam classes no sentido marxista do termo.
Um Nkhruma tardio passará a aceitar as classes e a luta de classes na África.
Alguns líderes que empregaram o socialismo africano: Nandi Azikiwe (Nigéria), Obafemi Awolowo (Nigéria), Mamadou Dia (Senegal), Modibo Keita (Mali), Tom Mboya (Quênia), Keneth Kaunda (Zâmbia), Ahamed SékouyTouré (Guiné-Conacri), Julius Nyerere (Tanzânia), Leopoldo S. Senghor (Senegal), Kwame Nkhruma (Gana).
O socialismo científico
Propõe uma revolução profunda nas estruturas através da luta anticolonial, anti- imperialista e anticapitalista. É materialista, no sentido onde as questões do bem-estar social e do fim da exploração e da alienação, se resolvem, em última instância, pela economia; propõe a industrialização e a modernização, é marcado pelo coletivismo,solidariedade, pelo internacionalismo, por ser ateu e pela aceitação da luta de classes. O socialismo seria ummomento em que a luta de classes se acirraria, mas estando o poder político e econômico nas mãos do povo, e de transição para uma sociedade superior, comunista. O partido comanda o governo.
Países que aplicaram um programa de revolução democrática e popular:
No Egito, na Líbia e na Argelia houve um socialismo pan-árabe, de outra origem, porém com aspectos convergentesao socialismo africano e ao socialismo científico:
Assim, o socialismo africano e o socialismo científico, este expresso nas repúblicas populares, são conceitos distintos.
As colônias portuguesas, sobretudo Angola e Moçambique, foram os exemplos mais profundos e significativos do socialismo democrático e popular. Os anos de luta armada pela independência (1960 e 70) em plena guerra-fria e de não alinhamento deu-lhes tempo de reflexão para adotaram as posições socialistas, aproximando-se do mundo socialista que os apoiavam, China, URSS e Cuba.
Mas temos de ter claro que o contexto da luta socialista se deu nos marcos da luta de independência nacional. O que exigiu definir muito bem “Quem é o inimigo?”, o que implicava resolver duas questões essenciais, entre outros nãotratadas aqui.
Luta de classes ou luta de independência nacional?
Frantz Fanon: “O nacionalismo, se não se torna explícito, se não se enriquece e se aprofunda, se não se transforma rapidamente em consciência política e social, em humanismo, conduz a um beco sem saída.”
Amílcar Cabral: “Nós somos um povo dominado pelo colonialismo português. A nossa luta é uma luta de libertação nacional. Isto quer dizer que queremos acabar com a dominação estrangeira, dominação política e sobretudo econômica. Mas naturalmente que há, no interior do país e no plano das relações exteriores, com o domínio colonial, um problema de classe. A dominação colonial na nossa terra é a dominação da classe dirigente portuguesa sobre o nosso povo ou, se o preferirem, sobre a nossa nação considerada no seu conjunto como uma classe e, portanto, a primeira contradição a resolver é exatamente acabar com essa dominação de classe do estrangeiro sobre nós. A Metrópole explora a colônia, da mesma forma que um burguês explora os operários, assim seria a forma da luta dos explorados contra os exploradores. Ou seja, uma luta de classes entre países.”
Samora Machel: O problema não é “africanizar” o poder, mas conquistá-lo pelas e para as massas. “‘Africanizar’ o poder colonial e capitalista retira o sentido à nossa luta. Qual a razão de ser de tanto sangue, se no fim continuássemos submetidos a um Estado que, mesmo se governado por moçambicanos, só serve os ricos e os poderosos? Como manter uma polícia que prende e tortura os trabalhadores, guardar um exército que dispara contra o Povo, mesmo se todos os generais forem pretos?” “A questão do poder popular é a questão essencial da nossa Revolução.” Samora não dissociava as lutas. No discurso na declaração de independência em 25 de junho de 1975dizia: “Dizer República Popular é dizer Independência; dizer República Popular é dizer Revolução.”
Agostinho Neto: “Quem é o inimigo? Diremos que é o colonialismo, o sistema colonial, é ainda o imperialismo quesustenta o primeiro, sendo até o inimigo principal.” “A preocupação em África em fazer da luta de libertação uma luta racial de pretos contra brancos não só é epidérmica, mas podemos dizer reacionária e essa tese não tem futuro, no momento mesmo em que verificamos haver mais contatos entre pretos e brancos sobre o continente do que na época do colonialismo.”
***
A luta anticolonial não deve ser confundida com a luta de independência nacional. A luta anticolonial foi vitoriosana África. A luta de independência nacional foi mais complexa e exigiu um processo mais longo. Para existir independência nacional seria preciso que existisse a nação e, para isso, seria preciso formar o nacionalismo antes. Samora dizia: “Unir todos os moçambicanos, para além das tradições e línguas diversas, requer que na nossa consciência morra a tribo para que nasça a Nação.” E nesta tarefa, os africanos também foram bem-sucedidos.
