Economia

Os programas e políticas públicas terão de partir de missões que dialoguem com os principais eixos do desenvolvimento: social, ambiental, macroeconômico e produtivo

Publicado na série Textos para Discussão-Economia e Desenvolvimento, sob o título "Uma estratégia de desenvolvimento econômico justo, solidário e sustentável: Frentes de expansão do investimento, do emprego e da renda" (pdf aqui)

Introdução

A estratégia de desenvolvimento aqui formulada tem como ponto de partida a recuperação das principais frentes de expansão da economia brasileira. Para colocar em prática essa nova estratégia, será preciso organizar os programas e políticas públicas a partir de missões que dialoguem com os quatro principais eixo do desenvolvimento: social, ambiental, macroeconômico e produtivo.

O processo terá como foco a recuperação da capacidade de crescimento e investimento da economia brasileira, a distribuição de renda e as transições ecológica, digital e energética, viabilizando a transformação da estrutura produtiva rumo a um novo paradigma tecnológico.

Frentes de expansão e eixos de desenvolvimento

A presente estratégia de desenvolvimento é integral e plenamente viável. É integral, porque atende a todas as dimensões (eixos) fundamentais do desenvolvimento socioeconômico e ambiental. Tem como objetivo o crescimento do investimento, do emprego e da renda com estabilidade de preços, direcionado à população como um todo, especialmente aos mais pobres e no que se refere ao salário, condições de trabalho e proteção social; defende de forma intransigente que o crescimento não pode ser feito às custas de danos ao meio ambiente, ou seja, que é necessário dar plena sustentabilidade ambiental ao desenvolvimento; e está direcionada à consolidação e diversificação da estrutura produtiva nacional, com introdução e difusão no país da veloz transformação tecnológica mundial.

E é plenamente viável, porque consiste na recuperação das quatro frentes de expansão (motores do crescimento), que estavam em franca atividade nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), mas infelizmente foram desarmadas pelo golpe parlamentar de 2015/16 e pelos dois governos que se seguiram:

  • Atividades associadas à produção de bens e serviços de consumo de massa, impulsionadas por aumento salarial, redistribuição da renda e proteção social (estimulando setores como alimentos processados, vestuário, eletrodomésticos, comércio varejista etc.).
  • Atividades associadas a investimentos públicos e gastos sociais, por meio de gastos correntes e investimentos em educação, saúde, trabalho, segurança, cultura, políticas de promoção da igualdade de gênero, racial e geracional (essa é uma frente particularmente virtuosa, porque caracterizada por muita criação de emprego).
  • Atividades intensivas no uso de infraestrutura econômica, com planejamento e governança nacional e socioambiental, com ênfase em energia, transporte, logística, habitação, saneamento, tecnologias de informação e comunicação, integração nacional e desenvolvimento regional.
  • Atividades intensivas no uso de recursos naturais estratégicos, com inovação industrial e governança nacional e socioambiental, com destaque para os setores de petróleo e gás, agropecuária, mineração, sociobiodiversidade.

Além de cumprirem funções diferenciadas na estratégia de desenvolvimento, cada uma das quatro frentes obedece a lógicas de demanda e de oferta (ativação de capacidade ociosa e ampliação de investimento) que são igualmente distintas entre si – exigindo, consequentemente, políticas de governo que são também qualitativamente distintas:

i) A frente de produção e consumo de massa é essencialmente dependente do aumento da renda do trabalho, da distribuição da renda (salário mínimo, reforma tributária, ampliação dos serviços públicos) e da disponibilidade de crédito a juros aceitáveis; esta frente é capaz de impulsionar o investimento induzido, através do aumento do consumo sobre a capacidade produtiva privada e, no caso da fronteira tecnológica, movido também por missões, programas e políticas de Estado.

