Mundo do Trabalho

A CUT saiu amadurecida do seu 3º Congresso, que reuniu 6.242 delegados entre os dias 7 e 11 de setembro passado, em Belo Horizonte. Eleito pela terceira vez presidente da entidade, o metalúrgico de 41 anos, Jair Meneguelli, nesta entrevista exclusiva, explica o que mudou dentro da CUT - e clarifica as razões dessas mudanças

A CUT saiu amadurecida do seu 3º Congresso, que reuniu 6.242 delegados entre os dias 7 e 11 de setembro passado, em Belo Horizonte. Eleito pela terceira vez presidente da entidade, o metalúrgico de 41 anos, Jair Meneguelli, nesta entrevista exclusiva, explica o que mudou dentro da CUT - e clarifica as razões dessas mudanças.

O 3º Congresso da CUT, realizado em Belo Horizonte, em setembro passado, está sendo considerado um marco histórico no sindicalismo brasileiro. Na sua opinião o que mudou nesse Congresso?
A grande mudança foi a decisão firme da grande maioria dos delegados, que aprovou uma concepção sindical baseada na história recente do movimento sindical e nas lutas dos trabalhadores. Essa concepção está agora consolidada nos estatutos e na estrutura sindical aprovados. Estamos deixando de ser só uma articulação do movimento sindical que só se reúne para avaliar e reagir diante de fatos já ocorridos. É necessário pensar na frente, formular propostas que reflitam os interesses imediatos e futuros da classe trabalhadora e do próprio país. Precisamos e vamos nos estruturar organicamente, porque haverá transformações e não podemos ficar esperando que elas aconteçam, para só então tomarmos alguma iniciativa. Se a CUT conseguir desempenhar esse papel, não tenho a menor dúvida de que a Central se consolidará como direção de todos os trabalhadores, porque será reconhecida como verdadeira representante da classe trabalhadora.

As resoluções do 3º Concut podem ficar reduzidas a uma carta de intenções e não passar disso. Portanto quais são as mudanças que contribuem para que a CUT possa se consolidar como direção de fato do movimento sindical?
Não se trata de uma carta de intenções. A Executiva tem como função executar as resoluções do Congresso. Agora, como no passado, nós nos defrontamos com uma disputa interna. São os rescaldos do Congresso, que podem perdurar durante todo o mandato, como já aconteceu antes. Dessa vez, porém, conseguimos fazer uma discussão mais profunda e mais democrática, com mais de três meses de antecedência. Praticamente todos os sindicatos participaram desse encaminhamento, discutindo junto às bases as diferentes teses apresentadas para o 3º Concut. Entre as teses havia algumas que não queriam alterar nem os estatutos nem a estrutura da Central. Portanto, as medidas aprovadas no Congresso não podem ser questionadas por ninguém, porque se passou por todo um processo de encaminhamento, que fortaleceu a democracia da CUT e, consequentemente, a própria entidade. Essa é a maior força de que dispomos hoje. Essa força chama-se democracia operária e nada tem a ver com a democracia burguesa, baseada no poder econômico, que controla os meios de comunicação de massa e impede o livre acesso da classe trabalhadora a esses meios, neste país. Foi com o objetivo de fortalecer e desenvolver a democracia operária que propusemos algumas mudanças fundamentais. Por exemplo, a CUT para se transformar em uma representante real dos trabalhadores, do movimento sindical, precisa estabelecer critérios que fortaleçam suas instâncias de representação. Vamos construir uma central sindical baseada nas entidades sindicais. Por exemplo, o número de delegados que elegerá as instâncias de decisão da CUT será proporcional ao nível de sindicalização. Com essa medida estaremos dando mais um golpe na estrutura sindical corporativista, que sobreviveu todos esses anos porque o Estado garantia a sobrevivência do sindicato independentemente da participação ou não dos trabalhadores.

Você poderia dar um exemplo concreto?
Claro. É só analisar o caso do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e compará-lo com o de São Paulo. Pelo critério anterior, os delegados seriam proporcionais ao número de trabalhadores na base. Como o Sindicato de São Paulo tem três vezes mais trabalhadores na base do que São Bernardo, teria o direito de ter mais delegados, independentemente do número de sindicalizados, associados espontaneamente. Porém, o nível de sindicalização em São Bernardo é bem maior do que em São Paulo. Nós acreditamos que o critério estabelecido tem condições de conferir maior representatividade. As oposições sindicais, desde que sejam reconhecidas e acompanhadas pela CUT estadual, terão direito a um número de delegados proporcional aos votos obtidos na eleição sindical. Caso seja uma oposição recente, seus delegados não poderão exceder o número do menor sindicato da categoria. E todos esses delegados terão de ser eleitos nas instâncias máximas; isto é, assembléias gerais, no caso dos sindicatos e plenárias, no caso das oposições. Por outro lado, os delegados eleitos nessas instâncias terão a responsabilidade de eleger, nos congressos estaduais, os delegados para o Congresso Nacional. Elimina-se a visão corporativa e estreita de um lado, enquanto se fortalece a representação política por outro.