Partido ou frente?
O PAIGC (1956) foi o único partido das colônias portuguesas antes das independências. MPLA (1960), um movimento; a FRELIMO (1962), uma frente; o MLSTP (1972), um movimento. Estes movimentos e frente se transformaram em Partido–ML, de vanguarda, assim que tomaram o poder em 1975, e assumiram o socialismo com um programa da revolução democrática e popular. Mas antes disso, já se organizaram nos princípios básicos dospartidos leninistas.
O PAIGC se dividiu entre o PAICV e o PAIG, após o golpe de Estado de Nino Vieira em 1980. Mas ambos continuaram ML e socialistas. Porém, todos, no início dos anos 90, com o neoliberalismo, deixam de ser marxistas eadotaram o pluripartidarismo no Estado.
A constituição de um partido forte foi imprescindível para fazer avançar a luta. Os partidos criados foram partidos de combate, e depois partidos de governo, para a seguir se acomodarem no neoliberalismo, onde alguns continuam no poder até os dias atuais.
Fracassos
Apesar dos ventos favoráveis, os países independentes, na África sul-saariana, não cumpriram suas promessas dedesenvolvimento após três décadas. Nem os socialistas e nem os capitalistas. O Zaire (RDCongo) nunca foi socialista, nem a Rep. Centro Africana, a Libéria, a Nigéria, a Costa do Marfim etc. E, no entanto, todos chegaram ao final dos anos 1980 com crises profundas econômicas, financeiras, políticas, sociais, com bolsões de fome e conflitosregionais. Raras foram as exceções.
Desta forma, podemos afirmar que não foi o socialismo que deu errado na África. Não houve erros intrínsecos aossocialistas africanos. Nos países africanos socialistas cometeram-se os mesmos erros que em outros países socialistas, apenas tardiamente. Todos os modelos implantados nesse período foram um fracasso. Os que optaram pelocapitalismo, pelo socialismo, pela modernização, pela tradição, todos fracassaram. Devemos buscar em outro horizonte as razões desses fracassos.
Isso nos leva a supor que o modelo de acumulação socialista utilizado talvez tivesse parentesco com os dos países africanos capitalistas. E que a revolução socialista na África chegou quando se encerrava um ciclo de acumulação de capital e, o quanto o futuro da África está comprometido com o futuro da humanidade. Compreender essas causas é ainda um assunto em aberto, pese as diferentes interpretações e estudos já existentes.
Para concluir
A luta anticolonial foi vitoriosa na África com as independências. As questões nacionais, no geral, foram resolvidas. Porém, a miséria e a exploração e a penúria continuam em formas distintas, e expõem as nações africanas a fraquezas, sobretudo frente às forças externas.
Por diferentes motivos, os partidos revolucionários socialistas se transformaram de instrumentos de luta ideológicapara uma nova ordem socialista, em agentes governamentais atendendo as classes dominantes que se formavam.
Há ainda um longo caminho a ser percorrido. A grande maioria da população sul-saariana está em situação de miséria absoluta, convivendo com os piores índices de desenvolvimento humano do mundo, simultaneamente com a formação e o desenvolvimento de classes africanas, negras, extremamente ricas e abastadas, vinculadas ou não ao capital internacional.
Ao mesmo tempo, os movimentos de trabalhadores agrícolas, de cooperativistas, de mulheres, da juventude, florescem com novas bandeiras e mobilizações, apontando que o campo para os ideais socialistas continua aberto.
Lutar para reduzir as desigualdades econômicas e sociais, acabar com a miséria absoluta e com a fome, lutar pela igualdade e diversidade social, de gênero, de raça, LGBTQ+, das minorias diversas, pela preservação do planeta e pela soberania nacional, no âmbito da crise do capitalismo, do processo de mundialização e de esgotamentoplanetário, e por isso mesmo numa perspectiva de aproximação e harmonia com os povos de outras partes do mundo e de construção de uma organização internacional, é tarefa para os democratas, para os sociais-democratas, para osverdadeiros cristãos, católicos e evangélicos, para os nacionalistas e progressistas de diferentes matizes da atual geração.
Lutar por todas essas e também para eliminar as relações de exploração, de dominação e de alienação, fomentando novas relações sociais, solidárias e de bem-estar comum, não utópicas, mas reais, concretas, palpáveis, numa visão internacionalista, é tarefa para os comunistas do século 21, um comunismo de 5ª. geração.
A luta pelo socialismo na África foi uma experiência tardia, abortada precocemente, e que continua!
Apresentação realizada na mesa “A luta pelo socialismo na África”, em 27/03/21, das 13 Jornadas de Debate sobre o Socialismo no Século 21, organizadas pela Fundação Perseu Abramo e o Partido dos Trabalhadores.
Beluce Bellucci é diretor de Educação a Distância da Universidade Candido Mendes, onde é professor e coordena o curso de Historia da Africa e do Negro no Brasil
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