ii) No caso dos investimentos públicos e gastos sociais, a demanda é ditada essencialmente pelos níveis de pobreza e pelos enormes déficits de acesso à oferta pública de serviços, assim como por requerimentos dos direitos da cidadania; a expansão da oferta (emprego e investimentos associados a serviços sociais) depende essencialmente das decisões políticas e econômicas em torno da alocação de recursos nos serviços sociais;

iii) No caso dos serviços intensivos em infraestrutura a demanda depende de taxas de expansão econômica e das elasticidades-renda da demanda pelos serviços; e, pelo lado da oferta, se move por evidências de déficits de infraestrutura e, principalmente, por decisões políticas e econômicas de governos relativamente à recuperação do investimento público e do financiamento público e privado de longo prazo;

iv) Por último, as atividades intensivas em recursos naturais dependem da demanda interna e internacional e, no que se refere a investimento, além de depender dessa mesma evolução, são movidas pela dotação de recursos naturais, por políticas de fomento à agricultura, por financiamento adequado e pelas decisões de investimento da Petrobras. Nessas atividades, uma governança estatal dos recursos é decisiva, em especial no sentido da preservação da sustentabilidade ambiental.

A indústria, que teve papel fundamental no ciclo de crescimento de 1930 a 1980, figura na estratégia aqui apresentada como um indispensável elemento potenciador e viabilizador da mesma, assim como a ciência, a tecnologia e a inovação.

A produção e o investimento dos diferentes subsetores industriais e as atividades de inovação são componentes básicos das cadeias produtivas que formam cada frente de expansão. Além disso, a indústria tem maior capacidade de promover e incorporar inovações técnicas e tecnológicas, gerar empregos de maior produtividade e melhor remuneração, além de promover a demanda por investimentos e garantir a atração de capitais de longo prazo para a economia brasileira. Por todos estes motivos, a recuperação, fortalecimento e transformação da indústria brasileira, com ganhos de competitividade e produtividade, é um elemento central de nossa estratégia de desenvolvimento.

As virtudes da estratégia e sua organização através de “missões”

O intercruzamento entre as frentes de expansão e os eixos do desenvolvimento tem seis grandes virtudes:

  • está “aterrissada” na evolução da economia brasileira, como ficou demonstrado nos governos anteriores do PT;
  • permite identificar ações governamentais específicas para cada uma das frentes, e diferenciadas de acordo com os quatro eixos do desenvolvimento;
  • permite identificar não só as políticas necessárias ao aumento da demanda, mas igualmente aquelas necessárias para ampliar em forma virtuosa a oferta de bens e serviços, pela via de investimento em capital fixo e em inovação que viabilizam a expansão da oferta;
  • permite constatar que as políticas emergenciais, em termos sociais e ambientais, representam um ponto de partida adequado para a retomada da estratégia de desenvolvimento em longo prazo: o combate à fome e à pobreza, o combate ao desmatamento, a reconstrução institucional etc.;
  • abre espaço para explicitar a identificação de “missões” bem especificadas (emergenciais, de médio e longo prazos) necessárias para hierarquizar e focar as políticas segundo prioridades de governo e da sociedade.

O desenvolvimento orientado por missões socioambientais aponta para as finalidades do processo de desenvolvimento e para a solução de problemas com vistas a alcançar objetivos desejados pela sociedade, articulando as demandas sociais e ambientais com uma base econômica, produtiva e tecnológica necessária para atender essas demandas. Ou seja, fortalece a ideia de planejamento, o pacto federativo e a participação social, já que a identificação das demandas ocorre nos territórios e a implementação dos projetos precisa ser construído com governadores e prefeitos.

Além disso, a estratégia implementada a partir de missões dará direção e os objetivos para a articulação entre o lado da demanda e da estrutura produtiva, presentes nas frentes de expansão. Essas missões também podem considerar em seus objetivos dimensões transversais que devem compor cada uma das missões, como meio ambiente, gênero e raça.