Essa posição sofreu muitas críticas. Afirmava-se que a tese 10, a tese vencedora no Congresso Nacional, estaria querendo acabar com a democracia interna da CUT, porque reduzia o número de delegados e a participação das oposições sindicais nos congressos. O que você acha disso?
Eu penso que esses companheiros não queriam ouvir nossos argumentos, não queriam entender o que estava escrito nos nossos documentos, porque a posição era e é muito clara. Nós queremos fazer da CUT uma central sindical e não um partido político. Nossa visão está sustentada em uma experiência de luta e não em uma concepção teórica distante da realidade. E nós vamos dirigir a luta estabelecendo instâncias formais e informais de consulta ao movimento real da classe trabalhadora. Nós vamos estruturar a CUT e dirigi-la tanto do ponto de vista político como administrativo. Tem companheiro que defende a posição de que o sindicato pode e deve negociar, mas que a central sindical não pode negociar. Ora, há um grande equívoco por parte desses companheiros. Por mais que eu seja contra o sistema capitalista, não posso ignorar a sua existência concreta. Por mais que esses companheiros sonhem com uma central sindical dirigindo o processo revolucionário, o movimento sindical - sindicatos, associação, federação, departamento, confederação ou central - tem como característica a negociação. Ele não pode se furtar à obrigação de exigir melhores salários, melhores condições de salário discutindo com a classe patronal. Não podemos deixar que dentro da Central passe uma visão de que a CUT será alternativa de poder ou a alternativa de futuro partido revolucionário neste país. Acredito que cada um tem o seu papel. A Central poderá ser, no processo de luta, até a base de sustentação de mudança neste país. Mas não é a Central que dirige ou que se coloca como alternativa de poder.

O que você quer dizer quando afirma que a concepção aprovada no 3º Concut está baseada na experiência de luta e não em uma teoria distante da realidade?
Eu creio que o Congresso aprovou aquilo que eu chamaria de síntese de pelo menos quatro grandes vertentes do movimento sindical. A primeira, como não podia deixar de ser, é a experiência histórica - da luta da classe trabalhadora nacional e internacional. Que veio da Europa, da Inglaterra, da Alemanha, da Itália, que passou pelos anarco-sindicalistas, pelos socialistas e comunistas que tanto influíram na formação dos primeiros sindicatos brasileiros. Veja a quantidade de sobrenomes italianos que aparecem até hoje entre as lideranças sindicais. Essa experiência passa pelo Estado Novo, pelo sindicato corporativista atrelado ao Estado, pelas tentativas de se romper por dentro e por fora, pela manipulação do movimento sindical, tanto pela direita como também pela esquerda (lembre-se de 1964). A história é rica, muito rica. A outra vertente vem das oposições sindicais, que resistiram heroicamente durante os anos da ditadura militar, nos pequenos grupos de fábrica, clandestinos, que se reuniam no fundo das igrejas e foram duramente perseguidos pela repressão política. Uma terceira vertente foi o sindicalismo que partiu das estruturas oficiais para romper com elas por meio do movimento de massa que teve no sindicalismo do ABC paulista, particularmente em São Bernardo, uma referência muito grande. A quarta vertente eu acredito que seja a experiência dos trabalhadores rurais, que trouxeram para dentro da CUT uma realidade complexa, semeada de lutas, mais abrangente, assim como a necessária aliança entre trabalhadores do campo e da cidade e ainda não conseguimos sistematizar da maneira que é preciso. Eu acredito que a CUT hoje caminha para representar politicamente todas essas correntes, que trazem a marca da combatividade, da luta contra o peleguismo, que superam o anarco-sindicalismo e ao mesmo tempo resistem ao cerco do latifúndio e dos coronéis.