Promoção das transições portadores de futuro

A sexta virtude de nossa estratégia é a que evidencia sintonia fina com as três grandes transições portadoras de futuro:

  • a transição ecológica, orientada por uma economia da descarbonização, tecnologias ambientalmente adequadas, fim da expansão predatória da fronteira agrícola, reforma agrária, apoio à agricultura familiar, desmatamento zero e proteção da sociobiodiversidade;
  • a transição digital, orientada para a expansão da infraestrutura de fibra óptica, pela ampliação do acesso à internet e banda larga, pela regulação das big techs, por políticas de inclusão digital e pela redução do custo dos serviços de telecomunicações;
  • a transição energética, orientada pelas diretrizes da construção de um modelo energético orientado para uma economia com menos carbonização, expansão e diversificação da geração de energia com fontes limpas renováveis, proteção do pré-sal e da renda petroleira dele oriunda, com a promoção de um novo padrão de geração de energia.

Construindo as condições de implementar da nova estratégia de desenvolvimento

Para colocar em prática a estratégia aqui delineada, será fundamental que o Estado brasileiro recupere a capacidade de planejar, coordenar, induzir e investir, perdida nos últimos anos pelo desmonte neoliberal. Neste planejamento será fundamental examinar as cadeias de valores importantes para o país e em cada uma delas promover a integração entre os vários tipos de empresas: grandes, médias, pequenas e micro.

Dado o tamanho do desafio, nenhuma fonte de financiamento e indução do investimento deverá ser descartada, seja no campo do crédito, das concessões, das parcerias público-privadas, dos investimentos diretos no país e das garantias para o investimento privado. Destaca-se, no entanto, a necessidade urgente de recuperação do investimento público indutor, hoje em mínimas históricas e incapaz de recuperar a depreciação do estoque de capital.

O aumento na produtividade das empresas decorrente do uso intenso de novas tecnologias também precisa de uma atenção especial, com destaque para as micro e pequenas empresas que, em geral, possuem baixo acesso a novas tecnologias. Elas hoje apresentam as mais baixas taxas de produtividade e, se nada for feito, terão cada vez mais dificuldades para competir com as grandes e médias empresas em seus respectivos setores.

As condições macroeconômicas também são cruciais para o sucesso de qualquer estratégia, com a recuperação da estabilidade inflacionária, a ampliação do espaço no orçamento para investimento públicos bem planejados e a redução da volatilidade cambial.

Por fim, é fundamental que se recupere a estabilidade da democracia e das instituições de Estado, diariamente atacadas pelo atual governo. O fortalecimento do pacto federativo, a recuperação dos espaços de diálogo democrático, a recolocação do Brasil nos circuitos da diplomacia e negociação internacional e a construção de um ambiente de paz no campo e nas cidades são condições fundamentais para a retomada dos investimentos produtivos em nosso país.

Considerações finais

Em resumo, a estratégia de desenvolvimento aqui apresentada expõe uma nova lógica de operação da economia brasileira no longo prazo que garante simultaneamente dinamismo econômico e uma profunda transformação social e, dessa forma, reafirma que o caminho da redução das desigualdades, preservação do meio ambiente e garantia dos direitos é perfeitamente compatível com o dinamismo econômico. Mais ainda, o Brasil ganhará um enorme potencial de crescimento e desenvolvimento produtivo se enfrentar suas principais mazelas socioambientais. Não menos importante, o novo modelo de desenvolvimento desejado presta-se a fortalecer a inserção internacional do Brasil de forma soberana, além de estar assentado na defesa da democracia e da cidadania plenas.

Texto elaborado pelo Subgrupo dos NAPPs de economia e de C&T da Fundação Perseu Abramo (FPA) sobre estratégia de desenvolvimento formado por Luiz Antonio Elias (coordenador), Fernando Sarti, Gerson Gomes, Mariano Laplane, Pedro Rossi, Ricardo Bielschowsky e William Nozaki