O que foi essa experiência de São Bernardo?
Parece até mentira, diante da inflação que vivemos hoje, mas tudo começou quando o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, falsificou os índices de inflação. Começou o movimento pela reposição dos 34,1% roubados nos anos do Milagre Brasileiro. Naquela época observou-se a inoperância das federações com relação às reivindicações e à organização da luta do conjunto da classe trabalhadora. E a partir de uma decisão da diretoria do Sindicato de São Bernardo, presidido naquela época pelo companheiro Lula, tomou-se um caminho diferente no movimento sindical, levando o sindicato às portas das fábricas, discutindo diretamente com os trabalhadores as suas principais necessidades enquanto classe. Após as primeiras greves de 1978, no ABC, esse movimento se difundiu por todo o país, porque havia um nó na garganta de cada trabalhador, depois de termos passado quase 15 anos de ditadura. Constatamos que as greves isoladas eram mais facilmente reprimidas. Em São Bernardo, por exemplo, a repressão aparecia com um efetivo de cerca de 12 mil homens, dos mais variados órgãos de repressão, tentando desmobilizar o impedir o avanço da classe trabalhadora, com a desculpa, para a opinião pública, de que estavam protegendo a propriedade. Portanto, se justificava a presença do Dops, do DOI-Codi, da Polícia Federal, da Polícia Civil e Militar, cães, cavalaria etc. O contato com outros trabalhadores de outras cidades e de outros estados permitiu descobrir, na prática, o que tínhamos em comum. Desde as reivindicações imediatas até mesmo a necessidade de se pensar em participação política maior da classe trabalhadora. Eu acredito que a maior vitória foi a gente ter conseguido resgatar na luta a dignidade da classe trabalhadora, de colocá-la de frente no cenário político deste Brasil, de termos operários nas capas de jornais e revistas, tratados como cidadãos, de reacendermos a luz da esperança na democracia, que nunca existirá sem nossa efetiva participação.

Nessa época já se falava em CUT?
Não exatamente na CUT, mas na necessidade de centralizar as lutas que se sucediam por todo o país. Alguns sindicalistas mais velhos, mais experientes, já chegavam a falar em uma central. Começamos a enxergar, dentro do movimento sindical, as próprias limitações desse movimento ou de uma central, diante do grande desafio que era promover informações profundas na nossa sociedade, acabar com a exploração do homem pelo homem imposta pelo sistema capitalista. Caso contrário, no máximo conseguiríamos reduzir o grau de exploração, mas continuaríamos sendo explorados. Diante dessas constatações e descobertas, participamos e também promovemos alguns encontros que culminaram com a realização da 1º Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat).

Por que o nome de Conferência e não Congresso?
Porque ainda havia o risco de o governo proibir a realização de um Congresso, que tem um caráter deliberativo e orgânico, o que era proibido pela legislação trabalhista e sindical vigentes e portanto sujeito a repressão legal, o que não interessava naquele momento. Conseguimos naquela época reunir basicamente todas as tendências do movimento sindical brasileiro. É bom lembrar que as colorações partidárias não estavam expostas. Conseguimos caminhar juntos: Lula, Olívio Dutra, Arnaldo Gonçalves, Joaquinzão, Hugo Peres, José Francisco, Ivan Pinheiro e muitos outros. Era um movimento sindical de oposição, que trabalhava como se fosse uma frente partidária, com objetivos comuns. O MDB naquela época era o único partido legal de oposição. Quando foi explicitada a proposta de se criar um partido que teria como nascedouro a classe operária, houve resistência por parte de algumas pessoas. Na verdade, elas já atuavam no movimento sindical seguindo as orientações de seus partidos.

Essa posição fica clara na 1º Conclat ou depois dela?
Já na Conferência estava muito claro. Eu me recordo de que durante a 1º Conclat, o Arnaldo Gonçalves disse, diante de milhares de trabalhadores no plenário, que gostava do Lula, que confiava e acreditava no Lula no tempo em que ele vestia apenas uma camisa, a do sindicalismo. Mas, na medida em que Lula passou a ter uma outra camisa por baixo, já não era mais uma pessoa confiável. E o Lula não teve o mesmo comportamento, porque poderia dizer à plenária que o senhor Arnaldo Gonçalves, há muito mais tempo, vestia uma outra camisa além da do sindicalismo, porque era da direção do PCB. Mesmo depois de todos esses incidentes, tentou-se caminhar junto, dentro do que se chamava Comissão Nacional Pró-CUT, que tinha como finalidade a criação da Central Única dos Trabalhadores. Essa comissão contemplava praticamente todas as tendências do movimento sindical, dos atrasados aos revolucionários. Essa comissão foi perdendo a razão de ser, porque não conseguia fazer mais nada além de marcar uma nova reunião. Em um ano conseguimos desenvolver apenas uma luta, que foi o recolhimento de um abaixo-assinado contra o Decreto-Lei 2045, para ser entregue para o presidente, e que foi protocolado na Palácio do Planalto.

E como foi o processo de rompimento com esse pessoal e, conseqüentemente, a criação da Central Única dos Trabalhadores?
Esse pessoal não queria saber de criar uma Central Única se essa central não estivesse sob seu controle. Nunca admitiram a possibilidade de participar de uma entidade democrática, onde eles não teriam o controle. Em 1983 eles tentaram adiar a fundação da CUT, sabotando todos os encaminhamentos que foram realizados conjuntamente. Ivan Pinheiro, secretário-geral da Comissão Nacional Pró-CUT, centralizava todas as informações. Quando eles perceberam que os resultados dos congressos estaduais apontavam a vitória das nossas posições, resolveram sabotar a realização do que seria o Iº Congresso da CUT. Simplesmente desapareceram com as fichas de inscrição algumas semanas antes do Congresso; ao mesmo tempo, as centrais sindicais de outros países receberam telex do Ivan Pinheiro, comunicando o adiamento do Congresso. Eles não acreditavam que a gente tivesse capacidade para remontar o Congresso praticamente do zero, em apenas duas ou três semanas. Nós aceitamos o desafio. No dia 28 de agosto de 1983, com a participação de mais de 5 mil delegados de todos os estados do Brasil, era fundada a Central única dos Trabalhadores.

Como foi que vocês conseguiram realizar praticamente um novo Congresso em tão pouco tempo?
Foi o maior sufoco! Além do desaparecimento das fichas de inscrição e desmobilização das centrais sindicais convidadas, havia o problema de dinheiro e outros recursos fundamentais para a realização do Congresso. Mas nós fomos atrevidos. O Sindicato de São Bernardo estava sob intervenção. Contamos com o apoio da cidade, da Prefeitura Municipal, com a decisão e a disposição de algumas dezenas de outros sindicatos, que se colocaram para mandar gente por todo esse Brasil, para impedir que o boicote do Partidão, do MR-8, dos pelegos, do PCdo B, do que hoje se chama Coletivo Gregório Bezerra etc. surtisse efeito. Enquanto isso, buscamos apoio popular junto aos trabalhadores do ABC. Fizemos uma campanha nas portas das fábricas para angariar fundos, alimentos e até mesmo agasalhos para os companheiros do Norte e Nordeste, que estavam vindo para São Paulo numa época fria. Nós tínhamos toda a legitimidade, a compreensão da categoria, assim como a simpatia da população, porque representávamos, naquele tempo, a classe trabalhadora que buscava se organizar de forma independente. Nós não tínhamos nenhuma experiência de congresso, exceto da nossa categoria para 300, 400 pessoas, no máximo. Mas estávamos falando de 5 mil trabalhadores que precisavam comer, dormir, se locomover, de apoio de secretaria, enfim, de toda uma infra-estrutura que nós não tínhamos. E nem podíamos contar com o que havia no sindicato, que estava sob intervenção. A grande maioria dos companheiros que trabalhou antes, durante e depois do Congresso era formada por trabalhadores. Companheiros que trabalhavam das 5h até as 17h, que saiam diretamente da fábrica para o local do Congresso, para cumprir alguma tarefa, e retomavam à fábrica sem voltar para casa. Companheiros que durante o Congresso faltaram ao serviço para trabalhar sem nenhuma remuneração. Quem não viveu talvez tenha dificuldade de entender, de sentir o real significado de tudo isso para os delegados, para a nossa categoria, para o avanço da luta e para a conscientização da classe trabalhadora.

O que diferencia a CUT, desde então, das outras forças que atuam no movimento sindical?
Quando assumi a presidência do nosso sindicato, havia uma disposição e até propostas para se tentar unificar o movimento. Conversando com Lula, eu me lembro como se fosse hoje da frase que ele me disse: "Olha Jair, se você quiser, eu acho que você tem de tentar. Mas vou te dar um conselho de amigo: quando comecei eu também imaginei que seria possível essa unificação. Mas você não conseguirá". Só mais tarde fui entender o significado daquela frase. A diferença entre os sindicalistas da CUT e os que estão na CGT é que há muito tempo nós superamos a fase de acreditar que os patrões poderiam estar preocupados com a nossa situação financeira. Há muito tempo que nós deixamos de acreditar ser possível alguma harmonia entre o capital e o trabalho. Há muito tempo nós deixamos de acreditar que é possível vivermos num país capitalista sem explicitarmos a luta de classes. Infelizmente, os dirigentes da CGT, intencional ou equivocadamente, ainda raciocinam daquela maneira.

Depois da criação da CUT, afloraram divergências internas. Há correntes dentro da Central que afirmam que a direção da CUT tem uma postura conciliadora, que está disposta a participar de um pacto social, que anda conversando com muita gente. A existência de 17 teses no 3º Concut reflete de certa forma essas divergências que culminaram com o lançamento de três chapas para a direção da CUT. Qual a dimensão dessas divergências?
Eu me recordo de que, na convocação da greve geral, juntamente com o Vicentinho, Jorge Coelho e outros companheiros, fui para o centro de São Paulo. Fizemos discursos inflamados, vi gente chorando de emoção, gente que nunca tinha nos visto. Saímos de lá convencidos de que não haveria um cidadão trabalhando no dia da greve geral, porque estávamos sendo ouvidos. Ora, não era verdade. O fato de algumas pessoas mais esclarecidas pararem para nos ouvir não significava que estávamos falando para todos os trabalhadores. E nem mesmo que todos que nos ouvissem estariam de acordo com a nossa proposta. A realidade é mais complexa. Não adianta eu pretender ou decretar que não se goste de futebol no Brasil, o país do futebol. Ninguém vai conseguir fazer com que o povo deixe de gostar de futebol de um dia para o outro. Eu sei que é um exemplo simples, mas que dá a dimensão das divergências. Se não aprendermos a conviver com a realidade, vamos continuar falando para nós mesmos. Uma greve, ou qualquer outra forma de luta, não pode sair da nossa cabeça, das nossas intenções. Em São Bernardo as propostas feitas na CUT são discutidas com os ativistas das fábricas, porque quem vai fazer a greve não é o Jair Meneguelli. Quem vai fazer a greve é o companheiro que está atrás da máquina, que vai parar a produção, que vai arcar com possíveis prejuízos, que vai dar respaldo efetivo. Não basta ler Marx ou Lenin e sair por aí imaginando que já temos condições de transformar a sociedade. É preciso que politizemos a luta, é preciso trabalhar e criar condições reais para que os trabalhadores entendam a necessidade de fazer greve. Além disso, a CUT é uma entidade plural, que pretende abarcar, contemplar, um número cada vez maior de sindicalistas e trabalhadores, mesmo os que tenham divergências conosco, seja no campo sindical seja no campo partidário. Nós vamos ter sindicalistas sem partido nenhum, vamos ter gente do PCB, do PCdo B, do PMDB, do PSDB, do PTB, do PDT etc., como já temos muitos deles militando entre nós. Mas precisamos de muitos mais. Muitos companheiros que hoje discordam da direção da CUT não conseguem entender ou discordam dessa posição; e acabam trazendo para dentro da CUT algumas divergências que aparecem dentro do Partido dos Trabalhadores.

E como superar essas divergências?
No meu entender de militante, o PT precisa pôr para funcionar a sua secretaria sindical. Não é possível que um partido com essa sigla ainda não tenha conseguido estruturar, não tenha conseguido definir claramente, uma linha sindical para seus militantes. É um absurdo a gente ver sindicalistas do PT defendendo posições absolutamente contraditórias com a origem, com a perspectiva e com os princípios do PT. Isso não podemos admitir.

 Isso não seria uma tarefa dos dirigentes sindicais petistas que hoje estão na CUT?
Também. Mas não dá para o Jair ser presidente da CUT e titular da secretaria sindical. Veja bem: na nossa bancada de parlamentares temos muitos sindicalistas, como Olívio Dutra, Paulo Paim, João Paulo, Paulo Delgado, Gumercindo Milhomem. Aqui em São Paulo temos o José Cicote, o Expedito, a Clara Ant, assim como inúmeros vereadores. É inacreditável que até hoje ainda não tenhamos conseguido sentar juntos, esses parlamentares sindicalistas, dirigentes da CUT que são petistas e a direção do partido para formular uma linha sindical para ser discutida dentro do PT. Essa tarefa cabe inicialmente àqueles companheiros que, de alguma forma, se encontram organicamente mais ligados ou liberados para atuar pelo partido.

E como fica a CUT após a promulgação da nova Constituição?
Os desafios que temos pela frente são grandes. Nunca tivemos muitas ilusões com essa Constituinte e nem com o resultado final da nova Carta. Foi correta nossa decisão de participar pressionando os parlamentares, por meio de moções populares e, até mesmo no final, quando colocamos milhares de trabalhadores nas ruas de São Bernardo, para garantir as poucas conquistas que constam da Constituição. Mas não podemos perder de vista a possibilidade, o risco de, ainda no processo de complementação das leis ordinárias, vermos feridos os princípios constitucionais e até mesmo a redução de alguns direitos conquistados. Veja o que o Saulo Ramos está fazendo. Como procurador da República, ele interpreta a nova Carta como bem entende, desde que favoreça o governo e as classes patronais. Isso nós não podemos permitir. Temos de ir à luta porque, diante das indefinições, só com luta poderemos garantir que o que está escrito tenha alguma validade prática. O direito de greve assim como a jornada de 6 horas para turnos ininterruptos, entre outros direitos, ainda correm riscos. É uma tarefa do movimento sindical exigir a aplicação dos direitos conquistados. E nós precisamos estar organizados, possivelmente muito mais organizados do que estivemos durante o processo de elaboração da nova Constituição. O imposto sindical que não caiu terá de ser derrubado na prática. Vamos ter de conciliar as lutas imediatas, que estão pipocando em quase todas as categorias, com essas lutas mais amplas, que exigem maior politização.

Qual deve ser a relação do PT com a CUT e vice-versa?
A CUT não pode, não deve ser e nem será um braço do Partido dos Trabalhadores. Mas o PT, ao formular uma política para o país, tem de priorizar os interesses do conjunto da classe trabalhadora e, sempre que possível, consultar as formulações e demandas da CUT.

E qual seria o papel da CUT no processo de transformação mais geral da sociedade?
A CUT pode contribuir politizando, organizando e mobilizando os trabalhadores. Temos de deixar de imaginar que nossa luta é só por salários. Temos de ter coragem também de discutir nas portas das fábricas, nos escritórios, na roça, em todos os locais de trabalho, os destinos políticos e partidários desse país.

A CUT deve ser caracterizada como socialista ou não?
Não. Eu penso que os seus dirigentes podem ser caracterizados como socialistas, mas a entidade não. Defendo o sindicato independentemente dos credos religiosos, dos partidos políticos, do governo e do regime, seja lá qual for. Se um dia nós tivermos um regime socialista, eu continuarei defendendo que o movimento sindical continue atento e vigilante sobre as condições de trabalho da classe trabalhadora.

Como se concilia a militância sindical com a militância petista?
Acredito que seja na distribuição de tarefas. Já passamos por esse problema em São Bernardo e talvez, citando um exemplo, a minha posição fique mais clara. Hoje, temos dirigentes que priorizam a tarefa diária da categoria. Temos outros dirigentes que priorizam a tarefa extracategoria, isto é, diretoria do Dieese, na CUT Regional, na CUT Estadual e na CUT Nacional. E hoje temos também dirigentes ligados a um compromisso de ajudar ao fortalecimento do partido. Eu acho que esse é o primeiro entendimento que nós temos que ter.

Isso é possível em São Bernardo porque existe uma confiança política na direção?
Claro! Nós temos confiança política, uma afinidade política na diretoria de São Bernardo; podemos ter certeza de que o que o Jair Meneguelli e o Oswaldo Bargas estão falando na CUT Nacional é exatamente a mesma coisa que o Marinho está falando na CUT Estadual, o Barbosa na CUT Regional, o Guiba no Departamento Profissional dos Metalúrgicos, o Vicentinho no Sindicato em São Bernardo, o Okamoto na direção estadual do Partido dos Trabalhadores. A afinidade e o compromisso são tantos que nos permitiram avançar nossa contribuição nas diversas instâncias e prioridades do movimento e da luta da classe trabalhadora.

Ou seja, se for feita uma distribuição de responsabilidades e de tarefas com critérios de confiança política, você pode potencializar o trabalho, seria isso?
Claro! Ninguém é insubstituível. Assim como o Lula foi presidente do sindicato, eu também já fui e hoje é o Vicentinho. Isso demonstra que não tem ninguém que seja insubstituível. O que nós aprendemos ao longo desse tempo é que não dá para a gente abraçar o mundo com dois braços, é preciso mais alguns braços; por isso a distribuição de tarefas aconteceu. Eu espero que aconteça em outros lugares, espero que aconteça dentro do PT, dentro da CUT e dentro do movimento em geral.

Paulo de Tarso Vencelsau é jornalista, economista, trabalha no departamento de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos (Desep) da CUT e é membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate.